31/03/2015

Eu tenho dois psiquiatras

Dois. E chegam-me perfeitamente. Toda a gente deveria ter, pelo menos, um. 
Os meus são o meu carro e o meu ferro de engomar. 

Quem já partilhou uma viagem comigo, nem que tenha durado dez metros, sabe do que falo. Sento-me ao volante, ainda não apertei o cinto, mas já liguei o motor, e baixa em mim a besta. Todas as minhas frustrações (que as tenho. Por exemplo, não ter mais 2 centímetros de altura e atingir, assim, os 170 centímetros no meu total), as minhas raivas (que as tenho. Por exemplo, não poder bater em cerca de uma pessoa que me provoca o nervo óptico por cerca de uma vez por dia) e as minhas tristezas (que as tenho. Por exemplo, quando o céu não se me apresenta azul-azul) me engolem inteira, qual tsunami, qual quê, antes o canhão da Nazaré, me invadem até à espinal medula, sobem por mim acima, descem por mim abaixo, assim mesmo, redundantes. O meu record, bati-o no dia em que, ao tirar o carro da garagem do prédio, me passei dos cornos na primeira curva (da garagem, não minha), ou seja, cerca de cinco metros adiante do meu lugar de estacionamento. Tinha motas no corredor de saída, e aquilo estoirou-me uma têmpora. Mas, lá está: bradei qualquer coisa como Aqueles grandessíssimos filhos da p***, que nem bom dia dão a uma pessoa, ainda se dão à lata de meterem as p**** das motas no caminho do meu carro, obrigando-me a uma manobra do c******, se fossem mas é para a p*** que os pariu, cab**** da m*****. Pronto. Ficou feita a catarse. Saí da garagem com a psicanálise feita, aliviada (refiro-me aos planos meramente emocional e psíquico), feliz, absolutamente tranquila. Zen também não, que isso não é para mim, e tranquila não é mansa.

Vou no trânsito e é igual: Sai da frente, ó boi; Mas esta gaja acha que está aonde?; Pronto, agora vamos ficar a pastar a vaca aqui, atrás deste. É muito, muito raro, gesticular, o que também não é suposto acontecer na marquesa ou no cadeirão do psi, embora, às vezes, tenha que responder aos gestos que me dirigem. Uma vez, uma mulher, ordinaríssima, fez-me um tóino. Isto deu-se à entrada da Ponte 25 de Abril. Eu passei-me tanto que até me custa aqui confessar que gesto lhe fiz de volta. Por isso, não confesso. O psiquiatra é o meu boi rodado, não são vocês. Mas, garantidamente, que atravessei a ponte cantando e assobiando, que é outra das minhas valências (e que ainda me vai tirar da miséria, um dia).

O meu ferro de engomar também é meu psi, mas de uma forma diferente. É quase um padre, ao qual me confesso, mas de pé, que, cá de joelhos, é só quando eu estou para aí virada, não é quando ao senhor prior apetece. Numa situação de grande stress, é ver-me ligar o ferro à corrente, montar a tábua à bruta, sem pedir licença, agarrar numa montanha de roupa amachucada e pimba-pimba-pimba, até me cansar, que é quando me acalmo. Atenção que o agente detonador de grande stress pode ser a mera visão da montanha de roupa que há para escalar, não preciso de muito mais. Passa a roupa a passada, passo eu, antes passada, a refeita, perfeita, bem feita, sem maleita, nem... chiu, antes que isto dê para o torto, que eu já vi que também rima.

Há também quem use a culinária para o mesmo fim. Eu não consigo. Embora cozinhe como uma profissa, não sou capaz de desabafar com os tachos. A cozinha é muito ingrata. Podes fazer tudo à pressa e ao calhas e sai-te uma iguaria que merece palmadas nas nalgas (caso andes a servir numa tasca), ou aplicares-te como uma alquimista e sair-te uma nhanha digna de uma boa surra no tronco. 

Se todas as pessoas tivessem um psi desta natureza, o mundo seria muito melhor e formar-se-ia um ciclo vicioso de boa disposição e bonaventurança*. Enquanto desafogavam as mágoas, ou acertavam as ideias, estariam, igualmente, a fazer qualquer coisa de útil, senão para a Humanidade, pelo menos para o próprio umbigo que, como se sabe, é o centro do Universo de uma larga camada da população. Sobretudo, fariam qualquer coisa de não prejudicial. Em vez disso, têm blogs. 
Eu também tenho um blog, caso não saibam. Mas, quando estou verdadeiramente aflita, virada contra o mundo, e, muito em particular, quando o mundo está virado contra mim, agarro no cesto da roupa por passar, vou-me a ele e dou-lhe uma boa tareia. Em alternativa, ou em cumulativa, mas nunca em simultânea, vou dar uma volta de carro, nem que seja ao bilhar grande. Mas não chateio ninguém.

* Sei lá por que é que escrevi esta palavra. Gosto dela, uso-a na minha linguagem comum, o blog é meu e apeteceu-me. Acho que a li num manual de História, uma vez, e fiquei tão fascinada por ela que já não retive nada da matéria que estava a estudar, mas ficou-me esta bonaventurança de palavra a bater no ouvido, cheia de ritmos coloridos. E sim, eu sou esquisita.

20 comentários:

  1. "Eu tenho dois psiquiatras"

    ....que em nada são iguais? Mas não tens a certeza de qual gostas mais? :P

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    1. Pior: ainda não percebi qual é o loiro e qual é o moreno :P

      Reparaste no cuidado com a divisão dos parágrafos? :P
      (na verdade, cheguei ao fim e nem eu lia aquilo)

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    2. Reparei sim e depois de fazer o meu 1º comentário, fui ler o post, mas não tenho muito a acrescentar. Eu não disparato assim tanto ao volante, embora também faça um pouco do que escreveste.

      Agora fizeste-me lembrar duma cena que aconteceu ante-ontem e que queria fazer um post sobre isso :P

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    3. Portanto, confessas que comentaste antes de ler :P
      Isto é um desgaste que me vai levar ao esgotamento dos nervos ópticos :P

      Eu ando há anos a avisar o mundo que ponha os olhos em mim, que eu sou uma fonte :P

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    4. Sim sim, não podia deixar passar o título :P

      Mas é bom ver um texto bem separadinho :P

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    5. Há oportunidades assim: ou as agarras, ou bumba :P

      Sou tão influenciável :P
      (pelo menos, não vieste para aqui dizer coisas do meu header, como o outro)

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  2. Anónimo31/3/15





    真剣に、あなたが必要なのは2精神科医のですか?

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    1. そして、あなたは、代わりに日本への書き込み、またあなた自身のための1つを取得するべきではないのですか?

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    2. Para vocês também :P

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    3. Anónimo31/3/15

      ナット美しい、あなたの日本語がひどいです。親愛なるキス。

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    4. 私は日本人ではないだからでなければなりません

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    5. Jedi, compadece-te dos meus trabalhos.
      Agora sai-me uma japonesa na rifa.
      Amando-a para Tóquio?
      :P
      Puxa, sorte magana.

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  3. Anónimo31/3/15

    Quando estiveres muito muito aflita avisa, que se arranja um cesto de roupa à escala dessa aflição ;-)

    Beijos

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    1. És um pai para mim :D
      Mas as meias, irmanas tu, que isso é coisa para me pôr mais doente.

      Beijos

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    2. Cá em casa já despachei esse assunto...

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    3. Anónimo31/3/15

      Lol não sou um gajo tradicional, só tenho meias com riscos, cores, bolinhas, muito fáceis de irmanar ;-)

      Beijos

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    4. Ah, essas também me servem de terapia ocupacional. Agora, as que são azuis e pretas, todas iguais, mas todas diferentes, esquece ;)

      Beijos

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    5. Das meias, Uva?
      Eu, foi com clips, mas não sei se não piorei a minha situação.

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  4. O ferro, é uma das minhas terapias também. Já emparelhar meias, é coisa para depressão. Vai daí, é comum ouvir-se um grito "oh mãeeeeeeeeeee! não há meias na gaveta!"

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    1. Eu só tenho vontade de arranjar um cesto, atiro tudo lá para dentro, e eles que vão emparelhando, à medida que vão usando.

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