10/04/2025
Equação do coração
06/04/2025
Pode ter sido
por ir sozinha, sem a minha companheira destas estupendices, por estar em competições internacionais das suas danças — e já ter no papinho que eu fiz e me cheirou a bebé até que deixou de ser possível cheirá-lo, dois primeiros e um segundo prémios —, e essa ausência dela me imprimir a responsabilidade acrescida de correr pelas duas, ou por ter tomado magnésio e uma beberagem hidratante que sabia a Coca-Cola mas era doce e enjoativa como mel, ou terá sido aquele segundo café do dia que não tomo há anos e vai permitir que eu adormeça talvez depois de amanhã, ou então daquela ida à casa-de-banho fazer duas gotas de chichi, mas que me haviam convencido que iam transformar-se em dois litros, e ter estado dez minutos metida numa escada estreita com cada degrau, sua mulher, um cheiro contagioso a amoníaco das trezentas urinas já ali depositadas, mas um autoclismo corajoso e espadaúdo, gargalhadas escadas abaixo, ou se foi do cantil de dois litros que levei às costas e me dava um misterioso ar de fumadora de cachimbo de água, mas me manteve hidratada todo o caminho, não tivesse eu bebido três quartas partes do conteúdo, ou se foi da chuva, que não deu tréguas e soube tão bem, água no suor, hão-de experimentar, mas me obrigou a colocar o boné cor-de-rosa bordado com “Never give up” e o laço, porque o hijab que havia feito com a blusinha estava a permitir que a chuva me borrasse o rímel e então ia chegar à meta como um membro dos Kiss, ou se foi a gana de completar a corrida sem abrandamentos de passada larga, a verdade é que não desacelerei, não parei, e fiz o meu pior tempo de sempre, mas foi a primeira corrida feita de seguida no meu pós-guerra e pode ter sido a minha melhor corrida de toda a vida, sempre, para Sempre Mulher.
25/02/2025
Uma de nós
Começámos o programa um pouco por curiosidade e interesse em informação acerca do que nos traria a vida pós-cancro, éramos todas desconhecidas, unidas por um laço triste como são os da pouca sorte, iguais àqueles que domam à força um cavalo selvagem.
Com o passar das semanas, algumas desistiram por motivos lá delas, outras mantivemo-nos intactas, procurando, através do exercício físico, respostas para os nossos corpos retalhados e as nossas cabeças quebradas. O ambiente foi sempre cordial e, às vezes, alegre.
Mas ontem houve abraços e houve lágrimas. A uma de nós apareceu “uma coisa” num pulmão. Todas vivemos com esses dois monstros a ensombrarem-nos os dias e as noites, sejam de sol, de chuva ou de lua cheia: os pulmões e o cérebro, para onde dispara, quando prime o gatilho, o que tivemos, umas há três anos, outras há cinco, cada caso é um caso, cada organismo é um organismo. Temos estes chavões gravados com ferro em brasa nas nossas almas, agarramo-nos a eles nas horas mais aflitas e também nas mais aliviadas.
Dei comigo a dizer-lhe: “Deus é grande, não há-de permitir. O pior já nós passámos”, logo eu, que só acredito num Ser maior, que tudo pode e nem sempre nos faz a vontade, mas não me levem aos padres, que eu não fui feita para aqueles rituais sem nexo nem lógica.
Deus é grande, não há-de permitir. O pior já nós passámos.
24/02/2025
Dez dias, três borboteiras
Precisava com urgência para anteontem de uma borboteira, e então mandei vir daquela megastore da China (já sei as vossas opiniões, as quais partilho, porém também me farta pagar a multiplicar por dez pela mesma m. que posso pagar a dividir por dez),
(aliás, aprendam comigo, que eu, injustamente, não duro para sempre: também havia mandado vir da mesma mega um par de sapatos de dança, depois recebi um mail a confirmar o envio, depois recebi outro a anunciar que o meu pagamento tinha um defeito qualquer, refiz a encomenda, acrescentei três itens à minha vontade, um dos quais os sapatos de dança e, antes de pagar, lembrei-me que a primeira encomenda já vinha a caminho, fechei a aplicação sem ter pago a segunda, e não pensei mais nisso, até ao dia em que me chegaram a casa os cinco artigos, dois pares de sapatos de dança incluídos. São tão extremamente confortáveis que só me apetece dormir com eles, e custaram doze paus — um par, porque o outro, conforme já disse, me saiu de graça e ofereci logo à que fala tanto, a ver se ela se calava. Não calou.)
porque até havia uma no lar, mas não a encontrei na balbúrdia da minha casa nem no caos de uma das arrecadações, pelo que presumo que deu o peido mestre e foi com a vara. Chegou-me uma coisa que fazia o barulho de borboteira, praticamente não tinha depósito para borbotos e era recarregável como um telemóvel, algo de inalcançavelmente evoluído. Vai que só tinha cerca de cinco minutos de autonomia, o que nem chega para a manga de um pullover, e depois era preciso esperar talvez doze horas para que a máquina se autonomizasse de novo. Como não sei falar mandarim, fui em demanda por outra.
Chego à loja da catedral, onde normalmente sou bem servida pois fujo a sete ou oito pés da que começa por Wor e acaba em ten (nunca comprei lá nada que não viesse avariado, ou não avariasse no espaço de uma semana), acerco-me de uma funcionária cujos olhos dispararam na minha direcção um "odeio-te" muito claro, vá-se lá perceber porquê (havia de ter-lhe perguntado por uma rebarbadora para o buço, mas nunca me lembro destas piadas no momento certo), e digo:
- Boa tarde. Ando à procura de uma borboteira.
- Boa tarde. Hã? Borboteira? — E era ver o nariz dela, ou lá o que era aquilo, alçar-se todo para cima, os dentes de cima, ou lá o que eram aquilos, todos à mostra, a chispar. Lembrou-me aquelas hienas do Rei Leão, mas eu estava em missão, não queria perder o foco. — A senhora quer dizer 'uma máquina para tirar borbotos?' [Oh, pá, está aqui uma sumidade linguística a perder-se a vender tralha eléctrica, agora percebo a revolta.] [Que nome sugeriria sua sumidade para uma máquina que só serve mesmo para tirar borbotos? "Depilaborbotos"? "Saca-bolas da lã"?]
- Sim.
Mostrou-me duas ou três marcas, modelos todos iguais, pequenas e frágeis como eu já tive uma, que arrancam um borboto de cada vez e não os trinta mil de que cada pullover de cônjuge já padecia, além do que mordem que se fartam, à pincher, e fazem buracos na lã.
- Muito obrigada, quero daquelas grandes que parecem um ferro de engomar. Lá terei que ir à Wor ten.
E fui. Muito bem atendida, desta vez era um homem, que entendeu a palavra "borboteira", me fez a encomenda para a fábrica/ armazém e prometeu que a teria daí a três dias. Assim aconteceu, máquina maravilha, limpou duas ou três camisolas e, ao terceiro dia, descansou. Eternamente. Confirmada a minha teoria pela enésima vez, devolvi-a e recebi a quantia que despendera por ela.
Meti-me numa loja de rua que vende quase tudo o que é eléctrico, pedi por uma borboteira, o senhor percebeu a palavra e simplesmente vendeu-me uma máquina decente, que já limpou o que faltava limpar e está ali para as curvas que as lãs também têm.
Moral da história: nenhuma. Foram três borboteiras em dez dias. Nada má, esta média, como sempre, em mim.
14/02/2025
Tenho um timor, senhora
20/01/2025
Ela fala tanto # 32
Infelizmente, desembezerrou.
Tinha um sinal estranho (agora acho tudo estranho em mim, menos o que é verdadeiramente estranho) (agora o sinal já não é estranho porque já fui mostrá-lo a um especialista). À saída para a consulta, disse-lhe:
- Vou agora ao médico para ele ver um sinal que tenho, que acho suspeito.
Resposta:
- Eu tenho uma nódoa negra no cotovelo que não imagina. Está roxa e preta. Foi ontem, fui bater com o braço no puxador da porta da minha cozinha, nem sei como é que lá fui dar. Foi com tanta força, que até fiquei zonza e tive que pedir ajuda. Isto também pode ser da anemia, que eu, com estas hemorragias todas, ando anémica. Por isso é que me dói tudo, é pulsos, é joelhos, é braços, é pernas. E tenho medo de cair, tenho tantas tonturas. Mas isso deve de ser derivado aos cristais.
15/01/2025
Eu tenho problemas com médicos # 33E com tudo # 40
02/01/2025
Dormi, corri, lagartei
Passei o reveillon numa festa do maior luxo e abundância, entre peles verdadeiras de marta e arminho, perfumes daqueles que nunca mais nos saem do nariz, nem que o arranquemos, penteados armados com duas embalagens de cola laca, bâtons de tons histriónicos, gargalhadas falsas e champanhe Moët & Chandon a escorrer pelas goelas delas e deles, ou delos, ou lá como é que agora temos que dizer, senão ainda nos açoitam, ai de mim se digo que sou heterossexual, apontam-me logo a unha gigante (como é que limpam o rabo com aquelas garras?) em guinchos de "binária!", dizia eu, eram cigarrilhas, música que nunca ouvi, à meia-noite silvos de foguetes e de gente inebriada com o espelho e...
Ah, era eu de pijama e robe, aquilo tinha sido um delírio ou um pesadelo acordada, tirem-me de ambientes desses, eu bebi uma garrafa quase inteira de Champômix e fiquei logo viciada, garanto que vou tornar-me dependente daquilo, como se fosse verdade que tem mesmo maçã. Ao passar do ano, chamada via whatsapp dos filhos todos, uns longe, outros perto, mas todos fora da minha asa, gargalhadas autênticas e votos bons, de coisas doces.
Meia-noite e trinta, a bela adormece, para só acordar ao meio-dia e meia, já do dia 1. Sento-me na cama e digo a cônjuge que vou correr. Era o prometido para o primeiro dia do ano, mas não àquela hora. Indiferente, a cidade dorme como eu até há pouco. E lá vamos, ele mais veloz, eu a meditar por que raio me meto nestas aventuras logo assim que raia o dia para mim.
Mas corri. Estava a terminar os seis quilómetros para os quais me determinara, quando vejo, a atravessar o caminho de todos os grandes atletas como eu, uma corda muito bonita. Parei (boa desculpa) e observei. Pensei: "Oh, uma cobrinha tão comprida, mas tão magrinha!". Uma vez que a minha prioridade não era alimentá-la, mas sim salvar-lhe a vida — em claro risco, devido à velocidade a que se deslocava e à quantidade de humanos que ali passavam —, pelo que agarrei num pauzinho, a ver se ela enrolava ali a cabeça e depois eu poderia atirá-la para as relvas, ou assim. Mal lhe toco com o pau, a coisa começa a desfazer-se como um Lego mole, em pedaços de três centímetros. Só assim percebi que se tratava de uma comunidade, pelos meus cálculos com sessenta e tal elementos — não tinha menos de dois metros de comprimento — e resolvi ir-me embora, a Natureza que seguisse o seu curso e eu o meu percurso.
Só mais tarde fui informada, de forma informal, que se tratava de uma fileira de lagartas do pinheiro, relativamente perigosas. Ainda bem que me pus à fresca. Não quero apanhar mais porras. E estava demasiado preocupada com o facto de ter dormido mais de metade do ano, até àquela hora.