10/04/2025

Equação do coração

Cheguei ao balcão e esperei a minha vez. Percebi imediatamente que estaria demorada para chegar, pois havia apenas uma registadora para duas funcionárias, e um cliente que espalhara um rol de roupa a todo o comprimento e uma das senhoras registava peça a peça. Camisas de boa qualidade e trapos velhos. Uma toalha de banho esfarrapada em todo o rebordo, debotada ou só cansada da idade. Fiz um breve sinal com a cabeça à que iria atender-me, sussurrei, “Aquela toalha?”, ela olhou com o mesmo espanto para o pano, “Essa toalha é para quê?”. “Pra coser”, e depois um suspiro, quase um gemido infantil. Quem sou eu para julgar, se ainda guardo a minha toalha de praia do tempo que se perdeu pelos mares e muita dobrinha de carne me há-de ter secado?, quem sou eu, se ainda guardo a minha almofada do tempo da cama de grades? “Cada vez que estás doente, falas com mais sotaque. Porquê?”. Respondi por ela: “Saudades da mãe”, ela com os olhos molhados cravados nos meus, “Como é que ‘cê sabe?”, e logo um beicinho, “Faz três anos que não vejo minha mãe.”. “Fácil equação: começa a falar a língua materna cada vez que se sente fragilizada, criança de novo, a precisar de mãe”. 
“É isso mesmo, olha só…”, toda ela encolhida, de cabeça baixa, quando tive que virar costas e sair dali.