28/02/2018

Ela fala tanto # 23

Entra e traz atrás dela o excesso de ruídos que lhe é característico, quiçá se por temer passar despercebida (como se isso fosse possível; como se isso fosse fundamental): bate os saltos das botas ainda no patamar dos elevadores, bate a porta, só não bate continência (lá iremos?), acelera o passo com a desculpa do guarda-chuva molhado até à casa-de-banho, tosse, deseja bom dia, dá conta de que está a chover — para o caso de eu ainda não ter percebido, não só pelo espalhafato com o guarda-chuva, como também porque existe a possibilidade, ínfima que seja, de eu viver num casulo e, no limite e na loucura, não ter internet —, ainda não despiu o casaco e já me está a perguntar o que é o almoço (são 9 da madrugada, genitais, eu ainda nem pintalguei o rosto de cores saudáveis e já me estão a sobrecarregar com particularidades?). Balbucio-lhe uma possibilidade, legumes à Braz. Ainda antes de vestir a bata, dispara:
- Por falar nisso [segura-te, LB, vem lá rajada], tenho uma dor nesta orelha que não lhe passa pela cabeça. 
- [Silêncio.] [Nunca poderá passar-me pela cabeça o que seja uma dor na orelha de quem quer que seja, que não seja algo equivalente à de Mr. Van Gogh.]
- É mesmo aqui no bolbo, cada vez que lá toco até amarinho pelas paredes. [Acima?]
- [Eu preciso de silêncio.]
- Isto foi outro dia, magoei-me com um brinco e agora dói-me. 
- Rasgou?
- Não, foi o brinco que se prendeu no furo. O brinco tem aquela parte para se meter no furo, mas não foi essa parte, foi a outra, meteu-se para lá, depois torceu, não sei como, vi-me aflita para o tirar, já na altura me doeu imenso, agora dói-me cada vez que toco lá. E é que não passa, raio do brinco, não sei como é que me fez aquilo, ainda por cima é da ourivesaria, nem é daqueles ordinários, e... [beca-beca-beca-dores-agonia-não-aguento-dói-dói-beca-beca]...
- [Tanta FDF que singra por este país afora]...


27/02/2018

Espírito de missão, ou lá o que é isto

Tinha uma autoincumbida — porque a autodeterminação é uma coisa muito bonita — e comprida missão a cumprir, que era a de fazer uns pequenos bolos para oferecer a um grupo ao qual pertenço, sendo que, para tanto, teria também que providenciar pelo seu transporte (dos bolos, não do grupo), o que envolvia uma sinuosa e previsivelmente acidentada viagem de metro. 
(Eu sou aquela detestavelzinha que se mete nas merdas com a estrita e única intenção de depois poder queixar-se. Aviso já.)
(É que isto tinha tudo para correr mal, e até me palpitava a anteriori, por que é que insisti? Para haver uma  posteriori? Para ter ceninhas para contar? Chata da porra.)
Comecei por fazer, com a mesma receita, um mega-bolo lá para o lar, feito laboratório experimental, com vista a atingir uma amostra estatística: assim eles gostassem, assim o grupo gostaria. O bolo desmanchou-se, como já disse e não quero voltar a repetir, mas ficou tão saboroso e foi aspirado em tão poucas horas, que a interpretação dos meus dados me disse que sim, que era aquele o caminho. 
Fiz, então, pequenos e belos cocozinhos os bolos pequenos.

Hã? Só classe.
Tanta coisa para demonstrar o quão sou boa na cozinha,
vertente pastelaria e doçaria.
Receita aqui.

Seguidamente, enfrentei o problema do acondicionamento para transportar meus produtos no sinuoso percurso de quarenta minutos, que envolve uma parte a pé, outra nos trancos e barrancos do metro — com mudança de linha incluída —, mais outra parte que envolve a subida de uma rua cujo passeio é em formato de anedota (hahaha. Não ri, isto foi um espasmo). No entanto, arranjei uma caixa perfeita para aquele fim, grande e rígida, que meti dentro de um saco de compras dos grandes, para poder carregá-la mais facilmente (?).
(Nesta fase do processo, já eu estava arrependida de ter nascido.)
Saco ao ombro, toca de dar início à viagem, isto tudo de saltos altos, que eu cá, quando me meto nas missões, é para esfolar os dois joelhos até sangrar. 
Após ter atravessado ventos e marés, materializados sob a forma de escadas rolantes — nas de descida, há toda uma estratégia e uma arte de equilíbrio a considerar aquando da colocação do pezito no degrau certo, sobretudo quando se vai assim carregada —, escadas não rolantes (aquelas que ficam sempre paradas, sabem?), entrada no metro com um saco enorme (ou que, pelo menos, ia aumentando de tamanho à medida que o tempo decorria; e eu já a sentir-me um São Cristóvão) (vá que não me deu para sair no Martim Moniz), atravessamento das portas automáticas pelo lado do canal especial, mais escadas rolantes e escadas quietas (numa tradução livre, libertária e feliz, rolling stairs versus stone stairs), mais o tal passeio de piada (hahaha, outro espasmo), para chegar lá e...
oh...
... não haver encontro, por ausência do mestre.
(Não voltei para trás com a tralha toda atrás, não. Fiz beicinho e pedi que me guardassem os meus pequenos dejectos no frigorífico até uma próxima oportunidade. Até lá, transformar-se-ão efectivamente nas poias que parecem ser, mas paciência. A sorte protege os audazes. (E também os prevaricadores.) (E os lamechas.) (E os irónicos.) Enfim, não sei por que é que escrevi isto. Mas tinha ali este título metido nos rascunhos há que tempos, já não sei para que post, e tinha que acabar este de qualquer maneira.

26/02/2018

Os anjos não dão quedas

Quando a conheci, já estava e já era assim, estática e volátil, o olhar branco, opaco e perdido, o sorriso preso no último rasgo, quem sabe se no momento anterior àquele em que a doença lhe levou a vida sob a forma de viço. De todas as vezes que nos cruzámos, porém, respondeu ao meu "boa tarde" com um igual, embora não lhe tenha ouvido, para mim ou para quem fosse, mais do que isso. Ali a vi sempre, no café do marido, que há-de ter sido construído pelos dois, e onde, agora que as células lhe morrem na cabeça uma após a outra, formando tranças indissolúveis, lhe restou reservado o papel de estátua, de estátua de papel.
Naquele dia, vi-a sair, etérea, passo miudinho após passo miudinho, o corpo pequenino abrigado por calças e casaquinho de malha. Foi em direcção a sabe-se lá, em busca ou em fuga, ou então nada de coisa nenhuma destas, quem pode saber o que se passa num cérebro que deixou de processar da mesma forma que os outros? Não que me tenha feito diferença vê-la sair, não que tenha ao menos pensado que não estava certo e corria riscos — como é dramático o regresso à infância sendo assim —, não pensei mesmo nada, foi como se um anjo tivesse passado por mim e eu estivesse demasiado absorta no meu café, porque estava.
Momentos depois, vi-a surgir pelo braço de outra mulher, que chamou dali o marido e lhe narrou que a havia ido "apanhar já ao fundo da rua, na ponta do passeio, e não pode, e é perigoso".
Ele era todo grisalho de sobrancelhas carrancudas e bigode espesso quando a segurou, agarrando-a por um braço, e vociferou o imperdoável: "É só para a maldade, não é? Já não serves para nada, mas lá para a maldade estás sempre pronta!". E, de olhos besuntados em mim, continuou o horror: "Nem esse corpo já serve para alguma coisa, só serves para a maldade!".
Ela com o mesmo olhar branco e o sorriso preso no último rasgo.
Não me perdoo a incredulidade, o nojo, o choque, a inacção. Titubeei ridiculamente uma espécie de axioma, "Isso é violência doméstica, deve saber que é crime", e saí dali. Fui em direcção a sabe-se lá, em busca ou em fuga, cheia daquelas dores da impotência, da raiva e da certeza de não mais voltar.


25/02/2018

I, Tonya

(se acharem que é spoiler, é não lerem # 7)

Ide ver.
Just do it*.
(Pessoalmente, não tenho qualquer memória dos factos relatados no filme. You know, I was too much occupied having babies.)
Sala cheia, minha criança era a mais nova (coincidentemente, da mesma idade que a protagonista), depois uma mulher à nossa frente, logo a seguir eu própria. Dá para imaginar a brancura do panorama até à tela, já que ficámos na última fila? Alguém saberá explicar-me o fenómeno?
(Ainda assim, e por que não?) ide. Já disse?

*NMPPI, nem é pub encapotada

Cada um tem as maratonas que merece


Done.
Saí de lá convencida que no dia seguinte (hoje) ia estar a tubos: uma palhinha para me alimentar, um outro para escoar as águas que vão para a ETAR. 
Afinal, acordei dorida, pois que estou mais velha todos os dias, porém não entrevada, pelo que fugi do leito antes que ele me prendesse por indolência, e lá fui para o bailarico mais uma hora. Isto, no pressuposto de que a aula ia ser calminha, uma vez que a titcha tem andado doente. Subestimei a juventude dela, o treino e a gana. Hoje estava endiabrada. (Ou eu angelicada?) Levei uma pequena tareia em cima do tareão de ontem, pode ser que amanhã consiga, pelo menos, segurar a palhinha com os dentes. Quanto ao outro assunto, ainda não decidi como é que o resolverei se não conseguir mover-me até ao sanitário, mas pondero tudo fazer para reprimir, que isto há limites para a decência e a higiene. Já para a mania de que sou a maior é que parece que não. Bem feita que sofra dos glúteos nervos.

24/02/2018

Rapidinhas

1. Sabes que vais a conduzir totalmente bêbada 
de sono 
(hah, que susto, hã?)
quando, ao circulares em direcção à segunda circular, ainda nem 8 da madrugada o são —
que céu, Lisboa assim;
que céu, o de Lisboa;
se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa
—, vês um outdoor propagandeando o filme que pretendes visionar em breve, brevemente, I, TONYA, mas a tua mente demente lê, exactamente, Ai-TONTA
~
2. Parecendo que não, o Verão está aí não tarda, que já tarda. E eu encontro-me, desde anteontem, perdidamente apaixonada por um conjunto que vi numa montra, ao passar por ela de carro, portanto, todo este mix de emoções a dar-se num relance. Lembro-me de ter passado e pensado: "Vais ser meu", ou, em estrangeiro americano-britânico, "You will be mine, you will be mine, all mine". 




Nos próximos episódios, veremos como e se se concretiza o casamento. Neste momento, já não concebo a minha vida sem ele. 
~
3. Ainda a propósito da aproximação do Verão: ontem ouvi uma melodia na minha Radar, que nunca me desaponta, e que dá pelo sugestivo nome de Celulitite (que há-de ser a mania da celulite, bem esgalhado). É para verem que isto aqui não é só um poço de requinte e bom gosto. De vez em quando, lá me foge o pezinho para o chinelo (Prada, é certo, porém, chinelo). 

~
4. Estou no defeso para uma maratona de dança, a ter lugar em breve. Já estou equipada, já pus a jeito a ligadura para o meu tornozelo de Aquiles Linda, quase não vou almoçar, que é para não me dar a travadinha a meio do esquema (apenas magnésio e potássio e gulodice, sob a forma de uma banana e muitos amendoins), já bebi água para duas semanas de vida, só me falta cortar as unhas dos pés. Estou a gozar, não falta nada. 
~
5. Fiz um bolo de chocolate que ficou uma maravilha, mas a m. da receita dizia para desenformar ainda quente, e eu acreditei, mesmo sabendo que não é assim, assim fiz e ele desmanchou-se todo como uma Desdémona. Está tão saboroso, que marcha assim mesmo na mesma. Diz que a beleza não é tudo na vida, e eu, embora céptica, começo a acreditar também na riqueza do conteúdo, ou lá o que é.


23/02/2018

Mondo cane

Estava eu muito descansada da minha vida na farmácia, dando graças aos céus que não estava de serviço o senhor dos bigodes que me diz que fique mais um pouco cada vez que lá vou — e eu tenho medo; continuo a achar que as pessoas crescidas são demasiado esquisitas, brlá-brlá-brlá —, mas lamentando não estar igualmente aquela senhora simpática que me conhece pelo nome, que me avia num instantinho enquanto me pergunta tudo e mais alguma coisa sobre a minha vida, e o desafio é pagar antes que ela chegue à quinta pergunta, ou ganhe intimidades maiores do que as de me vender cenas para a tensão arterial — hey, dude, I didn't ask for a psychiatrist! — e entra um cão. O cão era loiro, pêlo médio, porte médio. E depois entrou uma mulher que, coincidentemente (?), era loira, cabelo curto, à cão, porte médio. Eu até achei giro o facto de parecerem parentes, o que não constitui novidade nenhuma, bastando, para se confirmar esta teoria, consultar a nettinha. Desconheço se se trata de uma causa — uns já escolhem os outros por semelhança — ou consequência — a convivência no mesmo espaço, ao fim de uns tempos, parece que provoca isso. (Deve ser por esse motivo que cá no lar somos todos iguais. Só que não.)
Ora, o cão vinha sem trela. Percorreu todas as estantes e todos os recantos da farmácia, mas nem piou (o que seria verdadeiramente extraordinário), nem bufou (que eu desse pelo facto). 
Quando ambos saíram (porque também existe uma lei de Murphy qualquer que diz que eu até posso ter chegado primeiro, mas que me vai calhar na sorte magana a funcionária mais lesa), entendi questionar assim:
- Os cães já podem entrar nas farmácias? — Isto, porque tenho fases do dia em que gosto de fazer perguntas retóricas/ básicas/ ignorantes, e aquela era uma delas. 
- ... [Hesitação]
- É que nunca vi...
- Na nossa farmácia, podem. Nós somos amigos dos animais. 
[Pôxa, também eu. E das plantas. E das pedras. Mas não é por isso que entro com um menir às costas farmácia adentro.]
- Ah, está bem. A ASAE aqui não passa.
E vai de girar os saltos porta fora, que o ambiente já estava a ficar um nico sobrecarregado com tanta idiossincrasia. E saí um bocado meditabunda, até me lembrei do pensativo cigarro do Zé Maria E. Q., ora Eça.
Acho que já se disse tudo sobre a coexistência de cães, gatos, lacraus e baratas (por que não, essa agora? Se a minha baratinha quiser ir comigo ao restaurante visitar as amigas, quero ver quem tem peitos para nos contrariar o intento!), por isso não me apetece dizer mais nada, que este coiso também já vai longo e eu tenho que ir almoçar, que já se fazem horas. Levo a minha Cuca comigo, com as suas sete saias de veludo. Fica mesmo bonita. 
E ai de quem. 


22/02/2018

The girl next door # 14

Enquanto, por um lado, tenho vizinhos passados da marmita (não quero sequer imaginar o que acontece dentro do móvel da cozinha onde as guardam), e que desde o dia das bruxas — seja lá o que isso for — até ao dia dos namorados — seja lá o que isso for —, passando em brancas nuvens o Carnaval — idem —, comemoram tudo, em tudo me fazendo lembrar aquele anúncio do aniversário do coelho da Joana,


por outro lado, tenho vizinhos que me odeiam. Mas, quando digo odeiam, é mesmo o verbo levado ao pé da letra, é aquele sentimento tão próximo do amor quanto pode sê-lo, ao ponto de haver a preocupação de manifestá-lo, de fazer tudo para que o outro (eu) dê por isso, de se fazer notar. (Só falta fazer flick-flack encarpado à retaguarda com triplo mortal quando me vê.) Penso mesmo que o homem — trata-se de um homem (do mais feio e desinteressante e mal cheiroso que existe — o que já deu para sentir no confinadinho espaço do elevador, das poucas vezes que lá coincidimos —, mas diz que o coração lá tem razões que a razão desconhece), tudo faz para que eu perceba o quanto me detesta. Mas isto há anos. Há muitos anos. Mais de vinte, são muitíssimos. Não sei lá que soberana ofensa fiz a sua majestade, que desde ter feito marcha-atrás a uma velocidade de corrida mais louca do mundo quando viu que eu ia a atravessar na.passadeira | com.uma.criança | ao.colo, até se dar ao trabalho de mandar os dois elevadores para o mais longe possível do rés-do-chão quando vê que eu vou a entrar no prédio (só possível se passar os dias à janela, a ver se me vê surgir. Cão), até bater com a porta quando coincidimos na entrada do prédio, ele há de tudo um pouco naquela rica panóplia de merdinhas ofensivas. A mim o assunto também já me anda a começar a moer, maneiras que tenho vindo a desistir de todo o refinamento e sofisticação que me são característicos. A última vez que nos encontrámos à saída do edifício, lá ia o sarnento à minha frente, olhou para trás quando ouviu (a senhora d) os meus passos, confirmou que era eu, saiu e largou a porta, porque lá na favela onde foi educado nem portas haveria, quanto mais a cortesia de segurá-las, e há que garantir que os parentes lhe continuem a chafurdar na lama, com consequentes quedas constantes. Dessa vez, fartinha destes números de circo, precipitei-me para a porta, qual super-heroína, e dei-lhe aquele encontrão estrondoso, antes que ela se fechasse delicadamente sozinha. Cansei de ser sexy boa.

Mas também tenho vizinhas assim,

É facto: trata-se de uma embalagem aberta. Não
fui a tempo de fotografá-la fechada antes de ser
acometida pelo irreprimível desejo de a esvaziar

que sabem que eu gosto de amendoins como o macaco gosta de banana, e cujo marido vai ao Brasil e lhe pedem que esconda na mala mais um pacote deles, cá para a primata. E, não contente, envergonhada por dar "só assim um pacote de amendoins", ainda me fazem uma bolsinha, com as próprias mãos, para os "transportar". 


E não sabe ela que eu tenho um blog. 
Em suma: 
1. Para quê parcerias, se tenho brindes desta qualidade emocional, nos quais acredito piamente, e até consumo?
2. A genuína blogger esconde-se onde e quando menos se espera;
3. Com amigas assim, não preciso de inimigos. 

21/02/2018

A temática da pipoca

ou

De como ser civilizadamente incivilizado

Em relação à pipoca, mesmo ninguém tendo perguntado qual é a minha sensibilidade, acordei hoje com uma imperiosa e irreprimível ânsia de explicá-la, para que não restem dúvidas. 
A pessoa é, como todo o Humano, condicionável, embora não chegue aos pés às patitas do canito de Pavlov. Derivados que vai ao cinema, ainda está metida na bichona para comprar bilhetes, e já as glândulas lhe gritam "Ó pchhht, ó! Não te esqueças da pipocada!". Tanto que, portanto, quando alcança a caixa de pagamento, já nem se lembra de qual o filme que pretende visionar, nem tão pouco o horário dele, mas sabe que quer um pacotinho, um pacote ou um pacotão das doces ou das salgadas.
(Não existe frase nenhuma na língua portuguesa que fique chique com a palavra "pacote" à mistura, daí que ainda meti ali à pressão o diminutivo e o aumentativo, a ver se disfarçava, mas nem sei se não piorei. Siga.)

O verdadeiro e real problema da coexistência pipocas/ sala de cinema começa desde logo: o próprio pacote (mau) está preparado para fazer de nós equilibristas, cujo desafio é flutuar sobre o soalho, entrar na estreita porta, subir a escadaria do anfiteatro, na penumbra (ou já às escuras, para os mais destemidos), acertar com uma fila de cadeiras cuja letra está (temporariamente?) invisível, passar por dois ou três cidadãos que já se encontravam sentados sem tropeçar em nenhum deles, e sentar-se no lugar certo, que tem o número — onde? onde? — nas costas das cadeiras da fila em frente (!), tudo isto sem deixar cair uma única pipoca. Para os mais arrojados, o nível acima é passar toda esta agrura sem-comer-nenhuma-pipoca-pelo-caminho. Isto, sob pena de, ao deixar cair uma delas, sermos sujeitos ao olhar da total rejeição do povo em geral. E nada de tentar apanhar essa que caiu, pois potenciareis a cascata de metade do pacote (errr) em direcção ao solo, que é o que acontece desde que aquele senhor descobriu que os corpos têm atracção para lá.

Caso estejamos num cinema NOS, e a seguir àquele spot que nos ordena que deixemos a sala limpa — numa altura em que o nosso calçado já contactou com uma cama de milho estalado, profundamente soldado às nossas solas, e que fará as delícias dos insectos quando dali sairmos —, prossegue então a saga da pessoa que se quer civilizada, porém gulosa (e, como já vimos, condicionada), que é a de morfar uma embalagem (agora fui linda) de pipocas inteira sem um único com o mínimo ruído possível. Então, truques: 
1. Esperar pelos momentos em que o som está mais elevado, designadamente o do tal anúncio da NOS, emitido, conforme sabeis, em níveis decibélicos para lá de bélicos. Esse é o momento perfeito para, exactamente, meter pazadas de pipocas boca adentro, todas em simultâneo, prevenindo, assim, todos os momentos posteriores, em que é menos provável que consigamos fazê-lo (assumindo desde já que não estou sozinha neste flagelo);
2. Aproveitar os momentos musicais, de estrondos, de exterior (motas, carros, aviões, comboios, vale tudo, mesmo até tirar olhos) e gritos, para roer ruidosamente mais umas quantas. Atenção aos momentos de choradeira na tela, que ficam muito mal se acompanhados do rrr-rrr-rrr típico do processo ruminante. Já se a choradeira se der na plateia, é fartar, vilanagem, até mesmo porque os homens fazem sempre o favor de se assoarem (ruidozíssimamente) nessas alturas;
3. Tirar proveito dos breves instantes em que o povo tosse, o povo se engasga, o povo gargalha, o povo faz ruídos indistintos. Tudo se aproveita para mais uma pipoquinha na goela;
4. Chupar as pipocas como se fossem rebuçadinhos duros, duros. Não dá jeito? É verdade, mas tem a vantagem de o processo de ingestão de cada uma delas se tornar tão moroso que: a) É uma poupança; b) É uma dieta;
5. Assumir o intervalo como o momento áureo para tirar a barriga de misérias.
Se todos os anteriores falharem, e a fome enegrecer a níveis catastróficos, é sermos criativos, e provocarmos, nós próprios, o momento musical, o estrondo, o grito, o ataque de tosse, a sufocação, a choradeira, o assoar estrepitoso. Nos entrementes, é ruminar mais umas quantas das ditas.

Julgo ser meu dever ainda chamar aqui a atenção para o flagelo que é o som do esgatanhar das unhas no fundo do pacote (ai), que chega a ser mais enfartante do miocárdio do que o mastigar do milhinho em pufes. Digo isto porque ainda me ando a tratar de uma vez em que coincidi ao lado de uma mulher que passou exactamente toda a sessão — eu repito, TODA a sessão — a raspar nos fundilhos lá do pacote (hohoho) dela, coisa para fazer inveja a qualquer gato enfiado na sua própria caixa de areia. Desconheço se a escavação lhe trouxe a descoberta de algum tesouro, mas a mim deixou-me a comprimidos para os meus nervos até hoje. O que fazer, na circunstância de o nosso pacote (tão doce) chegar ao fim e ainda lá termos umas quantas pipocas? Olhem, esperem por chegar a casa, a ver se poupam o resto dos mortais a essa condição, evitando, assim, que faleçam. Geralmente, o que fica para o fim são bolas de milho não estalado, que vos partem os dentes, e é muito bem feita se isso acontecer, caso persistam em esgaravatar nas profundezas da embalagem (☺).

Mais um pormenor, de somais importância: os pacotes (é a última, juro) de pipocas têm uma espécie de fundo falso, que se desmancha se tentardes fazer do paralelepípedo um cilindro. (Sei isto, porque já tentei, e correu extremamente mal.) Não dá para brincar às formas geométricas com aquilo enquanto cheio, sob pena de despejardes todo o conteúdo rumo aos vossos próprios pés. Solução? Andar sempre com uma pá e uma vassoura na mala. Eu, pessoalmente, não ando, mas o pincel do blush também dá.
Estou farta de escrever, desculpem lá a extensão desta prelecção.

20/02/2018

Je suis la pièce de résistance

Sinceramente, às vezes — nem sempre, mas já aconteceram para aí umas duas vezes na minha vida — equaciono a hipótese de ser (eu própria) um ser transcendente, um ente iluminado, uma unidade genial, Alguém. Tipo do Além, percebem? Uma Única. 
(Sempre ouvi o meu pai dizer que, se eu não existisse, tinha que ser inventada. Nesse tempo, já eu existia, portanto. Inventada por ele, na parte melhor que tenho.)
É que me sucedem ocorrências levadas da breca, aquela que há-de ser aparentada com o Diabo. 
Então: vou a chegar a casa de uma amiga, que se me lamenta de ter o pc crashado. (Por acaso, ela usou outro termo qualquer, mas este é mais evoluído e dá, simultaneamente, a ilusão a quem está a seguir este episódio, de que eu domino a linguagem. Acho que disse "brecou".) No mesmo instante, pegou nele ao colo e exibiu, desolada, um portátil aberto, em cujo ecrã (sim, eu sou daquelas pessoas que não hesitam ao escrever a palavra ecrã. Escuso de escrever monitor) cinzento, apenas aparecia uma pequena frase, no canto superior esquerdo, a dizer blá-blá-blá-definições-blá-blá. E pergunta-me ela assim para mim: "Percebes alguma coisa de computadores?". Vou eu e digo a verdade nua e crua: "Nada.", no exactíssimo momento em que, assim pensei, melhor fiz ["Experimenta control-alt-delete, que dá para tudo"], só que fiz ainda melhor do que o melhor: movida sabe-se lá por que forças divino-diabólicas, a minha manita esquerda colocou dois dos deditos em Ctrl e em Alt, enquanto o da direita, ao invés de no Delete, foi aterrar de emergência no Enter.
...
...
E, subitamente, ele não se moveu, sequer explodiu. Fez-se foi luz. O animal, comatoso há um bom par de horas (o que, conforme sabeis, corresponde, em anos de vida humana, a cerca de quatro e três meses), ressuscitou-se todo sem um esperneio, sem um ai-que-me-dá, sem um ronco, só me dando tempo a confirmar, balbuciosa, "Mas eu não percebo nada disto", "Mas eu não sei o que fiz", "Mas eu enganei-me, porque ia carregar em delete, a ver se, ao menos, o desligava", "Mas é o milagre de Natali!", tudo muito cheio de mas-mas, perante a incredulidade dela, um pouco misturada e retorcida com aquela admiração que fazem as outras pessoas quando diante de um génio. 
E eu sem lamparina. 

Nas costas dos outros

Na esplanada fria onde estou sentada, surge no pequeno horizonte a adolescente empinada, contrariada, sonora. Reclama com quem, logo a seguir, venho a perceber ser a mãe, pois que a mesa não é boa, pois que a cadeira daquela mesa não serve, pois que, de facto — acrescento eu ao arrazoado —, quando a vida ainda não nos demonstrou o quão curta é, toda ela é um longo bocejo de tédio. Acompanha as duas um rapaz pouco mais velho que a rapariga, e os três sentam-se na tal mesa péssima, ela na cadeira nefanda, eventualmente porque não escolhida por si, assim como não o lugar, a companhia, o momento. 
Estou só a saborear uma porcaria de um descafeinado, por conta da única má herança que recebi, não fora a qual e seria de café que alimentaria as veias àquela hora. 
A chata da criança grande prossegue o seu relambório de queixas e agressões, sob a forma de alfinetes fininhos, espetados, a cada palavra que dirige à mãe. Não preciso de fazer um grande esforço de imaginação para perceber que aquela filha, não assim há tantos anos, foi o bebé rechonchudo e sorridente, perdido de amores por quem a pôs no Mundo e lhe deu luz e vida, mimada, desvelada e amada até ao limite do insuportável.
Insuportável é agora a espécie de diálogo que se trava nas minhas costas:
- Ó mãe, mas para que é que a mãe quer o Instagram? Põe para lá fotografias atrás de fotografias, eu vou lá e, só para não me chatear, ponho like em todas. Para que é que quer ter quarenta e seis likes numa fotografia? Olhe, eu tenho mil e oitocentos seguidores.
- Sim, e a maior parte são fake pages. — Diz o rapaz, tão farto como eu (se fosse comparável) daquele registo.
- Fake pages? O que é isso? — Responde a agreste, ainda mais empinada, agora sozinha na "discussão", preparando as armas para, ainda assim, lutar contra dois, ao invés de uma só.
Sobrecarregada, levantei-me e deixei as minhas costas para trás das costas.


19/02/2018

15:17 Destino Paris

(se acharem que é spoiler, é não lerem # 6)

Conclusões:
1. Não há rapazes maus. É transversal ao "mundo civilizado" a desadequação das escolas em face das diferenciações do humano;
2. Mães solteiras não são menos capazes do que mães casadas. Só envelhecem mais cedo;
3. A carreira militar ainda faz dos homens, homens;
4. O mais giro de um trio, quando são todos miúdos, não é necessariamente o mais giro dos três em adultos;
5. Roma é belíssima;
6. Deve ser uma granda moca viajar no TGV; 
7. Há cenas nos filmes que, de tão inúteis que são, caso fossem retiradas, não só os encurtavam um bom quarto de hora/ meia-hora — o aparecimento das duas personagens femininas (Lea e Lisa) tem exactamente zero contribuição para a narrativa, e, à parte equilibrar (?) um tudo-nada os dois géneros no elenco, e, eventualmente, compor o ramalhete com duas mulheres bonitas, não serve para mais nada. (Dá que pensar que Mr. Eastwood terá feito alguma(s) cedência(s) para que aquelas duas entradas ocorressem) —, como também ganhavam em ritmo, lógica, anti-dispersão do espectador (então se for de um tipo como o meu, que até uma legenda mal colocada provoca o bloqueio), interesse, história com pés e cabeça (e não cheia de longos braços), etecetera;
8. Há terroristas com um azar dos genitais (felizmente);
9. Viajar, hoje em dia, é perigoso — Isto, no sentido estrito, de efectuar uma viagem, aquela deslocação do ponto A ao ponto B. Nunca sabemos quando nos tocará. Não devemos, ainda assim, deixar de viajar, tal como não podemos fechar-nos em casa para evitar sermos atropelados só porque lá não passam carros;
10. Quero ir a Roma, ainda este ano. È bellissima, já disse?


Se o meu carro falasse

A mim calhou-me na rifa — ou veio acoplada, mas que é intrínseca, disso não hajam dúvidas —, aquando da adopção plena de Rosinha, minha canoa, uma senhora que vinha dentro da caixinha do GPS, com a qual tenho uma relação de (podemos afirmá-lo) amor-ódio. Se, por um lado, fico nervosa quando ela abre o bico para chamar "Á-quinta" à A5, "Dois circular" à Segunda Circular, se conjuga o verbo percorrer desta forma: "percórra quinhentos metros" [vá lá que não tem que dizer a mesma frase em gramas], se me manda virar em sítios onde está alegremente plantado um sinal de proibido [deve ser parente de algum examinador da condução, ela], e se me ralha quando eu não obedeço, "recalcular a rota" [um miminho, não usar o gerúndio "recalculando", ou o presente do indicativo, mas na primeira pessoa, "recalculo"], por outro, estou a gostar muito dela, a usá-la sempre que preciso (que é quase sempre, dado conhecido que é, por empirismo, o meu inexistente sentido de orientação, mesmo até dentro do meu próprio bairro, e não vão sem resposta se achais que é exagero, pois só ao cabo de mais de uma década de viver na minha rua, que não terá mais de cinquenta metros de lonjura, achava eu dantes, é que descobri que há por ali mais um bocado, com outros cem metros, que também é da minha rua, muito me admira é que nunca me tenha perdido nela, em sentido estrito e não figurado). 
Em suma, gostava muito que a senhora do GPS, para além de se calar quando eu estou parada num semáforo vermelho (às vezes, tem mesmo que ser), também tivesse uma função, que era dizer-me "já está verde", naquele cagagésimo de segundo que dista entre abrir o semáforo e o fdp que está atrás apitar o cláxon lá dele. Isso é que era. 

17/02/2018

And that awkward moment # 46

em que entras numa aula de dança, a titcha avisa que está com um braço magoado e, por conseguinte, não o mexerá da mesma forma que fará com o outro, tu não ligas nenhuma ao aviso (precisas de aquecer músculos, turbinas e alma), e depois percebes, já a aula vai para mais de meio, que, naqueles passos em que é suposto levantar os dois braços, tu és a única que está a fazer exactamente como ela — levantando só o braço "saudável" —, e, naqueles outros em que é para esticar o braço direito quando danças para a direita e o esquerdo quando danças para a esquerda, só tu danças para um lado na posição correcta, e para o outro, aí vais tu sem esticar o braço?
Devo ter um problema de identificação com as pessoas que me dão aulas de dança. Há muitos anos, numa época em que fazia latino-americanas + africanas, também aconteceu estar tão concentrada em fazer o mesmo que a instrutora, que, de uma das vezes em que ela levantou o braço, indicando a aproximação de três passos iguais, esticando primeiro três dedos, depois dois, depois um, eu
...
...
...
fiz igual.


16/02/2018

Por uma vez na vida, sei que não sou só eu

que sofro de tiques, picadas e comichos vários aquando da pintura das unhas das mãos. (Há que especificar, pois que o mesmo fenómeno não ocorre quando se passa verniz nas unhas dos pés.)
Vão por mim que, apesar de não ter experimentado, garanto esta veracidade: até podemos fornecer  previamente uma boa dose de coça-coça ao nariz, até podemos esfregar o couro cabeludo com o esfregão de palha de aço, até podemos esgatanhar os globos oculares até sangrar, que, se tiver que ser, vai acontecer:
1. Uma narina que pica. As mais arrojadas, chegam mesmo a espirrar, retorcem a cabeça na direcção contrária à das mãos e, gloriosas, assim evitam despejar o jacto nas unhas, mas também conseguem bater com elas num lugar qualquer que garanta igualmente a esmerdança do momento artístico;
2. Uma leve comichão na cabeça. Que depois passa a picadela. Logo a seguir, parece um insecto. Depois, um enxame deles. Finalmente, levamos as pontas de dois dedos à cabeça, coçamos ao de leve, a comichão agrava-se gravemente, raspamos com os nós dos dedos, e, nesse cuidado todo, esmerdamos três unhas contra a palma da mão;
3. Um cabelo que se atravessa num olho. Aliás, os olhos são férteis em desculpas para estragar a manicure. Também existem as modalidades caiu-me-uma-pestana/sobrancelha-no-olho, tenho-um-cisco-no-olho, comovi-me. Seja o que for que seja, um olho agredido por objecto invisível, ao ponto de ameaçar saltar da órbita, é urgência que nos leva a manita de unha fresca até lá. O normal e natural, por ser tão frequente como cem por cento das vezes, é a mão voltar de lá com um cabelo atravessado na unha. Ou dois. Ou em duas unhas. E a consequente defecança do processo todo;
4. Um dia de bad nails, que os há, assim como os há de bad hair. Porque está húmido lá fora, e as unhas não secam, nem que as metas no micro-ondas; porque o verniz está velho, e até podes esperar uma semana com as mãos no ar, que a primeira vez que as usares, nem que seja para fazer um gesto largo sem tocar em lado nenhum, vão-te aparecer vestígios de um fantasma, que é o Fantasma das Unhas; porque sim, porque não era para ser e tu teimaste em pintar as unhas logo hoje, que os chakras não estão alinhados; 
5. Um telemóvel que toca. Tal não devia sequer ser um factor ponderável diante da importância que é deixar secar o verniz até não haver risco de ficar riscado. Porém, nestas alturas, o telemóvel de uma dama é uma sucursal do 112: liga o filho que está doente, liga o cliente mais importante (que ainda não pagou o último trabalho), liga a sogra, liga o bombeiro, liga o gato que ainda está preso no telhado. É atender, minha gente. Já sabemos que vamos ficar com o verniz colado ao aparelho, teremos que recomeçar tudo desde o início dos primórdios da pré-História, rangeremos os dentes mais um bocadinho, e, afinal, a p. da chamada era só para te dizer que "está tudo bem". Está tudo bem??? 
OK, respira, hiperventila para o saco de papel, corta as unhas curtas, ou melhor, rói-as até ao sabugo, deita fora a caixinha da manicure e torna-te hippie. Caga nisso. E também naquilo. Caga na mata. A vida é curta como as tuas unhas deviam ser, e há coisas verdadeiramente mais importantes. Tipo as flores e a Natureza. E cenas.

15/02/2018

No [azul] original, sempre

€uros meus, má fortuna, amor desardente

Juro que, às vezes, julgo que fui congelada na época do escudo, e agora descongelaram-me, desactualizada. Um par de collants custar 12,95 erros (não, isto não é um erro) (ou seja, para mais de dois contos e quinhentos!) não é escandaloso? Então e três pares, para aproveitar uma "promoção", e a conta ultrapassar velozmente os seis contos de reis?
(É sinal que estamos vivos? Não, é sinal que continuamos — mesmo aqueles que já não se lembram do escudo — cerebralmente condicionados por preços irrealistas. Doze euros e noventa e cinco cêntimos tem todo o ar da graça de um conto e trezentos. Pois, mas é o dobro.)

Não sei se já ficou aqui suficientemente clara a evidente incompatibilidade que eu tenho com quase todas as vendedoras da loja lá onde compro as meias. Percebo o papel que assinaram e agora cumprem, acredito piamente (e ateiamente também) que terão uma comissão por cada par vendido, mas não consigo perdoar a falta de noção, a insistência, a rudeza com que encaram um simplório não. Antes ter mais cinco filhos e atravessar aquela fase em que o nosso não é nim e se deixa vencer até ao sim por cansaço e o deles é não-não-não.

[Esse grande filme que dá pelo nome de "O Rei Leão" — que, shame on me (qual quê, vergonha é roubar e não poder carregar), foi o filme que mais vezes visionei na vida (acreditem se quiserem, mas passou das quinhentas), e, se aspirar a morrer com níveis minimamente aceitáveis em termos intelectuais, vou ter que pegar num Padrinho qualquer, fechar-me numa sala durante um ano e meio e só assim ultrapassar o Disney, tudo isto para que da minha lápide não conste "Aqui jaz a maluca que viu 'O Rei Leão' foi para mais de quinhentas vezes" —, dizia eu, que começa exactamente por uma cena onde um leão mau (Scar, dos mais deliciosos vilões da Disney) diz a um ratinho: "Oh, a vida não é justa, pois não?". Nada justa — nunca atravessada pela espada da Justiça.]

Assim estou eu com a p. da paciência que já não tenho para o esquema possoajudar?-querounscollants-nãoqueraproveitarapromoção?
Não, não quero aproveitar a promoção. Primeiro, porque não é uma promoção, não é uma vantagem temporária que, com o decurso do tempo, desaparecerá. Está lá sempre, há anos. Segundo, porque fico perdida em raciocínios esdrúxulos. É por isso que travamos diálogos desta riqueza verbal:
- Não, quero mesmo só os collants.
- Assim, levava três pares e tinha 20% de desconto no terceiro par.
- Não percebi o seu raciocínio.
- Em vez dos 12,95 que lhe custa um par, leva três por 31,08.
- Sim, mas isso não são 20% sobre o terceiro par, e sim 20% sobre os três pares, o que é mais vantajoso do que aquilo que me disse.
- ... [olhos para o tecto] Pois, fica um pouquinho menos do que se levasse os três pares sem desconto...
- E um muitinho mais do que se levar só os collants que lhe pedi quando aqui entrei.
Quer dizer, parece que querem fazer da pessoa humana a antipática de serviço, a incapaz de perceber uma conta tão simples, a forreta do collant, a pobre que só pode comprar um par de collants de cada vez. Então, e se fosse? Será que se esquecem que, no limite, um ser continua a deter a grandessíssima liberdade de não comprar nenhum par? Pôxa, pá, eu sou a Charlie do collant!
Fica a questão, premente.

14/02/2018

Eu tenho problemas com tudo # 30

Eu, por acaso, vinha aqui a passar, ainda meio azambuada do facto de ser madrugada [sou discípula de Marco Fortes, mas a vida não me permite obedecer àquele único cânone da nossa seita], e lembrei-me que era capaz de ser oportuno vir perguntar às pessoas que ainda devem (não o entendam como uma suposição, mas como o cumprimento de um dever) estar a dormir, quais as suas opiniões acerca de um problema que me assalta, e vamos já ver a seguir o porquê de até ser à mão armada: o gatilho das mangueiras das bombas de gasolina. Hã? Nada mais específico, com tantos pronomes possessivos.
Então, depois de ter tirado — ou, mais concretamente, arrancado — a carta de condução, ensinaram-me a meter combustível na viatura que eu conduzia à época, meu querido boi. Quem o fez, foi uma pessoa conhecida, que encontrei na rua por acaso, à qual me queixei de que estava deveras preocupada, pois que estava com a gasolina à pele e não sabia colocá-la lá no coiso. A pessoa prestou-se, e imagino que se arrependeu no primeiro acto, pois que eu, ao retirar a mangueira da entrada do depósito, dei-lhe umas (o mais discretas possível, é certo) sacudidelas no ar, justificando-me, perante o espanto/horror dela, que não fazia ideia que não era assim, pois que só tinha um rapaz para três meninas, numa desproporção de 1/4, e ainda estava na fase em que ele tinha largado a fralda há pouco tempo.
Bom.
Concretamente, o gatilho das mangueiras das bombas de gasolina causa-me transtornos e angústias várias, tudo por uma razão muito simples para ele, dramática para mim (ou não fora eu um niquinho drama queen): ele dispara. 
Porque isto é assim: meto a mangueira lá na entrada [não, a sério, dêem algum apreço às minhas talvez vãs, porém desesperadas tentativas de não deixar resvalar o assunto], aperto o gatilho, e, em vez de sentir a fluidez com que o combustível jorraria para o interior da viatura, começa ele nos disparos, bang-bang. Ou seja, pára a cada, vá, cinco segundos. Eu aperto, a mangueira esmifra umas gotas, ele dispara, o processo pára. Aperto outra vez, mais umas gotas, pumba, pára de novo. 
Já me informei com quem sabe destas coisas (basicamente, toda a gente), e foi-me dito que meto mal a mangueira, que enterro pouco aquilo lá na entrada (chiu). Munida dessa informação, tentei dar o meu melhor nesse momento, e o resultado foi o mesmo. Até acho que foi pior. 
A solução que tenho arranjado tem sido pagar uma quantia qualquer ao balcão, em pré-pagamento, e depois, uma vez que este processo todo leva alguns minutos mais do que levaria em condições normais, simulo que estou a meter o dobro, com aquele ar de excêntrica enfadada, este-depósito-parece-o-de-um-camião.
Estou (in)conformada.
Queria saber se sou só eu, que é para, caso negativo, poder dormir descansada e andar na rua aos saltinhos descontraídos. Caso positivo, vou ter que tomar providências cautelares, tipo uns calmantes antes de ir à bomba, ou então, arranjar um motorista, a quem possa dizer: "Vá lá você, que é para isso que eu [não] lhe pago, que aborrecimento, quer levar um estalo?".

Socorro, um pato-cisne-pinguim enamorado!


Experimentem, a ver se não é verdade: este boneco está na abertura do Google de hoje. 
São patos?
São cisnes?
São pinguins?
São patos, cheios de carvão da poluição lacustre. Mas vivem na neve, porque só o hemisfério norte existe lá para os criativos da Google. 

13/02/2018

É preciso tão pouco [e, desta vez, foi tanto] para me fazer feliz # 12

Neste dia, que não é carne nem é peixe (nem sequer um vegetariano decente), em que um ser se iça do leito esmagado (o ser, não o leito) pela culpa de não trabalhar — ah, que não é feriado! —, mas também, se o fizesse, sentiria no couro (cabeludo e demais zonas sem cabelo) o assaz injusto que tal seria, em que o tempo meteorológico nada tem de lógico, quanto mais de meteoro, se deixa invadir sem se deixar conquistar por uma morrinha mental que nem para ir esticar as peles àquele antro de máquinas de torno há animus,
(em compensação, adentrei-me por uma loja da especialidade, que, já para não fazer publicidades daquelas que NMPPI, adianto apenas que responde por um nome que começa por Decat e acaba por hlon — porque a aquisição de outfits para fins de tonificação também devia contar como uma ida ao ginásio, pump it!) 
e eis que recebo esta enorme manifestação de carinho, que me pôs, em plena loja, de lágrimas nos olhos, porque, oh, pá, pode não parecer, mas eu sou uma espécie de humanóide extremamente sensível, e à mulher de César não basta ser céria séria. 
Obrigada, Gaffinha, por teres colorido este meu dia de azul bonito.
(Já agora, escuso de reafirmar o que já sabes, que também tu moras no meu coração — literalmente — esférico, com a única diferença de que eu não sei, ou estou mesmo incapaz, de escrever aquelas coisas todas num Português tão perfeito como tu o fizeste comigo.) (E não, não estou a ser modesta, eu sou mesmo gira.) (Não tão gira como as bonecas do teu talentosíssimo ilustrador — Fernando Vicente —, mas quase.) 

12/02/2018

The Post

(se acharem que é spoiler, é não lerem # 5)

Check.

Tom Hanks cada vez melhor. I mean, em todos os aspectos. Fica-lhe bem a pele bronzeada (e quando está com a sua cor natural), fica-lhe bem o grisalho, fica-lhe bem o corte à anos 70, fica-lhe bem la panza (deve ter metido uma almofada, apesar dos evidentes quilos que "pôs" para este papel), fica-lhe bem a camisa arregaçada, ficam-lhe bem as rugas.
Meryl Streep confirma que continua a ser a melhor actriz do Mundo. Já vi filmes com ela (lembro-me de "Um grito na escuridão") que eram uma pastilha enfiada num empadão de batata mole, e que, só por ela, era possível visionar sem ter um ataque de bruxismo.
As notícias são, de facto, o primeiro rascunho da História, como diz o (sempre presente) marido morto da protagonista: the first rough draft of history. A História, não a história, já que history e story não são uma e a mesma coisa. 

Conclusão: gostei.

Segunda de madrugada, e eu a sentir-me já tão blogger

Vá, acalmem-se lá, que eu não venho para aqui dar indirectas a ninguém, nem tentar acertar com alfinetinhos em rabo nenhum. Mas é que me apercebi da celeumática ao nível da blogobola que para aí vai, que é a da meia desemparelhada — assunto só equiparável, em graus de importância, àquele outro de se amamentar em público, sim ou não, talvez, ou não sabe/não responde/isso é com a minha colega —, e lembrei-me que já falei nisso vai para três anos se Deus quiser, assim cheguemos inteiros e vivos ao Verão, o que, se não faz de mim uma pioneira, pelo menos faz uma prisioneira desta maravilha que é estar confinada a um círculo tão estreito, onde aparentemente mal me movo e, quando o faço, ninguém dá por ela (por mim, chiça). 
Serei uma visionária, uma adivinha, uma criatura com poderes sobrenaturais, ou apenas uma dona de casa com o problema da irmanação da porra das meias para resolver?
Enfim, atentem no que eu escrevo hoje, que daqui a três anos tereis várias fashionerer desta bola a mandar chutos sobre os meus temas. 

11/02/2018

A minha vida sobre um esférico

(Agora sei como se sente O Principezinho.)
Meti-me numa aula daquelas da bola suíça, achando eu que era para preguiçosos, senhoras de idade ou pessoal em recuperação, e, por isso, a fazia com uma perna às costas. Enganei-me redondamente, o que é literal neste contexto: a p. da bola não pára quieta (deve ser porque é redonda), não é tão leve como parece (só quando a vamos buscar lá à estante, porque ao fim de umas quantas vezes de a termos suspensa nos braços, e-sobe-e-desce com aquilo, parece um menir), tem uma capacidade marginal para se nos escapar de debaixo que é um miminho, e, se é fácil equilibrarmo-nos sentadas em cima dela (à laia de pufe), a seguir exercer os exercícios é que são elas. (Experimentem só levantar um pé, abrir os braços e rodar o tronco para o lado do pé no ar. Uh-uh-uh, hei-hei-hei!). Depois, ele há pessoas humanas, que a minha modéstia não me deixa dizer quem, que ainda as inventam, só para facilitar ainda mais a (que parece inevitável) queda: a aula faz-se com uma banda de borracha elástica, que é para agarrar entre mãos, esticar de braços abertos, e, assim, ganhar músculo não sei aonde, mas aquilo custa um nico. A titcha mandou deitar em cima da bola, rebolando-a no chão desde o rabo (nosso) até às omoplatas (também nossas), mas ocorreu que a pessoa ainda não tinha deslargado a banda, meteu-se uma ponta por baixo da bola, enquanto a outra se entalou entre a virilha e a parte de trás da pessoa, e, quanto mais rebolava, mais prendia a banda, não sei se estão a perceber o mecanismo e, simultaneamente, o enguiço. Estava a ver que me metia debaixo da bola, a rebolar pelo tapete afora, como nos desenhos animados, assim magrinha e espalmadinha como uma folha de papel. Ou que disparava a bola como um canhão, fazendo da banda uma fisga. A situação só acabou quando me pus de pé, como um homem, e me desembaracei o melhor que podia do material que me amarrava. Quando a voz de comando nos mandou deitar de barriga para baixo em cima do esférico, tive a certeza absoluta que não me importava de ficar naquela posição para o resto da vida: parece que se flutua, não se tem que preocupar com o abdominal definido, e, no fundo, é como ter uma roda em decúbito ventral, o que dá a sensação de poder levar-nos até ao fim do coiso. Não lhe dizia que não.
Conclusão: é bom, não é fácil, hei-de lá voltar num dia de melhor coordenação (se ele existir).


09/02/2018

Pintei (pelo menos) dois quadros na minha vida

Tinha quatro anos e meio. (Não é preciso darem o desconto à idade, há por aí muito adulto que faz umas coisas mais "ilegíveis" e dá-se à lata de pedir mais do que um euro por aquilo.)

Então, por ordem cronológica, porque foram pintados com um dia de diferença (podia estar numa veia naquelas 24 horas que era uma autêntica variz artística!)

aguarela sobre papel daquele dos jardins de infância

canetas de feltro (com aquele cheiro que nunca mais me abandonou) sobre papel daquele dos jardins de infância

Vocês, não sei, mas eu sei muito bem o que ali pintei.
(Obrigada, mana, por teres desencantado isto dos confins.)

Quando eu ganhar o Euromilhões # 13

Até já tinha lançado os dados (sob a forma daquela máquina que determina se sim ou se sopas relativamente à nossa sorte) para ver se é desta que me sai o bolo gordo. Porém, encontrava-me numa daquelas pausas para a bica que só eu, e, logo ali ao lado, noutro balcão, duas senhoras pediam "É um Euromilhões da máquina, se faz favor". A chávena fumegava-me narinas acima, o pensamento não voava lesto, ficava logo ali, em mil projectos para a fortuna que me espera mais logo, quando uma delas proclamou, ela sim aos quatro ventos (dos pontos cardeais, ámen!), "Esse não quero, tenho a certezinha absoluta que não me vai sair nada!". Todo este fusuê porque a tal máquina lhe havia atribuído, dos cinco números que só são mágicos se também souberem agarrar as estrelas, três seguidos. 
É certo que a minha obrigação humanitária era dirigir-me-lhe e esclarecê-la de que as probabilidades de lhe sair "alguma coisa" são as mesmíssimas se três dos cinco números forem seguidos — no limite, até a chave 1-2-3-4-5 tem as mesmas hipóteses do que qualquer outra —, salteados (em azeite e alho então...), múltiplos de 5, raízes quadradas ou uma tabuada qualquer. Porém, no amor e na guerra (e aqui trata-se de ambos) vale tudo. E eu, agarrada a uma superstição que diz que o jogo rejeitado dá sorte (a qual não consegui confirmar online, aquele recurso que tudo sabe), praticamente voei para a rejeitante, afirmando, peremptória: "Quero eu". E, armada em enigmática, ainda concluí: "A senhora vai tão lembrar-se de mim". (Diz a outra, que a acompanhava: "Ai, por acaso, era muito engraçado se acontecesse!") (E depois ainda enfatizou: "Tinha mesmo muita graça.") (Com amigas daquelas, a pobre não precisa de inimigas.) (E sim, continuará pobre.) (Ao passo que...)
Bom, isto tudo para dizer que mais logo à tardinha já vou estar feita maluca no Ebay, a comprar cenas caras e inúteis. Cá beijinho no ombro.
(Capaz de mandar um também à responsável pela minha fortuna. Foi querida, ela.)

08/02/2018

Azul aos meu pés!

Primeiro, foi a Zara* que os teve, que eu namorei sem com eles ter casado (nem ter chegado a perceber muito bem quem é que foi deixado no altar); depois foi a Ros*, pelos quais suspirei, sem ter cedido ao ímpeto, a bem das Finanças do País.
Agora são meus.
É certo que não sei quando, nem como, nem porquê, nem onde os vou usar. E dão todo o ar de que vão fazer-me sofrer um bocadinho das cruzes.
Mas o que é isso interessa, se o mar é azul e se é de azul que eu gosto?


* NMPPI
É verdade. Não sei fotografar cenas. Mas vá, concentrai-vos na beleza do objecto e esquecei lá essas minudências.

uma varanda, duas janelas

Umas vezes porque calha, outras porque tem que ser, em todas elas porque o coração assim mo dita, passo pela casa dos meus pais, nos percursos vários que a vida me destina. É uma passagem breve, porque apressada, porque de carro, porque é assim que tem que ser. Morávamos numa avenida larga, com muito trânsito, que hoje talvez tenha dobrado, mas já não estamos ali. A varanda e as duas janelas, sempre presentes, passam-me pelos olhos, que as percorrem. Elas ali ficam, intactas, porém já não à nossa espera. Certamente, sabem que não voltaremos. Naqueles dois segundos que desvio o olhar para lá, sinto-as reconhecerem-me, e acenarem-me adeus, um adeus de olá, tão minhas que me são. Ontem à noite, a luz do quarto dos meus pais estava acesa. 
Não sei por que não subi, não meti a chave à porta e não me aninhei de saudades, ontem.
Também não sei se deixarei um dia saudades do som dos meus beijos.


07/02/2018

And that awkward moment # 45

em que, fazendo valer um direito teu — alguém não passar à tua frente numa fila —, ficas com a leve sensação de que acabaste de assinar a tua sentença de morte?
Se não, vejamos: estás à porta de um local com balcão, e serás a próxima a ser atendida, mal a pessoa do atendimento se digne chamar-te. 
Uns dias antes, tiveste ali um pequeno quid pro quo com ela, por te lhe teres dirigido com um sorriso, a figura estar ao telefone, ter-te espetado com a palma da mão no ar, ter vagamente tapado o bocal do aparelho e ter-te sussurrado, com um modo que parece que não te agradou, "A senhora tem que esperar lá fora". Como se o local fosse a embaixada dos Estados Unidos, e ainda que fosse. Deu-se, então, que, passados minutos, a mesma pessoa veio chamar-te ao corredor (o "lá fora" dela), e, uma vez que te encontravas a jogar jogos no telemóvel, deu-se a tua vez de lhe espetares a palma da mão no ar, e lhe sussurrares, "Espere, agora sou eu que não posso". 
Porém, desta vez, e uma vez que já sabes que tens que esperar "lá fora", esperas lá fora, no início do tal corredor, na confinação com a ombreira da porta. E passa uma, muito despachada da vida dela, deseja bom dia, tu retribuis, e vai de pôr-se a conversar com a da-palma-da-mão-estendida. É quando tu barafustas e te enterras, no fundo. Literalmente, no fundo. 
...
Porque ela responde, tão simplesmente, que trabalha ali, que não quis passar à frente de ninguém, que pede desculpas. Tu pedes também, ainda dás a alfinetada à da-palma-da-mão-estendida, "É que aqui, temos que esperar no corredor, não sei bem porquê", mas não te safas de pensar que até apostas o teu braço direito em como a-outra-que-trabalha-ali ainda te vai sair na rifa, vais depender dela por alguma razão, ela vai avaliar-te, e tu... tu, até podes ter esquecido a cara dela (o que já está), mas ela... ela não irá esquecer a tua.

06/02/2018

Foi tão blogger da minha parte # 8

Era uma vez eu, que, farta de gastar dinheiro na perfumaria, fui ao supermercado e experimentei não um, não dois, mas cinco rímeis diferentes em cima das minhas pestanas, já de si pintadas. Queria perceber qual era o melhor, e, não podendo pôr um, tirar e pôr outro a seguir, acumulei-os. Se, assim, não consegui fazer essa aferição, pelo menos fiquei com todas as pestanas carregadas de tinta preta, e dei-me então a oportunidade de escolher qual trazer para casa. Como não estava fácil escolher entre tantos, e todos tão bons, trouxe três, para usar alternada ou concomitantemente, consoante a mood do dia.
Isto foi um entróito, para criar algum suspense e salivação. Agora é que é o post a sério.

______________________
Andei eu anos — décadas! — desta minha vida, convencida de que tinha olhos frágeis (designação que eu própria inventei), e que, por conseguinte, tinha que usar apenas rímeis (a tal máscara de pestanas) de qualidade, vulgo caríssimos, e não é que, farta de o enterrar todo naquela escova cheia de carvão em papas, decidi experimentar não um, mas cinco diferentes, e trouxe comigo três deles, marca supermercado, e não aconteceu nada, a não ser ter ficado com umas pestanas panorâmicas, qual traveca de Almada, qual pestana postiça, qual ó-eu? Nada de olhos a picar, nada de pestanas aos molhos como o alecrim, nada de choram os meus olhos. 
Isto, de várias, uma: 
1. Ou os meus olhos perderam a fragilidade e ganharam uma espécie de calo;
2. Ou a indústria da cosmética, ao nível do supermercado, melhorou bastante em termos qualitativos;
3. Ou existe aqui um factor psicológico, e a carteira é que manda, porque não é o corpo, é mesmo ela é que paga, e, por conseguinte, de tão mais barato, já nada me pica;
4. Ou eu andei a mentir a mim mesma estas décadas todas (perdi mesmo a memória — outra vantagem que só a idade dá — em relação à idade com que pintei as pestanas pela primeira vez);
5. Ou eu não tinha mais nada para fazer ao metal, para ir todos os meses (ou todos os quarenta dias, para ser mais rigorosa) à perfumaria empenhar os anéis para trazer a tinta preta;
6. Ou estou naquele período de lua-de-mel com os artigos, e daqui a três, quatro dias, estou a rosnar que me caíram as pestanas todas;
7. Ou comecei, finalmente, a ver mal, e vejo pestanas onde elas não existem;
8. Ou a minha vida é pautada por estas maiorências e ninguém me dá o meu devido valor;
9. Ou o assunto pestanas não é, efectivamente, um assunto que se transporte para aqui, e mais valia estar calada;
10. Ou quem cala consente.
[Pôxa, vi-me aflita para chegar às 10.]

É pedirem com jeitinho, e até digo as marcas. Mas posso adiantar que um deles é aquele que é branco de um lado e preto do outro. O branco usa-se primeiro, está bem?

05/02/2018

Call me by your name

(se acharem que é spoiler, é não lerem # 4)

Amei. Muito, muito. 
É daqueles filmes que cada um adora pelos seus motivos: uns pela história, outros pela beleza da imagem, outros pela música (uma banda sonora de gritos), outros por tudo junto, se calhar outros nem sabem bem porquê. Eu, simplesmente, entrei no cenário, naquele Verão de 1983, naquela casa incrível, naquele aborrecimento versus euforia que é ser-se adolescente no Verão, naquela luz que existe para além das nossas questões e das nossas dúvidas. Bom, eu vivia claramente nas calmas num sítio daqueles. Não só a casa, mas toda a zona envolvente, e com aquele pessoal que ora fala Inglês americano, ora fala Francês, ora fala Italiano (que são para aí, para além do Português e do Portuñol, as únicas três línguas que eu entendo e falo qualquer coisa que se ouça). E os dois protagonistas, tão giros! Pronto, não queria nada com eles (vamos pôr assim as coisas), mas uma pessoa gosta de lavar as vistas sem ser com essas micelares que as bloggers dizem para as outras pessoas usarem.
Muito, muito boa, a recriação da época: as pulseiras da amizade, os relógios electrónicos Casio, as calças de ganga que se chamam actualmente mom fit — pudera! —, os ténis One Star, os cabelos escadeados e encaracolados, o pessoal a fumar constantemente, tudo, rigorosamente tudo, a bater certo, ao contrário do que é costume neste tipo de evocações de determinados períodos, em que se faz uma grande confusão entre os anos 80 e 90. 
Itália é bellissima, tenho mesmo que lá ir.
Não digo mais nada, senão ainda sou acusada. 


Não sabia qual das músicas é que havia de escolher, vai esta. É tudo bom.

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 53


Até o rancho folclórico actua, tendo o Super Homem de um lado, e a pessoa humana do outro. (Já para não dizer...)

03/02/2018

Na vida também é assim

E aquela pessoa que faz um esforço titânico para te demonstrar que está chateada/ amuada/ ofendida/ triste/ aborrecida/ etecetera, contigo, e tu levas muito tempo (conceito que pode variar entre alguns minutos, dias, semanas e meses) a perceber? Há algo errado em toda a mise en scène, ou ela não se exprime muito bem, ou tu tens uma grandiosíssima e louvável incapacidade para interpretares sinais de um código Morse da morsa.
Até que um dia a coisa se dá, parece-te mesmo, ao início, depois parece-te definitivamente, depois adquires uma leve certeza, finalmente uma absoluta. E então questionas-te e respondes-te imediatamente que espera lá, mas quem devia estar chateada/ amuada/ ofendida/ triste/ aborrecida/ etecetera, nesta concreta situação, não era eu?




02/02/2018

A meta dos 20.000

Rosinha fez ontem um ano de matriculado, embora só tenha chegado às minhas (delicadíssimas!) mãos no dia 8. Ao contrário do que era previsto e seria expectável (diz a ciência automobilística que uma viatura a diesel — adoro esta expressão. A diesel, cá beijinho — só é rentável desde que faça vinte mil quilómetros por ano), não atingiu a meta dos 20.000. Se os primeiros 10.000 foi fácil atingir (em menos de cinco meses), estes outros estão à distância de 1700, que, se quiser ver minha canoa a render, terei que fazer no espaço de seis dias. 
Já dei muitas voltas a um quarteirão hoje, em busca de um lugar para o estacionar. Passo-me. E passo fases:
1. A crédula: Vou procurar ali mesmo à porta, às vezes tenho uma sortezinha. É que não. Caso contrário, em vez de estar aqui a teclar tristemente, estaria a meter os paios no Pacífico, ou noutro charco qualquer;
2. A incrédula: Olha, aqui à porta não há. Nem na rua toda, até onde as vistas alcançam. Pois. E estão todos com ar de abandonados, irão criar daninhas junto aos pneus, pó de terra que tornará os vidros opacos e, nos pára-brisas já sem borrachas, vários anúncios deslavados de 'Compro o seu carro';
3. A destemida: Vou procurar ali na paralela;
4. A temida: Olha, também não há. Vou, talvez, para todas as perpendiculares, apesar de já estar a duzentos metros do meu destino e a desvairada do GPS não se calar que vai recalcular a p. da rota;
5. A zangada: Fo**-se, que nem um para amostra
6. A delirante: Olha ali! Ah, uma garagem... | Ali! Um lugar para deficientes... | Espera, ali está um! Oh, mas não consigo encolher o carro (chamo o mecânico, e peço-lhe que traga a motosserra?) | Calma. Isto vai. Está ali um... oh, não, é só meio lugar, o outro meio é passadeira. | Porra para estes gajos que não sabem estacionar com o pensamento posto no próximo!;
7. A desesperada: Vou atirar com isto para cima de um passeio e que se fornique. A multa é quanto, mesmo? Um par de botas? Dois biquínis? Isso em tofu e seitan equivale a quantas refeições? E em bagas de goji? [Eu sou uma genuína blogger, cá agora assumir que me pelo por um leitãozinho da Mealhada.]
8. A racional: Vou-me botar prantada ali à esquina, e espero que saia um carro do lugar que me pertence já por direito
9. A descarada: Espera aí... se aquele carro, cujo condutor até se encontra lá dentro, avançar dez centímetros, talvez o meu caiba atrás, junto àquele bocado de passeio sobrelotado de prevaricadores. Senhor! Ó senhor! Importa-se de chegar um niquinho à frente? Arre égua, que o meu fica com a rabeta toda de fora, mesmo com os, vá, oito centímetros que o indisposto avançou. Muito obrigada, afinal não dá, o carro é muito grande ou o lugar é muito pequeno, passe bem [PQP];
10. A sobredotada: Já não saio da esquina, mazé. Nunca fujas ao teu destino. Fico no cruzamento de duas, e espero que apareça alguém de chave na mão. Foram o quê? Dois minutos. 
Isto tudo para dizer que, apesar de todos estes pesares, ainda não atingi os 20.000. Tenho seis dias para lá chegar, já disse? Estou capaz de ir à Mealhada. Precisam de alguma boleia?


01/02/2018

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 53

No altifalante:
Estimado cliente, aproveite hoje a embalagem de quinhentas e cinquenta gramas, a [#&%*¨<,  blaaaagh, esqueci-me do preço anunciado; deu-se-me aquele bloqueio das sinapses, a partir do qual já não tomo conta de recado nenhum].
O que é que o altifalante disse, mesmo?
Tanta grama, pá.
O que me encanita é que esta cena das gramas é tão vulgar, tanta gente erudita e elevada culturalmente e diferenciada intelectualmente e o catano diz, que usar a porra do masculino na porra dos gramas é que parece anormal. Chego a ser olhada de lado (e de frente, de trás não sei por razões óbvias) a propósito deste assunto, quando utilizo o masculino. 
Também dizem as quilas? Pus duas quilas? 
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Também estou triste, se calhar por isso é que estou intolerante para com o próximo, mesmo que sob a forma de altifalante: voltámos a ser 99. E a passagem de dois para três dígitos não é nada pacífica, quanto mais de três para dois.
Adeus. Tenho ali um cantinho mesmo bom para a baba e a posição fetal. Pode ser que perca duas gramas e já ganho o dia. Desde que não ponha nenhuma quila...