30/03/2014

Cada vez que criticares alguém,

olha para dentro e, já agora, para trás. Esta é uma máxima da qual nunca me devo esquecer. Toda a vida me fez confusão que a minha mãe confundisse (passo o pleonasmo) o cinzento com o bege. E o bege com o verde-seco. Espantava-me que ela se risse ao lembrar-se que o próprio pai confundia o vermelho com o bege. E o irmão mais velho, simplesmente, não via o vermelho. Via cinzento, no seu lugar. E, como ele via cinzento no lugar do cinzento, sabia-se que ele sabia o que era o cinzento (hoje estou pleonásmica). Já falei aqui da minha confusão entre o preto e o azul. Eu vejo o azul e vejo o preto. O azul é a minha cor preferida, e até acho que o mundo ideal devia ser todo a azul e azul. Mas sei que baralho as duas cores, designadamente em se tratando de azul escuro (porque não existe preto claro), o que é uma grande maçada para me vestir, quando se trata de calças de fato de trabalho, porque consigo combinações estrambólicas de preto e azul com mais umas quantas cores e fico em modo fruticolor para ir trabalhar. É tão bom. Novidade para mim foi ontem. De duas, uma: ou a daltónica não sou eu, ou o azul está-se a diluir dos meus cones oculares. Fui à minha Rituals em busca de um hidratante que descobri no armário há umas semanas e está a acabar. Já o tinha comprado há mais de um ano, mas o amor só agora surgiu. Aquilo tira-me 50 anos de cima, por isso fico com uma idade quase embrionária. A menina procurou na memória, pediu-me descrições da embalagem, eu "é verde", ela nada, até que, por insistências minhas, disse: "Ah, já sei! Mas não é verde, é azul!" Vá lá: isto é o quê?* Eu vejo verde.


* eu hoje já nem me deitava sossegada se não mostrasse a unha pintadinha de fresco referida no post anterior.

Madrinha atípica


Íamos entrar no elevador do prédio da nossa afilhada de baptismo, que faz hoje nove anos. Visita de padrinhos, beijinho maior e, modéstia à parte, uma prenda linda, escolhida por mim: um Swatch piroso, cor-de-rosa, cheio de brilhantinhos. Eu vesti um vestido de malha que se me cola ao corpo e uns collants de cintura descaída (não sei por que c. inventam estas merdas), que, conjugados com o vestido, me fazem sobressair o pneu de forma exponencial. Eu tinha acabado de decorar o código do elevador, pela enésima vez, já que tenho que o decorar de novo de cada vez que lá vou. São cinco dígitos, sem lógica nem musicalidade, de maneiras que o espaço de tempo que dista entre a porta do prédio e a entrada do elevador é suficiente para esquecer aqueles 5 algarismos tão desencaixados uns dos outros. Tinha também as unhas a secar e entrei no elevador quase burra, com os cabelos ainda húmidos de os ter lavado e da chuva que apanharam, as unhas ao alto, os collants a sobressaírem-me o pneu e a memória dos números a querer falhar. Então pedi-lhe:

- Quando entrarmos no elevador, sobes-me o vestido, puxas-me os collants para cima e voltas a baixar-me o vestido, senão ainda odo uma unha. Ou as dez.

Entrámos no elevador e ainda não digitei o código, desata ele a subir-me o vestido. A porta aberta e a memória do código a esvair-se. 

- Espera, tenho que digitar o código.

Tic-tic-tic-tic-tic, com a agravante que os botões não existem: é tudo digital, numa placa iluminada. Código errado, porta aberta, ele agarrado ao meu vestido. 

- Espera, tenho que digitar outra vez. 

Tic-tic-tic-tic-tic, código certo, porta fechada, elevador a andar. Puxa-me o vestido para cima, agarra-se aos meus collants com toda a força, de caminho agarra também nos elásticos das cuecas e puxa tudo para cima. Tudo. E tanto. E com tanta força. Fiquei com partes de cueca intestino grosso acima, canal vaginal adentro, mas os collants no sítio, e sem pneu. Baixou-me o vestido e entrámos em casa da afilhada quase recompostos, não fora ir a rir-me muito, dos nervos de ter acabado de ser duplamente violada por um par de cuecas. Fiz uma visita... bom, melhor que a do ano passado, que decorreu num restaurante, onde enjorquei duas caipirinhas em jejum, no fim das quais ouço a vozinha dela, ao meu lado, a pedir: "Ó madrinha, cortas-me o bife?". Experimentem lá cortar o bife a uma criança que está sentada ao vosso lado com duas caipis em jejum em cima dos cornos e depois falamos.

29/03/2014

Chefe será expulso do paraíso

Nem sequer gosto de maçãs mas, na quinta-feira, não tinha outra fruta em casa e levei uma maçã para o meu almoço laboral. Deixei a maçã em cima do balcão da copa porque não gosto de fruta fria. A meio da manhã, vem a que tem a mania dizer-me assim:

- [Linda Porca], tinha ali uma maçã na copa?

- Tinha.

- Tinha... o doutor comeu-lha.

[Pensamento escatológico imediato: "Pode ser que lhe dê uma caganeira"]

- Na verdade, até me fez um favor. Eu não gosto de maçãs. Vou comer uma sobremesa à rua.

Seca, como sempre, afastou-se sem mais uma sílaba. Do chefe, nem um "desculpe lá", um "enganei-me". Nada. Chefe pode, come a maçã de Linda Porca. Xatar que o teu já está guardado. A próxima que lá te deixar leva umas gotas de Dulcolax injectadas que é um mimo. E ai de quem duvide desta minha capacidade.

No dia seguinte (ontem), vem o estagiário, armado em engraçado. Eu tenho uma karmen com estagiários, desde os tempos do que me olhava como se eu fosse um duchaise (ai que te tirava um nacozinho) até ao jovem-sem-pêlos-no-peito. A ver se este agora se porta melhor.

- [Linda Porca], ontem tinha ali uma maçã na copa...

- Tinha.

- E sabe quem é que lha comeu?

(Oh, isso dito assim, era tema para nos levar tão longe, meu bebé!)

- Sei. Por isso é que hoje trouxe uma laranja.

- Sim, isso torna mais difícil...

- E, na segunda-feira, trago uma malagueta.

Agora chiba-te, criança, que eu levo mesmo a malagueta, e, nessa altura, acabamos a conversa de quem come o quê.

27/03/2014

O que é que você quer, Odete?

Eu hoje estou uma mãos largas.

Estes senhores da Porta dos Fundos são perfeitos. Isto é humor, Markl. Ah, e Nilton também. Aprendam.


 

Ai, que hoje estou cus cromos

Anos 80 era isto: Meat Loaf, com o vocalista mais gordo seboso da História, mas com a melhor voz da década toda. E estes arranjos? Isto saía do vinil a jacto para as nossas veias!

E um slow de 5 minutos não era para todos, era só mesmo para quem tinha muito jogo de cintura.

Ainda hoje sei isto de cor. I want you, I need, but there ain't no way, I'll never gonna love you. 

Estás perdoado, Markl, mas só se falares nos Meat, pá.


Socorro, estou a ter um momento Nuno Markl!

que deve ser o maior chato da nossa radiofonia, com aquele teminha recorrente dos cromos e do quão bons foram os anos 80. É que não. Foram. Quer dizer, foram porreiros, a música era o melhor que havia nos anos 80, porque a roupa era de bradar aos céus, os cabelos com as palas à Bonnie Tyler eram de fugir e o país estava numa miséria tão grande quanto a actual, só que a achar que a CEE é que nos ia salvar. Hah, doces tempos e ilusões. Mas já cansa, por demais, tanta idolatração a uma década que o que teve de melhor foi o pop rock made in USA. 

Quando tínhamos dores do período, tomávamos uma droga que os laboratórios Sandoz fabricavam, de seu nome Optalidon, que era mesmo fantástica. Tirava-nos as dores em poucos minutos e, nas raras vezes que falhava, tomávamos um segundo Optalidon, que nos adormecia as dores e a cabeça. Desconheço se alguém se tornou viciada em Optalidon, se enveredou pelas drogas por causa do comprimido cor-de-rosa (nem de propósito), ou se alguém, algum dia, tomou uma overdose dele. Que ele desapareceu e, com ele, os laboratórios Sandoz (pelo menos, naquele registo), é um facto. Que as dores do período continuam a existir no mundo, lá isso é outro facto. Que este texto poderia servir para o Markl aumentar a caderneta dele, é a questão. Depende se alguém lhe faz chegar a dica. Eu não serei porque, não sei se já disse, o Markl aborrece-me...



25/03/2014

Pensamento optimista de segunda-feira

Já vai atrasado, mas só agora é que pude, e não tenho a vossa vida. Mas é que me ocorre sempre, à segunda-feira, esta estupidez: "Ufa, amanhã já é terça-feira!"

Sou doente. Preciso tanto de descansar. Estou numa maratona há trinta dias seguidos, sem fim-de-semana nem nada. Os cavalos também se abatem. E as chavalas, ainda mais depressa.

21/03/2014

Alguém percebe

a puta da lógica dos iogurtes magros do Continente?

Este iogurte, até pode não parecer, mas é de morango.



Eu sou aquela pessoa que diz a toda a gente que não gosta de coco, mas convicta. Para já, até me dá um nico nos nervos que a palavra coco tenha perdido o circunflexo e agora seja um cocó. Digo que não gosto de coco, e depois como tudo o que leva coco: bolos de coco, iogurtes de coco, chocolates, aqueles da Ferrero (Jacquot?), até pastilhas elásticas, se for preciso. O que valeu o seguinte diálogo, cá no lar:

- Estás a comer um iogurte de morango? [o espanto deriva do facto de os meus iogurtes não serem os de morango]

- Não. É de coco.

- Não é, não. É de morango.

- A mim sabe-me a coco e a tampa dizia coco.

- Nos iogurtes do Continente, a tampa não tem nada a ver com o sabor do iogurte.

Ah. Espera. Se acontecer o que me aconteceu a mim, que é ir ao frigorífico e os iogurtes estarem numa prateleira cá mais abaixo, em que só se vê a tampa, o que é que vê? Pois.


19/03/2014

Pensamento escatológico do dia # 5

Ou pensamento higiénico, não sei bem decidir a esta hora.

Mas calha-me sempre, às vezes com uma frequência bidiária, mudar o rolo do papel higiénico no local de trabalho. Já pensei que pode ser para os apanhados, que pode ser Carnaval atrasado, que são coincidências, que não há coincidências (oh, vaca magra, escolhes cada título para as tuas farsolices), ou que é a Karmen. No primeiro dia, mudei o rolo duas vezes. Hoje, outras duas. Muito se mija naquele lugar. Tenho que passar a ir à dos homens, é sempre mais clean. 

17/03/2014

Já cá faltava a merda

Estava eu hoje a pensar assim: "Tem graça, neste trabalho ainda não me enganei vez nenhuma", quando reparo que, a semana passada, cometi um erro crasso, imperdoável e que até me pode custar o lugar. Aquela sensação de o sangue se nos evaporar das veias todo de uma vez, mas subir à cabeça e ficar lá a latejar e a borbulhar, sabem? Estive quase meia-hora em piloto automático, a cumprir tarefas daquelas tipo limpar o cu, que uma pessoa faz sem pensar e de olhos fechados, pensando para comigo: "Porra, que já é azar. Nem o mês de período experimental sou capaz de acabar. Nem a mim mesma dou a oportunidade de, no final deste mês, dizer à chefia 'Eu vou-me embora, porque não gosto lá assim muito disto, no fundo'". Não. Expulsa por indecente e má figura, era o que eu imaginava, para já. Ainda pensei em sair porta fora e não dizer nada a ninguém, amanhã já não ia e mandava dizer que tinha morrido. Mas vai-me saber bem o ordenado e eu quero tirar o pneu. Eu disse bem, tirar o pneu. Sou magra e gira e tenho um pneu que mete nojo. E ando a trabalhar para tirar o sobresselente. Vai daí, pensei assim também: "Porra, Linda Porca, mas tu és uma mulher ou és um rato?". E todo o meu suor me dizia: "Um rato!". E pensei: "Mas quem é que veste as calças aqui?". E dizia-me a minha tensão arterial: "Vai à merda, essa não é deste filme, pá". Até que pensei: "Mas tu tens tomates, ou não?". Aí sim, levantei-me da cadeira, fui direita à capataz mal encarada e disse-lhe: "Enganei-me aqui nisto". E mostrei-lhe o meu erro, sem rodeios, sem flores, sem delongas. Ela ficou tão seca como sempre, nada a molha, e, imperturbável, disse-me a forma de sanar o erro. Que eu sabia qual era, mas, para mim, é importante assumir as merdas antes que estoire a bomba na minha cabeça, quando eu menos espero, e cheia de estilhaços. E a experiência diz-me que, se me vou meter numa arena, o melhor é encarar o boi de frente. A vaca, ou lá o que é que me calhou desta vez.

14/03/2014

Não sei se percebi mal

Vinha a chegar a casa, finalmente em gozo de fim-de-semana, que é um estado mental e físico que se apodera de mim mal bato a porta da usina, saio do elevador do meu prédio (ah, tudo a saber que eu não moro numa vivenda, num chalé, numa mansão, olha a porra!) e deparo-me com dois mocetões daquele estilo culturistas de subúrbio, que devem ter um enorme sucexo junto das Vanessas e das Soraias. Muito surpreendidos com tamanha beleza a extrair-se de um elevador àquela hora, boquiabrem até conseguirem balbuciar "boa noite" e vai Linda e responde "boa noite". Pelo sotaque, noto que são brasileiros. Deixam-me entrar em casa, é o termo, e já vamos ver porquê, apercebo-me que tocam à campainha da minha vizinha da frente (ah, tudo a saber que eu tenho uma vizinha da frente, mas ó, também tenho uma do lado, outras três da diagonal, seis de baixo e vinte e quatro de cima. Só não tenho de trás), eu bato a porta e passam dez-nove-oito-até-zero segundos, até que tocam à minha campainha, ainda eu não tinha pousado a Tous (ah, tudo a saber que eu tenho uma Tous, hoje estou uma mãos largas para me identificar, tenho mesmo, para além das outras dez. Se não são dez, são nove ou oito, mas são muitas e não, nunca trabalhei na Tous, mas não me importava, só ia gemer de dores de cada vez que vendesse uma mala que não fosse para a minha colecção), vou de Tous ao ombro à porta, sem abrir, pergunto "o que é?" com aquele mau modo que só os velhos usam para atender portas, e ouço : "Somos da Zon!" [pronuncia-se ZÔM]. Ainda mal eu tinha tido tempo de proferir um "Não quero!", já eles insistiam com uma promoção e uma revisão de factura. Só porque os meus pais gastaram aquela fortuna com a minha educação é que não os mandei aos dois para o genital masculino.

Foi impressão minha ou queriam-me assaltar? 

Fixem por mim, que eu não estou capaz, e depois avisem, tá?

O meu buraco faz um ano no dia 7 de Abril, mas eu vou-me esquecer. Lembro-me que o criei num dia de muita chuva e de grande tempestade mental. Memória remota, continuo a ter, memória recente, nem vê-la, memória a curto prazo é um drama. Mesmo à velho.

O que é que faço? Compro uns balões e uns m & m e faço uma farra sozinha? Não, já sei: compro m & m daqueles de amendoins, dispenso os balões, que aquilo me assusta, e como até ter uma coisa intestinal de arromba.

Também nunca comemorei o post 100, o 200, o 500 (nem sei se já lá cheguei). Nunca vou ser uma blogger das boas. Só uma blogger boa. Por falar nisso, vou já escrever outro post.

12/03/2014

Sabes que estás a morrer de cansaço quando # 3

Sais da usina às 19:30 e pensas: "Eu não quero ir para casa!", porque a saga continua até te deitares.

Sabes que estás a morrer de cansaço quando # 2

cada vez que fazes uma pausa de cinco segundos no teu trabalho, pensas: "Estou tão cansada".

Cem, duzentas vezes por dia.

Sabes que estás a morrer de cansaço quando # 1

Aquele que é o teu novo boss-big-chefe te diz a seguinte frase:

- [Linda Porca], está cá há quanto tempo?

- Há pouco mais de uma semana. Desde o dia 3.

- Então, quando fizer 30 dias que cá está, diga-me, que é para eu lhe pagar.

E tu pensas: "No dia 33".

09/03/2014

Oui, c'est la [rouge] folie

Pintei as unhas do encarnado do meu sangue e do meu coração. Joga o meu Benfica, Artur-o-bom no banco, mas que se lixe, e eu quero ter as unhas do meu vermelho. Sim, sou bipolar nesta cor, uma vezes digo encarnado, outras vermelho, mas eu tenho direito às minhas idiossincrasias. Também sou daltónica para o azul escuro e o preto e não é por isso que não digo os dois nomes à mesma, apesar de, a maior parte das vezes, alguém me corrigir "Isso não é preto". Outro dia, uma menina que me estava a atender na Zara Home explicou-me que as cobertas de cama azuis (que era o que eu queria e não encontrava) tinham na etiqueta escrito um código com 4 ou cinco números e, à frente, a palavra "azul", toda condoída da minha incapacidade para encontrar uma coberta azul, embora repetisse que o azul é a minha cor preferida.

Isto tudo, no fundo, para dizer que pintei as unhas, pela última vez, com o verniz Clinique - que, à hora que vos escrevo, já jaz no caixotinho -, o tal que me custou cerca de 18 euros, se é que não me falha a memória e, nestas coisas, não costuma falhar. Está transformado numa Cerelac vermelha, longe de chegar ao fim do frasco. Aliás, deve ir a meio. Fiz tudo com muito cuidado, quase sem respirar, não fosse saltar algum caco para a unha, mas nem assim: a papa não se espalha. Ao fim de dez unhas borradas, tirei. Quase tomei um calmante e repeti a façanha. A bosta repetiu-se e voltei a tirar. Ainda fui a uma terceira, que eu nisto sou como os bois: acho que é preciso é marrar-lhe valente, que a coisa acaba por se dar. Não se deu, nem cedeu. Tirei tudo outra vez, já com as raízes tão vermelhas que parecia ter estado na matança do porco, sendo eu a personagem principal do filme - tirando o porco. Ou que tinha tido um ataque menstrual fantástico e tinha tentado aparar o jorro à unhada. Qualquer coisa de porco, portanto.

Já extremamente nervosa, fui à caixa dos vernizes tentar a salvação da lavoura, e eis que ela surge sob a forma de Andreia n.º 43. Andreia, o verniz que custa € 2,25. Ou, se preferirmos o tamanho pocket, € 1,95. E é produto nacional. Ajuda a nossa economia. E ainda fiquei com umas unhas lindas, exactamente da mesma cor. Fuck you, Clinique. On the ass, please.

08/03/2014

Preciso de desabafar

Arranjei trabalho, sim pois. Numa base temporária, dizem eles, mas a mim cheira-me que fui para ficar, só que contrariada. Se gostasse daquilo, a esta hora estava a lamentar o facto de ser por um mês. Ainda só estamos a 8 e eu só almijo (repetez avec moi: "ALMIJO") pelo dia 31. Março devia ter 28 dias. O local é agradável, limpo, arejado, confortável, luminoso. Chego lá em 15 minutos, embora isso signifique que regressei às minhas lides de metro, que odeio. Em escassos cinco dias de trabalho, até à frente de uma sem-abrigo já vim sentada. Ah, e defeco para quem esteja a pensar que eu sou cruel e desumana com a miséria dos outros. É que não, mas o cheiro a urina e lixo entra-me pelas fossas do lindíssimo acima e isso significa uma apneia que eu não quero nem tenho nada que fazer. Também me odeio quando sou esta titi limpinha e cheirosa e me vejo obrigada a conviver com estas "realidades". As pessoas do novo trabalho são todas simpáticas, menos uma. Mas eu já passei por isto e simpáticas são todas até ao dia em que lhes salta a mola da descompensação, e aí entorna-se o caldinho verde. Fui apresentada a toda a gente no primeiro dia, ou seja, a vinte pessoas, das quais não retive um único nome. A senhora que trata do economato tem um TOC com borrachas, lápis, agrafadores and so on, de maneira que me entregou uma série de merdas com as lágrimas nos olhos. Estive tentada a perguntar-lhe se preferia que levasse de casa. Até os clips contou. Deu-me um molhinho para a mão e teve um ataque de ansiedade quando eu a fechei e ela deixou de os ver. Depois constatou que eu já tinha um fura-papeis e os mesmos olhos gritavam-me "Devolve-me o fura, se não precisas dele!", enquanto os meus gritavam "Vai-te tratar, maluca!". Também temos uma anorética, que deve ter quase o meu tamanho e pesa 40 Kg. E vive obcecada em engordar. E a chefona máxima, que é daquele género que sorri com os olhos em linha, estende a patita para cumprimentar outras mulheres, principalmente aquelas que, como eu, não lhe foram prestar vassalagem logo no primeiro dia e, portanto, decidiu, eventualmente, odiar-me. É recíproco, amor. A outra antipática é uma espécie de chefe, ou pior do que isso. Aquelas autoridades intermédias ao estilo encarregada das limpezas, que já foi mulher de limpezas e agora manda e abusa. Como o capataz dos escravos que, não sendo o dono deles, é mais cruel e mais vingativo do que se fosse. A figura em causa nunca sorri. Jamais. E ontem disse a seguinte frase:

- Nós temos um cliente que é o caralho [Linda Porca sentada na cadeira a pensar que ia entrar um avião pela janela e, portanto, já que era o fim do mundo, a senhora tinha perdido o tino]. A primeira vez que falei com o homem ao telefone e ele me disse que se chamava Caralho, eu nem queria acreditar. Afinal era Carago, mas eu levei muito tempo a perceber que não era Caralho. E também temos outro com um nome esquisito, mas eu não me lembro qual é [Linda Porca catatónica, ainda a conseguir raciocinar a seguinte pérola: "Será Cona?"]. Mas é assim esquisito como o caralho. Não me lembro do nome [Deus é grande].

Pronto, isto tudo sem um sorriso, uma gargalhada, um mover de sobrancelhas. Que situação do genital masculino. 

Ao quarto dia, decidi que não punha lá mais nada. Nem os pés nem o resto deste todo tão bem acabado. Cheguei a casa, liguei o skype e falei com o melhor, o maior e o mais querido de todos os meus amigos, que está quase a 6000 Km de casa e de mim. Disse-lhe o quão odiava aquele sítio, o método de trabalho (com zero margem criativa, com pressão de prazos espartanos, com as caras da outra do senhor Caralho, com a falta das gargalhadas, com uma eu-não-eu, que nem me reconheço ao espelho da casa-de-banho [por falar nisso, tirei uma fotografia à sanita, para memória futura], sem uma pausa, uma lufada de ar fresco. Uma paisagem tão bonita, mas que só dá vontade de uma pessoa saltar do 17º andar e voar dali para fora. E ele disse-me qualquer coisa que me tocou tão fundo, tão longe que está da família, tantos meses que ainda faltam para se/nos voltarem/voltarmos a ver e que eu posso sair, bater a porta à hora do fim do expediente e ir para casa. 

E é isto. Não mereço sequer pensar em lamentar-me, mas estou numa situação do genital masculino.


Mulheres... bah.

Hoje é o nosso dia, sim senhora. Senhora, não senhor, eu disse bem, e foi de propósito. Já me cansam as almas penadas contra o dia dos namorados (eu própria, às vezes, desequilibro-me para esse lado, ai que estúpida), contra o Natal porque a celebração do nascimento do "menino" não é a fúria consumista e beca-beca, contra o Carnaval porque a-sério-a-sério é no Brasil, a morrerem de calor e a matarem-se nas vielas out sambódromo e cá chove e as meninas dos corsos têm varizes e pernas roxas do frio, contra a Páscoa porque a ressurreição não é só para teres um feriado e beca-beca, mas sabe tão bem ir à praia na Páscoa, hallelujah, hossana nas alturas, os cus para o ar ao sol, e contra tudo o que possa significar alegria, pausa no trabalho ou, simplesmente, atenção ao próximo, ai que chatos, nós sabemos que existe a burka, o véu, o sari e a mini-saia, e que existem muitas desigualdades e muitas injustiças - mas só com as mulheres? - mas hoje é o nosso dia, deixem-nos lá viver como minoria-não-minoria oprimida, celebrando o género só porque nascemos com pipi, mas alguém tem dúvidas do quão difícil é ser mulher e passar a vida inteira a ser coquette e querida dos pais, dos avós, dos tios e dos primos, todos a elevarem as expectativas em relação a nós, e mais tarde sedutoras sem jeito dos professores, simpáticas sem vontade dos chefes, manhosas em todas as relações pessoais e profissionais por sabermos que o bater das pestanas nos faz passar à frente numa série de filas e barreiras intransponíveis que a vida nos apresenta? Nós nascemos e crescemos com pêlos, senhores! Nós travamos um duro combate anti-pêlo a vida inteira! Não nos levantamos da cama, metemos um par de calções de banho no rabo e vamos para o areal coçar as coisas! Nós rapamos pernas, axilas, virilhas, algumas até buço (bigode, genitais, é um bigode!), pêlos nos dedos dos pés e até braços! Não cortamos as unhas dos pés e calçamos umas meias, vá que lavadas. Cortamos, raspamos a pele morta seca que fica à volta da unha, limamos, pintamos, esperamos que seque e ainda acontece cagarmos uma unha, ou todas. Nós não rapamos a barba e achamos que essa tarefa diária é um martírio ao qual estamos condenados para todo o sempre. Passamos base, damos rímel às pestanas para não prejudicar o momento em que elas terão que bater ao senhor da Emel, ou ao chato da repartição que não nos quer dar as indicações de que precisamos. Acertamos sobrancelhas, pintamos lábios (eu não, mas é porque sou Porca), repetimos o ritual das unhas dos pés nas mãos, esticamos, enrolamos, escovamos, pomos espuma, secador, pintamos o cabelo, deixamos de comer e corremos, pedalamos, metemo-nos em máquinas de tortura e em acrobacias impensáveis, só para estarmos, pá, bonitas. E ainda tomamos conta de uma casa, das compras, da limpeza, da roupa, lava-estende-recolhe-passa-arruma, de um trabalho mais ou menos escravizante, de filhos e febres e tosses e vomitados, das dores de toda a gente e das queixas de quem nem quer saber das nossas, e ainda temos o rótulo de chatas, deprimidas, obsessivas, malucas e falsas. Pois somos, falsas connosco mesmas, por passarmos uma vida inteira a reprimir a vontade de mandar uder o mundo e as vezes todas em que devíamos ter chorado e não o fizemos. Palminhas para nós que, apesar de não vivermos nem em guerra, nem escravatura, nem prisão, nem violência, mesmo assim, conseguimos sobreviver com os nossos pipis.

E a Ti, peço-te que me reencarnes em homem, que isto dá muito trabalho. Mas aviso-te já que serei um maricão do melhor, que aturar uma mulher uma hora já é dose, quanto mais uma vida inteira.

05/03/2014

Se calhar, sou única

Nunca vos aconteceu sentirem claramente que estão dentro de um pesadelo sem fim à vista e toda a gente vos diz que têm que agarrar essa oportunidade com unhas e dentes?

E a vista é tão larga, tão bonita...


04/03/2014

Vestidos dos Oscars 2014

Isto é só para atrair freguesia cá para o buraco, porque eu não vi os Oscars. Como ando sem tempo nem para fazer um cocó daqueles em bom, vi só vinte minutos, durante os quais apareceu a Jennifer Garner com esta maravilha, que eu já decidi que era o vestido mais bonito dos Óscares 2014, ainda que não tenha visto mais nenhum, mas de certeza que nenhum é mais bonito. Ela tem ombros a mais para ele, mas adoro o cabelo e, ah, não sei se já disse: o vestido. 





Vi mais um nico, que foi a actuação da Pink, mas estava numa de trapos, nem ouvi o Over the Rainbow com atenção (até porque o entoei mais alto do que a menina Pink). Detestei o vestido, por causa do decote e das mangas. Pink terá os braços mais curtos que uma pessoa não-anã pode ter, não necessita de usar manga a 3/4 para que todos consigamos constatar isso. 


De resto, vi os Oscars póstumos, atribuídos ao povo que a Academia ignora há anos, mas faz questão de homenagear quando morrem. Goodbye Mr. Peter O'Toole, my love.

02/03/2014

A economia começa, subitamente, a mover-se

Estava eu cá muito sossegada no meu cantinho, a fazer os trabalhinhos à medida que eles iam surgindo, e surgiam ao pinga-pinga, tão devagarinho que, se dependesse deles para comer, morria de fome, e eis que me aparece, caída dos céus aos trambolhões, a oportunidade que eu devia esperar e desejar mais desde Julho do ano passado, que foi quando aquela fábrica/mina/salão/oficina/senzala me pôs de lá para fora a correr, mas é que não, estava-me a saber tão bem a vida mansa, a contar os cêntimos, mas mansa, dona do meu nariz que é tão bonito, só que os tempos não estão para virar costas a trabalho, não vá ele dar-nos uma encavadela por trás ou coisa bem pior, vai daí fui a uma entrevista no próprio dia, nem tive tempo de olhar para mim, só de vestir um vestido decente, menos curto, sem decote, nem tive tempo de arranjar as unhas, foi de quarta ou quinta camada em cima do lascado e ainda udi uma pelo caminho, lá subi até ao 17º andar com uma unha cheia de nhanha de verniz e a ver ao espelho que ia só com cara de parva, o cabelo numa merda, mas a pressa era tanta, estamos aflitos, precisamos de si, venha rápido, quando é que pode começar, pode ser já na segunda-feira, ordenado catita, melhor do que na fábrica/mina/salão/oficina/senzala que me pôs de lá para fora a correr em Julho, odiei o horário, que prisão, nem tudo podem ser florzinhas, bem me queria parecer que tudo tão bonito, Lisboa de um 17º é tão bonita como da ponte, do avião, à noite e de dia, tinha que ter um defeito, ai eu o horário é que acho muito angustiante, ai então ajustamos isso, mas venha na mesma, está oquei, então até segunda, chipça penico, domingo inteiro dedicado às unhas, aos autefites de gaja laboreira, é amanhã, dia 3 de Março de 2014, que começo uma etapa, raios, nem é nervosa que estou, já não tenho idade para me enervar por tão pouco, é mesmo é puta da minha vida que estava eu cá muito sossegada no meu cantinho.


01/03/2014

Dou comigo quantas vezes a questionar-me

se às outras pessoas também acontecem trivialidades como a de ficar com o dedo polegar todo cagado quando estão a limpar o rabo. 

Mas também, o facto de já ter udido o sábado inteiro e de ainda ter serão pela frente pode estar a afectar-me a papa.