17/05/2021

Claro que tinha que fazer a coisa com algum estardalhaço

Já comecei este texto não sei quantas vezes, apaguei de todas elas, mas sinto que é importante divulgar o que aconteceu na minha vida no último mês. O vírus entrou-nos porta adentro, não sabemos se a ordem cronológica foi a do percurso do contágio: começou numa filha e correu a todos, menos a cônjuge, que foi, até ao fim, la pièce de résistance, de tal forma que foi "obrigado" a fazer um teste de imunidade (a Ciência quer perceber como é que alguém convive diariamente com uma chusma de infectados e passa por isso sem mácula), que resultou numa alta percentagem de imunidade, mais ou menos inexplicável: ou teve e não deu por nada (sendo que tinha feito N testes, todos negativos, nas últimas semanas, por contactos directos com infectados vários), ou não teve nem terá. 

Filha — vinte e dois anos — internada ao cabo de dias de febre e tosse, cuidados intensivos após três dias de internamento: oxigénio simples insuficiente, portanto, recurso a oxigénio por alto fluxo e, por prevenção, mais perto do ventilador, caso fosse necessário, o que, felizmente, não aconteceu. Foram três dias em que os nossos corações pararam. Não há visitas, há apenas um telefonema do médico de cada vez que há alguma novidade, as restantes vinte e três horas e cinquenta e nove minutos do dia, é esperar. Mas, calma, há um telefonema por dia — com videochamada — para todos os doentes da UCI que não estão em coma, o que, no caso, era só ela. E os outros não eram velhinhos, que ninguém se iluda. Estava, a título de exemplo, um homem, pai de uma filha bebé. Ao todo, a minha criança esteve internada nove dias.

Não a vi chegar a casa, porque teve alta  no dia em que fui ao hospital, por recomendação do Saúde 24, pensando que ia só ser vista e depois voltava: estava há cinco dias com febre, que não cedia a drogas nem a mezinhas, esparramada na cama e a desgastar-me só para ir fazer um chichi, ao ponto de ter a sensação de ter ido correr os meus sete quilómetros de domingo (só que sem suar), e não me pareceu que melhorasse nada. Afinal, fiquei por lá catorze dias. Sim, foram duas semanas de hospital. Não passei da enfermaria, mas passei as estopinhas, as passinhas do Algarve, o diabo a quatro. Talvez o caruncho derivados da idade explique muita coisa do que se passou naqueles dias, mas a verdade é que nunca nada estava bem. Nos primeiros dias, o tratamento anti-Covid não deu resultados aqui na flor, teve que ser mudada a medicação, e depois protagonizei um episódio épico de sangramento nasal, que me valeu o tratamento mais doloroso que algum dia sofri na vida (tamponamento, não queiram saber. Ter um nariz estreito só piora), depois era o coração aos pulos (pulsação de 130 logo de manhãzinha, quem é desvairada?), depois era o oxigénio que descompensava facilmente, todo um cenário "Se calhar, não é desta que morro, mas ó, se calhar até é". 

Já passou. Estou em casa há uma semana, já tão melhor do que nos primeiros dias que até já fui pintar a melena, já recomecei a trabalhar, mas tudo tão devagarinho que, se me dissessem que ter oitenta anos é isto, eu acreditava piamente. 

Mensagens a reter:

1. Não é porque és jovem que estás livre;

2. A porra da merda do vírus é algo de muito mais sério do que parece. Estimo que não me apareça pela frente um negacionista. Silenciá-lo-ei à dentada e à unhada.