18/12/2019

Das porras em que eu me meto

É assim há anos: eu já sei, de antemão, que vou meter-me numa situação da qual sairei magoada, mas meto-me na mesma. Até me inscrevo, como foi este o caso.
Existe uma marca de cosmética, da qual não vou dizer o nome, porque ninguém me paga para isto, mas que é excelente, que eu uso há bastante (por força da oferta de amostras, que uma amiga farmacêutica me fornece às litradas), cujas ampolas e cremes me rejuvenescem todos os dias um pouco, coisa para qualquer dia parecer um feto e, logo de seguida, um embrião. É uma marca da farmácia, e não há vez que lhe leia o rótulo e não me lembre do filme "Madagáscar".
Então, deixei-me inscrever para ir fazer uma "avaliação da pele". Logo na gula de receber mais umas quantas amostras grátis, prantei-me na farmácia à hora marcada. Fui atendida por uma senhora mais velha do que eu, o que não seria nada de extraordinário, não fora o facto de ter, ela sim, uma pele péssima, ou melhor, invisível sob uma espessa camada de betume, o que impossibilitava, agora sim, a avaliação pela minha parte. No entanto, era para a inversa que eu ali estava, e, por essa razão, sujeitei-me. Por trás dos óculos com lentes olho-de-boi, que lhe aumentavam o tamanho dos olhos a níveis olímpicos, emoldurados por pestanas posticíssimas, a pessoa perguntou-me dados, tipo o nome e a idade, enquanto pegava numa peça semelhante a um telefone fixo e ma encostava, primeiro à testa, depois à bochecha, finalmente quase à orelha, isto para aferir do meu tipo e estado da pele. Nada de nariz, bigode, queixo, aquelas zonas que nós, mulheres, se pudéssemos, secaríamos de gorduras, pêlos e outros contratempos assim mesmo sem olhar para trás. A seguir, sentenciou que eu tenho "uma pele mista", que é aquele meio-termo entre a carne e o peixe, é um quase, um talvez, um não-me-comprometo, e, para o caso de eu desconhecer o conceito, explicou-mo: que tenho zonas gordurosas [tomara tu] e zonas secas [toda a minha cara, no sentido de semblante, naquele momento]. E, por fim — após ter-me revelado que a minha pele tem mais três anos do que a minha idade real (subestimando que já lhe havia dito que é a marca que ela representa que eu uso), e de eu lhe ter perguntado: "Então, o que faço? Arranco-a? Deito-a fora? Faço um peeling? Meto um abrasivo?", considerando a possibilidade de a minha pele ter nascido três anos antes de mim —, traçou-me um "plano de tratamento" com seis produtos, mas que eu, ao tentar inteirar-me dos preços, e visto que só um deles custava cinquenta oiros, olhem, desisti de tratar a minha idosa e estafada pele, e pus-me foi nas tamanquinhas dali para fora, carregando-a comigo, tal e qual um lobo com pele de cordeiro.
Chiça.

09/12/2019

Titi Blue também esteve na Black

Parecendo que não, também fui ver a Black Friday. Bem sei que já foi há assaz, mas só agora se me aprouveu denunciar aqui.
No fundo, foi um acidente, como praticamente tudo o que me sucede no tempo e no espaço. 
Dá-se que quase todas as sextas-feiras, para mim, são 13. Constatei isto há talvez décadas, designadamente quando tive uma chefe que era detentora do grande dom de criar trabalhos inadiáveis aí pelas cinco da tarde do último dia da semana, trabalhos esses que eu mesma concluía, cerca de duas horas depois, que podiam esperar pela segunda-feira seguinte, ou até por qualquer de todas segundas-feiras seguintes, quando constatava que ela própria já se eclipsara da fábrica de miolos fritos onde laborava à época. Ainda bem que me despediu um dia, poupando-me o trabalho e a vergonha de o fazer sem a sua preciosa ajuda.
Amorosa, e porque a minha empregada aniversariava no dia seguinte, e eu havia encomendado uma coisa numa loja e já recebera o aviso de chegada dela à dita, atirei-me para dentro do Colombo. Logo o caminho da ida foi sinuoso, houve que contornar uma bichona de carros a perder de vista, uma coisa nunca vista. Assim, ultrapassei talvez três ou quatro papalvos, embora ainda tenha tido que me colocar em fila indiana atrás de mais uns quantos. Chegada ao parque, verifiquei que já só havia lugar no -3, que é aquele basfond onde a Via Verde jamais funciona. Retirei o bilhete, dei meia volta com Rosinha, minha canoa, e de repente arranjei um lugar óptimo, mesmo em frente do ascensor, que era para não errar nas portas, outro dos meus vários super-poderes. Apanhar um que me carregasse não foi particularmente difícil, eu já a achar que a Preta Sexta era um mito rural, mas eis senão quanto aporto no primeiro andar e sou confrontada com uma multidão compacta, qual domingo, qual véspera de Natal, qual exposição do carro do Michael Night (a sério, isto existiu, e foi ali), qual inauguração da Forever 21 (coisa a não ser frequentada por quem tenha 20 anos ou menos), aquele flop de trapos cuja ascensão e queda foram igualmente rápidas. Posso dizer com alguma segurança que tive que travar luta física para alcançar a loja, que fui encontrar em estado de sítio, três gajas por metro quadrado, um sonho de pinga-amor tornado realidade, brancas, pretas, qualquer cor, você quer tudo o que vê, elas até estavam organizadas em caracol (ou melhor, vistas de cima pareciam aquele jogo da cobra que nunca acaba de crescer), ao longo de todo o espaço disponível, para chegarem à caixa de pagamento e não perderem a oportunidade de, após espera de — quê? —, meia-hora, pagarem 8 euros por aquela blusa que custa 10, vão usar hoje à noite e amanhã entregam para troca na loja, cheia de desodorizante, suor e maquilhagem. Ia-me dando o Credo!, aí sim, caí naquela realidade alternativa, onde — mamã! — não queria estar. Então roguei, não uma praga, por não estar em condições psiquiátricas, mas à caridade humana de uma funcionária que ia ali a passar, "Por favor, para levantar uma encomenda, tenho que me meter nesta bicha?", ela que não, que podia dirigir-me aos provadores. Só que um relance me revelou que a bicha dos provadores também era das grandes, só que em linha recta, e já começava a faltar-me o ar para a sobrevivência mais imediata. Então abordei outra funcionária igualmente angélica, "Por favor, para levantar uma encomenda, tenho que me meter naquela bicha?", ela que não, que era só ir buscar o iPad e já me trazia a coisa, eu ai, olha queres ver que hoje é o meu dia de vaca, ou vou acordar daqui a nada e estou metida numa bicha interminável?
Saí da loja com a prenda da minha empregada no sovaco, ainda consegui flutuar quase em ombros derivados à multidão, até ao rés-do-chão, com vista a adquirir uma quiche de vegetais lá na padaria daquilo, depois fui de passadeiras rolantes até ao -3, subestimando a possibilidade de apanhar outro elevador sem espinhas (ou seja, sem cinco carrinhos de bebé, um par de muletas, três cadeiras de rodas e dez recém-nascidos no marsúpio) como o que me içara até ao primeiro piso, meti-me em Rosinha e aqui deixo o comprovativo, que é para não pensardes que omito a verdade. Das 11:29 às 11:54 vão quê? Pois.