30/05/2017

Quando, inadvertidamente, vences um preconceito

Isto ainda na senda do post anterior.
Não, é que não existe nada mais badalhoco — a seguir à tramp stamp e ao mindinho espetado — do que ir para a rua de cabelo molhado. 
Oh, sou tão sensual...
Oh, lavei-me...
Oh, eu de t-shirt molhada ainda sou mais hot...
Depois da tal molha, fiquei, em plena rua, com o cabelo encharcado (e a t-shirt e a saia, as pernas, os braços, e só não os pés porque tinha calçado sapatos). Tinha estado a dar-lhe com o babyliss, tinha um ondulado mesmo fixe, ficou uma nheca tão perfeita. 


29/05/2017

Onde passaste tu parte da chuvosa tarde dominical de ontem, LB?

Olhem, nem vos conto.
Havia homens rechonchudos com calças skinny e t-shirts a revelarem as pancinhas e as man boobs. E outros de calções de banho, pólo da feira e téne.
Havia mulheres cujas borregas transbordavam dos sutiãs. Algumas, tatuadas.
Havia crianças com sapatos de fivela e uma flor na ponta, os pezinhos espremidos por meias de renda branca.
Havia avós com mini shorts de ganga e chinelo raso tipo Havaiana.
Havia avôs muita porreiros que se ajoelhavam no chão para ficarem ao nível das netas e já não conseguiam reerguer-se. [Opção de vida? Dores articulares? Karma? Praga minha?]
Era um sarau, e isto é o que acontece quando a professora não dá só aulas na cidade, mas também se estica para a periferia.
Isto é o que acontece quando a pessoa sai daquilo a que o povo chama zona de conforto, que é o núcleo da civilização. 
Depois apanhei uma molha monumental e passou-me tudo. 

28/05/2017

Eu tenho problemas com médicos # 25

Eu ainda era do tempo em que os médicos exerciam Medicina.
Venho para dizer mal. Venho para deitar fora, purgar, drenar, expelir coisas más que há em mim. Devo estar na fase da raiva.
Vou contar uma longa história, que não interessa para aqui se na primeira, na segunda, na terceira ou em que pessoa do singular, de tão singular que ela é.

Fui criada a respeitar a profissão de médico como a todas as outras, mas mais ainda por ter vários na família, e, no limite (da gestação), por ter saído de dentro de uma. Naquele tempo, os médicos olhavam para um doente, faziam-lhe umas perguntas, observavam com olho clínico (literalmente), auscultavam, mandavam tossir, respirar fundo, palpavam, e simplesmente diziam o que o doente tinha, receitando de seguida. Não tinham tecnologia de ponta nas pontas dos dedos, nem internet que lhes valesse, apenas muita sabedoria acumulada e um especial dom, que era o de ter os olhos nas pontas dos dedos: encontravam, pelo tacto, o busílis da questão no corpo dos seus doentes. Claro que também havia quem corresse vários médicos até lhe ser feito um diagnóstico. Mas eram, geralmente, casos raros, casos no início dos sintomas, casos demasiado graves para que se pudesse alvitrar uma hipótese sem certezas sobre ela. Uma das minhas avós já tinha sido consultada por dois ou três médicos que não atinavam com a doença de que ela sofria, até que bastou a um pedir-lhe que caminhasse para lá e depois para cá, nos escassos metros da sala do consultório, para lhe fazer o diagnóstico. Era um professor da faculdade, no tempo em que para se chegar ao doutoramento e à cátedra não se pagava dois anos de propina a uma faculdade. Acediam os melhores dos melhores — por mérito, trabalho, dedicação e valor.

Agora é diferente. Uma pessoa cai de gaiato numa urgência hospitalar, onde lhe são feitos exames e análises e perguntas, primeiro na triagem, pelo enfermeiro, depois por um médico não especialista que, por sua vez, encaminha para o especialista que ele entende — e que, oh, surpresa!, não tem a especialidade ideal para aquele caso. Paga a urgência, paga exames e análises. Marca consulta com o médico indicado na urgência, vai à consulta, mas oh, que bonito!, o médico não se sente capaz de fazer um diagnóstico taxativo, sem antes mandar fazer mais exames, mais análises, preferencialmente dentro do mesmo hospital. Paga consulta e lá vai disto, faz exames, faz análises, paga exames, paga análises. Volta à consulta, e oh, inesperado!, o médico não faz diagnóstico nenhum, porque suspeita que aquilo não é do foro dele, e então manda para outro colega, de outra especialidade. Paga consulta, e marca consulta para a tal outra sumidade. Amarga uma hora e meia de espera na sala para que sua altíssima digníssima especialista declare que não pode fazer um diagnóstico diferenciado (diante de uma ressonância magnética), porque é necessário consultar outro especialista, ainda mais especializado, dentro do mesmo hospital, que, após exame ainda mais detalhado, com certeza (sem certezas) fará um diagnóstico decisivo. (Ao que parece, não andaram na mesma faculdade, não tiraram a mesma especialidade.) (Por exemplo, já não há ortopedistas que nos conheçam os ossos um a um: agora há o especialista do joelho e, dentro dessa especialidade, o especialistíssimo do menisco. Assim como já não há neurologistas que nos conheçam o sistema nervoso dos pés para a cabeça: há o especialista da tontura e do desmaio, há o especialista do tique nervoso na pálpebra esquerda. E só esse nos pode valer.) De tão agarrada ao computador que fui encontrar a dita senhora, quase posso jurar que a vi, enquanto murmurava "hum-hum", a consultar o Google. Podia bem ter ficado em casa (ela também), que teria sido mais em conta e não teria perdido duas horas e meia da minha preciosa vida. 
Até ao diagnóstico, e enquanto não, anda uma família inteira com o credo nas mãos e o coração na boca, porque uns senhores resolveram brincar aos médicos (ou aos comerciantes, decidam-se) sem nos terem perguntado se também queríamos participar no recreio, com um intuito qualquer, que deve passar por encher os cofres do hospital que, por sua vez, lhes paga um ordenado de miséria. 
O que é que está mal nesta história? 
Tudo. (Designadamente a minha cabeça.)

26/05/2017

Ambrósio, [hoje] apetece-me algo [diferente]/

Posso muito bem ter enlouquecido de cançassu

Desde que a cor das unhas mudara que sabia que se iniciaria ali o processo de transmutação. A seguir arrancaria o cheiro do perfume do pescoço, o tom do cabelo voaria para além da linha do horizonte, o riso dobrado quebraria num som opaco. Apanhou todas as migalhas de si que ainda sobravam e meteu-as no bolso para dar mais tarde aos cães. Engoliu inteiras três tâmaras de saudades, à força de oito lágrimas e meia, sufocou até à dor da alma quando a sentiu expirar, olhou para trás e viu-os, meteóricos, desaparecerem como sabão no chão da tristeza. Trancou a porta maior do coração com um estrondo fininho e deixou-se sugar pelo Mundo, com ele partido.

25/05/2017

Vou amar este homem para sempre # 2

Perdoem-me os que o podem fazer, forçada a esta ausência forçada [metida no buraco mais escuro de um trabalho que não acaba, mas ao qual vejo a luz ao fundo], mas sempre com meus môres no pensamento, e com ganas de partilhar o que de melhor ouço nos coisos. 

23/05/2017

Desamor

Ouço o choro daquele bebé e ainda me distraio a interpretá-lo. É vício, é hábito, é treino que nunca perdi. Está aborrecido, cansado, com frio. O ar condicionado está ligado, mas arrefece as extremidades de um menino — presumo que é um menino pela cor com que está vestido — de pouco mais de um mês. A mãe, muito jovem, muito linda, gordinha e loura, abana-o no colo à medida que ele solta gritinhos, e ele solta gritinhos à medida que ela o abana, numa dança que parece não ter outro fim que não seja o do aborrecimento mútuo. Ao lado, o pai, ausente, e o filho mais velho de ambos, distante. Os cerca de oito anos e a sanduiche que tem na mão não lhe permitem mais senão manter-se fora daquela sala de espera, que até eu, que já multipliquei por tantos os meus oito anos.
A mãe tenta o leite, tenta a chucha, tenta virar o colo impaciente, mas o choro não cessa. Abstenho-me, obviamente, de lançar mão de ajuda. Quem sou eu senão alguém que criou bebés há demasiado tempo para saber de que choram eles?; e por pudor; e porque as crianças precisam de chorar; e porque as mães também. Assisto, assim, impávida e pouco serena, ao pedido da mãe ao indiferente pai, que lhe passe um toalhete. Ele entrega-lhe uma embalagem inteira, ela já não dispõe de mais mãos livres para retirar apenas uma, desespera-se de solidão, chama-lhe parvo e ele explode numa raiva muda entre dentes, "Chata, porra! Tu és uma chata, caneco". 
Saem os quatro quando são chamados para a consulta de um deles, passa diante de mim o que foi um dia um casal, e pergunto-me há quanto tempo é que aquelas duas pessoas se amaram, a ponto de porem outras duas no Mundo.


22/05/2017

Em repeat


Ela fala tanto # 14

Aparece-me mais tarde, esbaforida e sonora, necessitada de desabafar como um balão cheio de hélio preso por um fio, e desata. Confirma que chumbou no exame de Código da Estrada, que foi fazer juntamente com a filha e o cunhado, que já conduz há anos sem carta e lá foi pela quarta vez. [E eu que sei, e eu que sei, cruzo-me com eles todos os dias...]. A filha muito nervosa, ai, Tatiana, tu acalma-te, mas ela a ter um ataque de ansiedade, o ar a faltar-lhe [porra, pá, só eu não tenho ataques chiques, à frente de toda a gente], e eu, inconveniente, depois de me ter dito que a filha também chumbou, pergunto se estava nervosa antes ou depois do exame, pois que antes, não se conseguia acalmar, ai, ó Tatiana, tem calma, filha, e ela lá se acalmou quando começou o exame. 
- Acho que o que me tramou foi aquela da cedência de passagem numa rotunda.
E dou comigo a pensar, "Olha o azar, chumbar por uma. Mas a fasquia tem que ser posta em algum lado, se não fosse na quarta errada, era na quinta, e haveria sempre quem chumbasse". 
- Errei cinco, e a minha Tatiana também.


[O cunhado passou, conseguiu errar apenas em três questões.]

21/05/2017

Agora já sou uma blogger a sério # 3

Cá suei mais uma camisola. A máquina da roupa também não pára. 

eu sei que já mostrei a cara, mas não me apetece todos os dias, tá?

Começou logo bem, aquando do levantamento do kit. Acerco-me do guichet e pergunta-me a menina o primeiro e último nome. Digo-lhos, de vulgares que são, e ela encontra mais não sei quantas homónimas. Pergunta-me ano de nascimento, encontra 95 contemporâneas. Pergunta mês, mais não sei quantas. Pede-me o dia e, mesmo assim, encontra outra — homónima, nascida exactamente no mesmo dia que eu. Qual é a probabilidade de isto acontecer, qual é? Comigo, 100%. 
Depois, começar, começar, foi pelas 10 da madrugada de hoje, quando dei por mim a correr para o autocarro que transportava as atletas para a partida, a 5 quilómetros da meta. Deixei Rosinha no parque da Fundação Champalimaud, porque tenho a PDM e o parque é limpinho e grandioso. Lá chegadas, fomos despejadas para cima de mais milhares de femedo que corre contra qualquer coisa que o valha. Na verdade, nós, mulheres, corremos contra muros vários todos os dias, não apenas nestes alegóricos. (Hoje não sei que dia é, mas fui na mesma.)
Também somos distratadas e descompreendidas. Só isso explica que nos tenham afinfado, logo à partida, com o Emanuel em cima de uma daquelas pontes de atravessamento a cantar "Nós pimba", imediatamente a seguir a termos passado a barreira de uns mocetões musculadíssimos que nos estavam a borrifar de protector solar, mas eu cá fugi-lhes, por já ter posto em casa, e mais gordurosa era capaz de deslizar até à meta, e depois era desclassificada por doping ou o genital.
Estranha corrida esta, por ser tão eufemística: não havia pista de corrida, sequer alguma separação temporal nos momentos da partida, entre quem corria ou andava. Foi chato para as atletas, que tiveram que ultrapassar a multidão compacta de gajedo que vai para a farra e o trololó. Para mim, foi óptimo, embora, tanto quanto dei por isso, tenha sido a única desvairada que fez walk-run, e tenha aproveitado os momentos em que havia passeio ou estrada livre para dar umas escapadinhas à manada. Parecia aqueles tontinhos que vão a pastar a vaca na autoestrada e, de repente, devem prender o salto do sapato no acelerador, que uma pessoa deixa de os ver (ou então, ganham invisibilidade).
Ao longo do percurso, fomos brindadas com garrafinhas de água — eu emborquei três e ainda trouxe mais uma, dou sempre prejuízo à casa — e mais música: um palco com um jovem a trautear "I'm walking on sunshine" (à torreira da canícula, se faz favor) e uma mulher grávida a entoar "It's raining men, hallelujah" (quem sabe se à espera de um rapaz, e daí...).
Na meta, recebemos tantas coisas que precisava de dez mãos para não deixar cair metade delas, como deixei: um geladinho, um saco com leite, mais água e uns papéis, uma banana (ai, o potássio, sou tão atleta, sou tão hipster), uma medalha, três panfletos não sei de quê, que já jazem no ecoponto e até podiam ser um prémio em dinheiro, mas olha.

19/05/2017

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 49


Logo eu, que costumo entreter-me a tirar o perfil de cada um, em função das compras que leva no carrinho.
Que tipo de pessoa se dirige expressamente — com pressa e com intenção — a uma grande superfície comercial para comprar isto?



1. Alguém guloso e também limpinho;
2. Alguém com desejos e também com cheiros na privada;
3. Alguém com um TOC relacionado com os sentidos do paladar e do olfacto;
4. Alguém com um TOC azul, que tudo o que compra tem embalagem azul;
5. Alguém que faz estranhas misturas;
6. Alguém sem nada para fazer;
7. Alguém que trabalha muito e precisa de desopilar em minudências;
8. Alguém que vai receber uma pessoa importante em casa e também se esqueceu de encomendar, na última compra, os benditos desodorizantes;
9. Alguém sem assunto sobre o que escrever, a quem lhe morre o blog sob os dedos todos os dias mais um niquinho/sobre assuntos-assuntos, não apetece de todo?
10. ~~~~~~~~~~

Tudo eu.

17/05/2017

1 + 10 = 11

Não é esse o assunto?

Ah, era uma mnemónica...

Com cerca de mil pedidos de desculpas pela (zero) qualidade da imagem, mas ela foi tirada:
1. Por chico-smart, em pré-falecimento;
2. A uma distância que até admira que se leia alguma coisa;
3. Por sobre os movimentos basculantes e circulatórios de uma elíptica.

E a hora, hã? Eram 11:11. Vá que não eram 11:10. 

Eu tenho problemas com tudo # 23

- Hohem hão hahou a hua hon-ha.

Existe uma pessoa que trabalha num espaço comercial junto da minha área de residência que fala assim: das vinte e duas letras do alfabeto (eu conto com o K, o X e o Y, porque sou moderna), diz apenas as vogais, ou seja, suprimiu da sua linguagem verbal (a escrita não lhe conheço, portanto dou de barato) nada mais, nada menos do que dezassete letras, se é que a matemática agora não me falha também. Algumas sílabas, entoa-as com uma única consoante, mas não a correcta para entremear as vogais correspondentes, fazendo recurso constante do H, não aspirado como o dos ingleses, mas expirado como só ela.
Nem imagino se fosse ao contrário, e tivesse suprimido as vogais.
Nem imagino como dirá palavrões.
Nem imagino quando se constipa, e não consegue expirar o H.
Assim, por exemplo, se quiser dizer Existe uma pessoa que trabalha num espaço comercial junto da minha área de residência que fala assim, diz Eihihe hua hehoa he ha-aia hum ehaho huhehial huho ha hiha áhea he hehihêhia he haha ahim.
E não é que se faz entender perfeitamente?
Sempre, menos desta vez. Criou-se, finalmente, uma barreira linguística entre ela e eu, fascinada que ficava sempre a ouvi-la falar sem consoantes e muitos HH.
Isto é um suponhamos: entro lá no local, acerco-me do expositor frigorífico onde ela labora, e preparo-me para desbobinar alface-abóbora-cenouras-couve-flor-nabo, mais ou menos por esta ordem aleatória, e vai ela assim para mim, naquilo que eu entendi:
- Ontem não pagou a sua conta.
Ó pá, esqueci-me. Mas também era escusado aquele mau modo, à frente de toda a gente. Parecia que eu tinha feito de propósito. Passei por caloteira, e, puxa!, magoei.
- Oi? — Respondi no meu melhor português. E depois girou-me a seguinte frase na cabeça: "Hoha, há! Henho ahi a ehha eh-hehun-ha há hinhe e huaho ahos, hunha heihei ahi hehuha hon-ha hoh hahah e hohe, huhe he eh-hehi uha húhiha hez, hazem-he hoho hahah hoh hahoheiha". Mas travei-me, traduzi-me mentalmente e proferi: "[Porra, pá!] Venho aqui [a esta espelunca] há vinte e quatro anos, nunca deixei uma conta para pagar e só hoje, porque me esqueci uma única vez, fazem-me logo passar por caloteira".
A comunicação entre nós bloqueou naquele momento, por assumida incapacidade minha para perceber o azedume, especialmente provindo de alguém que sempre tratei bem.
Acho que nunca mais nos vamos entender, ehá hihto.


16/05/2017

And that awkward moment # 27

em que entras num restaurante para jantar e o empregado de mesa se embeiça apaixona desesperadamente por ti? E depois é todo um manancial de situações absurdas, em que é ele a querer transmitir os seus sentimentos através dos olhares penetrantes com que te estupra, e és tu a tentar jantar em paz, fintando com imenso jogo de cintura toda a abordagem por ele perpetrada. 
Traz-te queijo à mesa, perguntas se é de Nisa — porque também não podes ficar calada, e há situações que o diabo que te habita tem ganas de fazer render —, e ele responde "Não, é do Alentejo". Mas o vinho é tão bom, parece mesmo pomada para a garganta que não te dói, que dás um daqueles suspiros que achas que só tu ouves, mas que ecoam pela sala como se alguém tivesse ligado o ar condicionado no máximo dentro da tua cabeça. E o homem fica ainda mais perturbado. Diz Murphy, esse grande estupendaço, que quando alguma coisa está mal, ainda pode piorar. Claro que sim, boi.
Estás acompanhada, pediste dois cafés, e ele aparece-te do nada, ou então do tecto da sala, com duas chávenas na mão, a perguntar: "Os cafés, são para quem?" — o que te dá logo aquela vontade de responder "São os dois para mim, baby".
[A reminiscência que ele me veio trazer. Quando os miúdos eram pequenos, numa remota época em que o mais novo ainda se sentava em cadeirinha elevatória — cadeira de papa, tecnicamente falando —, não foi uma nem duas vezes que se acercou da mesa uma figura com duas chávenas na mão, a perguntar para quem eram os cafés. E de todas, a acompanhar candidamente o queixo caído, tiveste vontade de responder "Para os dois mais novos, a ver se sossegam".]
(Um dia vou dar largas ao Tourette agrilhoado em mim, e só respondo o que me der na venta. E no vento.)
Há depois um momento — que não vou contar aqui —, talvez derivado da enervadeira que o homem te provocou, em que despejas uma parte do vinho sobre ti mesma, ficando o teu vestido (que é obviamente branco) cravejado de nódoas cor-de-tintol, aquele tom indisfarçável que grita à populaça com que te cruzas até ao carro, "Bêbada!", quando não estás. Mas é claro que os saltos altos e a p. da calçada de paralelepípedos redondos te negam qualquer negação dessa aparência sóbria.
Empregado estupidamente apaixonado - 1; LB - 0.
(O amor tudo vence.)

15/05/2017

Podia bem ter sido eu a escrever isto [tivesse eu talento]


Se um dia alguém perguntar por mim
Diz que vivi para te amar
Antes de ti só existi
Cansado e sem nada para dar

Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei que não se ama sozinho
Talvez devagarinho possas voltar a aprender

Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei que não se ama sozinho
Talvez devagarinho possas voltar a aprender

Se o teu coração não quiser ceder
Não sentir paixão, não quiser sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
O meu coração pode amar pelos dois

14/05/2017

mmmmm, esta sensação de acordar ao domingo

espreguiçar a beleza numa cama confortável, olhar para o telemóvel, ler os mails, constatar que hoje salta fora mais um seguidor e ahhhhh, poder virar-me para o outro lado — exactamente aquele para o qual durmo melhor...



13/05/2017

Dia dos 3 FFF

Fado, futebol, Fátima.
Nunca como hoje.

Meu Benfiquinha querido, vê lá se consegues façanha igual à minha

Tetra, môr, nada menos do que quatro. 


E ainda vamos ao penta!

And that awkward moment # 26

em que recebes uma caneca da Dory pelo Dia da Mãe — e nada é por acaso, a peixa azul só não é a minha personificação porque não é uma persona, talvez seja eu que sou a personificação dela —, resolves fazer o teu primeiro chá nela, e passada meia-hora, alguém pergunta De quem é este chá?, e te vês compelida a responder
...
...
...
Esqueci-me?

Palmei da nettinha, sim.
(Vinde cá prender-me, ora vinde.)

12/05/2017

Em modo tolerância

comigo; com tudo; contudo; com a água; com a chuva; com a vida; com o destino; com a sorte (maldita); com o fado.


Nem de propósito, nem por acaso, a Teresa Borges do Canto tirou-me as palavras e as lágrimas da boca. 

11/05/2017

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 57

Vejo coisas.
Já não se pode frequentar provadores das lojas de roupa feminina, que se é logo sujeita a estas provações. Olhem-me lá para estas duas.

E a manita esquerda da mocinha da direita, hã?
Am I interrupting?

(Eu agora era uma pessoa com uma visão artística do mundo e chamava a meu retrato "O abraço" ou "A dança". Assim como não sou, dou-lhe o nome "Granda sentido de humor, caixeirinha!", ou "Queres falar?".)

Estive mesmo para ir abraçar-me a elas, mas depois senti-me um bocado a mais. Tipo aquela do "Um é pouco, dois é bom, três é demais". 

08/05/2017

Ando tão farta do anonimato


Antes que o assunto arrefeça e, efectivamente, (mais) ninguém se mate, ou a comunicação social decida se se trata de um mito urbano — ou rural —, tenho a declarar à blogobola que, também eu, jogo Baleia Azul todos os dias

Aliás, se pensar nisso bem a fundo, não afundo em disparate nenhum, pois que chego à conclusão que até posso ter sido eu a inventar o jogo da Baleia Azul, blogosfericamente falando. 
Todos os dias — todos! — tenho a minha "hora de cortar os pulsos", que é aquele momento em que vou consultar/espreitar/invadir um blog ou dois, com o mesmo desvelo e amor do ódio de estimação, mas em profundo. Então, golpeio-me.
(Calma, claro que não é nenhum dos que frequento publicamente e que fizeram parte da minha lista da barra lateral — que apaguei, mas refarei —, pois estas coisas fazem-se na privada, na calada, na cobarda.) (Com limites, já que nunca comentei em nenhum deles. Se o fizesse, seria com este meu perfil azul e belíssimo, uma vez que, quando parto para o estalo, gosto de dar a cara. Tenho a mania que sou vertical, ou lá o que é.)
Vocês, se calhar, não fazem isso, mas eu sou assim, quase toda psicobólica, e preciso de me enervar um bocadinho todos os dias. Sento-me ao computa, ou abro os ditos no telemóvel, e pronto, purgo a raiva, a neura, o ataque de fúria que não tive e contive (alguns há cerca de vários anos). É o meu corte de pulsos diário, a minha caixa de gritos, o meu boneco de pancada.
(Muito obrigada a todas as que alimentam esses espacinhos de catarse e psicoterapia gratuita.)
Conforta-me a ideia de que haja quem faça o mesmo com este meu coiso. Sirvam-se, que também é para vocês que escrevo assim. Cá abraço apertado. (Não.)

(este gif roubei da nettinha, que eu não sou loira nem tão nervosa.)

07/05/2017

Agora já sou uma blogger a sério # 2


De manhã, Corrida do Dia da Mãe. É claro que fui caminhar, por todas as razões que me são inerentes, e ainda mais pela de que tenho um pé todo desmontado, não tivesse abusado da dança (ou ela de mim), de maneira que fui, literalmente, coxear quatro quilómetros, mas cheia da corage. Levei exactamente o mesmo tempo que uma das minhas bonecas a correr dez quilómetros: uma hora e quatro minutos.
Eu gosto é da festarola, vou para me divertir, porque sou uma divertidaça-estupendaça, caturreira.

 
(Ô xenti, fiquei pelando por um sambinha...) 

Como sou demasiado etérea para algumas coisas, consegui perder-me no percurso, e tive que voltar atrás uns metros para me meter pelo intrincado caminho que levava até à meta. Lá chegada, encontrei um grupo de rapazes que pertenciam ao movimento Abraço Gratuito. (Espero que não sejam parentes dos do Abraço à Borla, organização que suponho que desapareceu, quem sabe se por, um dia, um deles se me ter dirigido com um cartaz onde estava escrito ABRAÇO HÁ BORLA e eu lhe ter gritado "Ahhh, tens um erro ortográfico no cartaz!", escapulindo-me dos braços dele.) Hoje foi diferente, nada parecia errado, por isso demos um abraço, jovem desconhecido e eu, e ele desejou-me um dia feliz, com aquele sotaque do norte que metade das minhas costelas reconhecem e vibram, canudo.

 

Cada um tem a mãe que merece?

Pela hora do almoço, e porque agora frequento casas-de-banho públicas leve, levemente, como quem chamam por mim, derivados de beber muito mais água do que antes e, eventualmente, ter a bexiga mirrada de tantos anos de camelice, fui dar com uma menina, com quatro anos ainda incompletos, a fazer cocó, perfeitamente sentada numa sanita pública, profundamente sozinha, com a saia e as cuequinhas puxadas até aos sapatos. Convenhamos que a louça sanitária destas casas-de-banho deve ser a zona mais limpa de todo o recinto, já que ninguém, no seu juízo perfeito, e se tiver mais do que quatro anos e for acompanhada por uma adulta, ali se senta. Diz-me a criança, mal entro: "Fiz cocó", e aquilo invadiu-me de ternura, porque o instinto é uma chatice que nos atinge sem pré-aviso nem dó. Perguntei-lhe pela mãe, e ela respondeu, literalmente, "Não está comigo", e deu um enorme arroto. Aquela menina era coisa para uma pessoa ter vontade de meter na mala e levar para casa. Procurei a mãe nas outras cabines, mas nada. Ajudei-a a sair da sanita e, naturalmente, ela pediu-me que a limpasse. ("Tenho o rabo sujo".) Não só limpei, como também a vesti. Enquanto o fazia, ela disse-me: "A minha mãe é muito gira". "Que bom que deve ser, ter uma mãe gira", respondi à toa, pasmada com o tempo que já havia decorrido desde que a mãe-gira não havia sentido a falta da filha-mais-uns-segundos-deste-amor-e-levo-a-para-casa. "Sim. E é mágica", continuou ela, o que me pôs a pensar que de certeza, pois só uma mágica está tantos minutos sem saber de uma filha daquela idade sem se preocupar ou sequer lançar o alarme no restaurante. Foi quando entrou uma mulher alta, farta, cabelo preto e frisado, óculos de massa grossos, e exclamou, tranquilamente: "Ah, estás aqui...". Ao fim de, seguramente, dez minutos.
(Dez minutos de desaparecimento de uma criança minha com aquela idade, e até a aviação civil já estaria a sobrevoar o restaurante.)
(Mas eu sou diferente.)


Post em tempo surreal

Mãe

06/05/2017

unhas amarelas

Entrei, pontual e opaca, eram as horas combinadas e marcadas no compasso da agenda, um bocado de vazio naquele meu bocado de vida.
Peguei nos mostruários, sabendo de antemão que era vermelho o que queria ter nas mãos, encostei um amarelo aos dedos, disse ela
Ah, não, amarelo não, minina. Minina não vai pôr amarelo,
e eu que não, que era uma vontade não bem minha, um desejo incontido de experimentar,
mas já passou.
Pus o dedo indicador debaixo de outro amarelo,
Então e este?,
ela convicta nada convencida,
Ah, não, minina.
Estás triste, minina?, ela a perguntar-me enquanto me tingia as unhas de vermelho-pouco-amarelo.
Podia ter optado por um sorriso amarelo, podia, sim, podia, pois. 
Não,
e dei-lhe o meu melhor vermelho-inverosímil. 

04/05/2017

Pequeno-almoço

Quando eu era uma petiza, os hotéis forneciam pequeno-almoço no quarto. Não era preciso ser um hotel cheio de estrelas, bastava ser um hotel. Só digo isto porque sei: no final do Verão, hospedávamo-nos num hotel de termas durante duas semanas, que era o melhor da área (e, tanto quanto me lembro, o único, fora umas pensões ilegalíssimas), que tinha duas ou três estrelas, e tinha pequeno-almoço no quarto, completo e escolhido na véspera, antes de colocadas as opções do lado de fora da porta do quarto, entre chá, café com leite ou apenas leite — que chegava fervido, com uma gigantesca nata ao de cima do bule de metal (a qual me provocava vómitos, mas eu era uma esquisitóide e ainda hoje não sei por que é que Deus, ou lá quem por ele, não me conservou essa esquisitice — hoje seria tudo muito mais fácil e não teria que me esfalfar toda para obter este resultado), pãezinhos e torradas acabados de fazer, levado em carrinhos de chá com toalhas de pano imaculadamente branco, porcelanas com o logo do hotel, funcionários irrepreensivelmente fardados de bege e branco, "Bom dia", "Bom dia". Algum dia era esta palhaçada de uma pessoa ter que se içar do leito antes das 10 da madrugada, ir a correr remelosa e estremunhada para uma sala de restaurante que ainda está com cara de fim de jantar, escolher entre croissants e pães de leite secos, leite com café chicória, cevada e centeio ou chocolate líquido acastanhado, iogurtes de marca desconhecida e cereais amarelos/castanhos, pêssego ou salada de frutas da lata, fora aquela cena das salsichas, ovos mexidos, bacon, fiambre e fatias de queijo, a armar ao intercontinental?


And that awkward moment # 25

em que te obrigas a telefonar a alguém que deve dinheiro a uma compropriedade à qual pertences (sim, dessas que dão mais trabalho a tentar governar do que a mijinha de lucro que dão), começas por ser auricularmente violada com um waiting ring que estrilha Nossa, nossa, assim você me mata| Ai, se eu te pego| Ai, ai se eu te pego, és atendida ao décimo toque, vais directa ao assunto sem nunca proferir a palavra dinheiro por sofreres de um preconceito, e recebes como resposta Ah (case study: faz sempre parte da resposta cínica/irónica/deslavada, este "ah"?), eu compreendo perfeitamente a sua situação, e imagino como é constrangedora
Hum?


03/05/2017

Preguiça

Eu dada a esforços, dos quais não vejo resultados, e a essa falta que é falha, atribuo a preguiça que me tomou hoje de assalto desde os dedos até aos outros dedos, isto se só contar com a moleza muscular, porque daquela outra, do pescoço para cima, que responda a mente, essa que está sem resposta capaz. 
Ela, senhora na meia-idade — aquela de ter para ter juízo —, magra, recta, alta, longa, ali mesmo ao meu lado, acompanhada de PT, rapaz musculado como se impõe, impondo-lhe exercícios vários e variados, não fosse ela enjoar de uns, podendo então desenjoar, variando, para outros. Ela, numa pseudo-obediência lânguida, lembrando a preguiça, precisamente: aquele bicho pausado e inteligente o suficiente para enganar um dos seus principais caçadores, o jaguar. Ele, estritamente profissional, mantendo o nível, a consistência e a forma, persistindo sem desviar o assunto que levava ambos ali: o treino dela. 
Eu não quero emagrecer.
Quando eu tinha dezoito anos, pesava quarenta e cinco quilos.
Os rapazes, hoje em dia, já não gostam das skinnies, apreciam mais uma mulher com formas.
Hoje tenho uma reunião, e tenho que estar no meu melhor.
Eu entreti-me...
Pronto, já não ouvi mais nada. Reconheço que o arrazoado de pedidos de holofotes, as demonstrações de autoestima e a feira de vaidades podem ter-me anestesiado um pouco para aquele embate final, mas declaro em minha defesa que não esperava, assim como nunca espero que, da mesma boca de onde saiu a palavra reunião com tamanha frequência, tenha brotado aquela conjugação do verbo entreter: fez-me cair, mais uma vez nesta vida, o anjo da ilusão aos pés, aos trambolhões, desfeito em cacos. 

02/05/2017

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 15

Notícias da minha gata:
Está a odiar aquilo a que a vet chama "o cone". Na verdade, trata-se de um abat-jour, que, efectivamente, lui abat son jour: a criatura anda deprimida e revoltada nas horas, com os dias. Passa grande parte do tempo a lavar aquilo, fazendo com que ele rode a toda a volta da cabeça, continuando a lamber, num processo muito semelhante ao de uma máquina de lavar roupa. Em compensação, não consegue lavar mais nenhuma parte do corpo, a não ser o fundilho da barriga, quase no entrepernasatas, que foi depilada ao estilo Hollywood. Na verdade, é bastante útil que não consiga alcançar com a língua mais nada, a não ser o interior do abat-jour, uma vez que, cada vez que lhe dou o antibiótico e ela cospe uma parte, essa cuspidela fica ali alojada, e lá se repete o esquema de "ligar a máquina", e, assim, o antibiótico fica tomado até à última gota. Teimosa sou eu, que insisto em dar-lho à boca, quando podia perfeitamente dispará-lo para a aba, e depois ela tomava-o voluntariamente, no tal esquema de fazer andar a roda com a língua.
Por outro lado, neste momento não está muito limpa — mas também não muito suja, uma vez que é um gato de casa —, sobretudo na zona do focinho, que está cheia daquele doce horrível do remédio. Os bigodes estão uma lástima de pegajosos e parece querer a todo o momento transformar-se numa rastacat, em tudo menos na atitude. Mas também não lhe vou mandar fazer o buço, já bem bastou a depilação total da barriga. O abat-jour é preso ao pescoço com uma fita de gaze, que ela ontem, de tanto rodopiá-lo, conseguiu desfazer (e tem as unhas cortadas, imagine-se se não) e, pasme-se, arrancá-lo. Vi-me então na contingência de ter que lhe pôr uma fita que encontrei na caixa da costura, very fashionerer, mas ela achou zero piada e ainda ficou mais amuada com o Mundo. Mas que parece Miss Scarlett, isso ninguém se atreva a negar.


Cada vez que vai à veterinária para mudar o penso, rosna desalmadamente, no que parece um rugido feroz. É o que me lembra que tenho em casa um parente de leão, cuja única diferença será mesmo só essa: não ruge. (E é isso que faz dela um felino felídeo.) Mas é capaz de pôr o staff todo a dar uma ajudinha para que não se dê ali uma tragédia, em que a única sobrevivente seja, precisamente, a fulana. 
À conclusão:
1. Ela já me odiava qb;
2. Sou eu que lhe dou o antibiótico;
3. Sou eu que lhe dou o anti-inflamatório;
4. Sou eu que lhe ponho o laço a segurar o chapéu;
5. Fizeram-lhe a depilação, as unhas e o buço está nojento (segundo os parâmetros dela, que por mim está óptimo), o que ela atribui a mim (sinto-o no olhar dela).
Odeia-me sem qb, e para todo o sempre.

01/05/2017