Senão, vejamos: consulta semestral de oncologia. Em vez da minha médica, sou atendida por um maçarico daqueles que ainda seguram a ponta da caneta com os dedos todos. Sorridente, nervoso, deixou logo que eu dominasse a sala, o que nem sempre joga a favor de um médico. Tive a impressão que podia mandá-lo fazer o triplo mortal encarpado à retaguarda, que ele faria. Achou logo muita piada à minha falsa surpresa: “Dra. Rita, está tão mudada!”. Perguntou-me o peso e eu recusei-me a dizer. Chega de indiscrições. Levei-lhe todos os exames que fiz ultimamente, uns por auto-recriação, outros nem por isso. Gostou de tudo menos dos vómitos. Eu também não aprecio, propriamente. Disse-lhe que já não padeço desde que tomo uma cápsula em jejum. Não se ficou, mandou-me fazer dois exames, um deles extremamente invasivo. O que vale é que estarei a dormir. Pode ser que sonhe com coisas puras. Tipo “A música no coração”, sem a parte das S.S.
Depois o delfim resolve perguntar-me se tenho diarreia. Eu, apesar de me parecer que a conversa já ia a extrapolar para a intimidade indesejada, respondi: “Sr. Dr., eu estive muito tempo presa”. E ele com os olhos a pularem pelas órbitas, aposto que a traçar mentalmente o caminho para a Psiquiatria do hospital. “Não reclusa, não detida. Ainda assim, agora sou livre”.
Volto lá qualquer dia. Espero que a minha médica já não esteja constipada [rolling eyes].
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Fui a uma loja comprar cuecas. Agora decidi que sou alérgica aos elásticos e a tudo o que não seja algodão. Ou muito me engano, ou acabaram-se as cuecas da coboiada, sob pena de a pessoa ter que ter ao lado um frasco de Betadine. Entrei na loja onde sei que há roupa dessa sem costuras e com o tecido pretendido. Comprei umas quantas, ainda me ofereceram mais um par, e toca para casa. Na minha rua, abro a mala do carro, o saco cai-me de boca para baixo e as trezentas e cinquenta mil cuecas espalham-se pelo passeio. Devem ter-se multiplicado, porque eu metia umas no saco e espalhavam-se mais duzentas. Fora, é claro, dois sacos de víveres num braço e um saco cheio de frigideiras lá da enorme superfície, que eu, durante a batalha Linda-cuecas, nunca quis largar. Quando, finalmente, venci a coisa, passou por mim um papá com seu bebé, com um semblante extremamente preocupado e disse-me: “Bom dia”. Eu, descabelada, exausta, com cara de cueca, carregada e com a vergonha toda perdida pelas ruas da amargura, respondi: “Bom dia”.