16/12/2014

Santa Ana, cabeleireira

Eu vivo dramas. Ninguém me dá o meu devido valor. 

Quando não detesto o meu cabelo - em dias de chuva, que se eriça pelos ares e pareço mesmo-mesmo a Ovelha Choné -, adoro-o. Gosto de cabelos ondulados, gosto de cabelos escuros, gosto de cabelos compridos e o meu tem tudo o que eu gosto. Querido, riquezas da sua Porca. 

Todas as mulheres gostam de ir ao cabeleireiro, não é? Acho que não, mas existe essa convicção. Eu não gosto. Aquilo faz-me sofrer dos nervos. Nunca vou ao sábado, porque a afluência de senhoras-que-frequentam-com-agrado-o-cabeleireiro é enorme, e eu sinto-me lá mal. Sinto-me fora de contexto, e sinto-me verdadeiramente doente. Acho que me sobe a tensão arterial a níveis exponenciais. Aquele ruído de fundo dos secadores, aliado ao beca-beca das freguesas mais artistas do pêlo, é, para mim, a verdadeira imagem do inferno, e é coisa para me fazer reconsiderar se quero mesmo ir parar ao Hades, ou se não prefiro antes levar com os anjinhos mais as harpas e os violinos, mais as nuvens e o genital masculino a quatro. Então, vou a um dia de semana, de manhã. Duas vezes por ano. Cortar pontas. Aparar, na verdade. E faço uma preparação mental de dias. Sou capaz de ir ao dentista três vezes - com broca e sem anestesia e tudo - em vez de uma ao cabeleireiro. Não sei porquê. Freud, onde andas, quando uma pessoa de idade precisa de ti? Olha, morto não me serves para nada.

Não tenho capacidades mentais para perceber as mulheres que cortam o cabelo. Que entram naquele antro de tortura com o ar mais contente do universo e mandam cortar. E depois ficam com uma merda no alto da cabeça, a abanar as farripas para o espelho, pagam, dão beijinhos à cabeleireira e saem a pavonear a pluminha com que ficaram. Se vão aos pares, ainda dizem umas para as outras: "Está fantástico. Já estava muito seco, fizeste bem em cortar assim mais curtinho". Eu sei que é assim porque já vi. E foi por ter visto que tive que desistir de ir ao sábado à tarde. Tive pesadelos com isto durante meses. Eu, naqueles cabelos, a ouvir "Está fantástico". Coisa para me dar suores, frios e tudo.

Hoje foi o dia. Gosto tanto ou tão pouco de ir ao cabeleireiro que entrei às 11 da manhã e às 11:30 já estava cá fora, com o cabelo meio molhado. E só não encharcado porque tenho preconceito com gajas de cabelo molhado na rua. Quero lá saber das repercussões desta afirmação, eu atingi uma idade em que posso dizer o que me vem à cabeça. 

Antigamente, já entrava a hiperventilar. Agora só estou um bocadinho melhor porque descobri uma cabeleireira que deve ter tido imensas cadeiras de psicologia no curso dela, e que me entende como mais nenhuma. Mas entro em transe. Chego ao balcão da entrada e nem bom dia sou capaz de proferir. Fico presa num sorriso pateta, que deve ser semelhante ao dos condenados quando se põem de pé para ouvir a sentença. Ela vem, anima-me, lembra-me que só me vai "tirar" 2 milímetros (conquista dela, dantes era só um milímetro), nunca pronuncia os verbos "cortar", ou, sequer, "aparar", tira-me o casaco, percebe que eu estou fragilizada quando, como hoje, me pediu para tirar também o cachecolinho e eu pergunto, estupidamente, "E o vestido, também tiro?", "tira-me" as pontas, usa de malabarismos para que eu nunca veja a tesoura, mal me chega o secador ao pêlo e põe-me na rua, depois de eu pagar - muito ou pouco, pago o que me pedem, só quero sair dali, mesmo - e de me dar um abracinho reconfortante, quais beijinhos secos, quais quê. E ainda me toca uma música para os meus ouvidos: "Agora pode só cá voltar daqui a muitos meses". 

É daqui a seis.

25 comentários:

  1. Como te percebo, LP.

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    1. Mas tu vais ser psi, é por isso. De resto, sou uma incompreendida.

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    2. Eu já escrevi sobre a urticária que me causa ir à cabeleireira. Deus me livre.

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    3. Eu li, sou atenta :)
      E não escrevi eu nada acerca da lavagem da cabeça, que isso dava outro post.
      Que cena dos genitais.

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    4. Eu sei que leste, mas foi só para constatar que eu sinto o mesmo que tu e compreendo-te porque, olha, cenas.E não porque vou ser psi. Achas que eu me esquecia dos posts que a minha bloggerzona favorita me comenta? No way, Jose! A lavagem da cabeça... Fico sempre lixada porque nem me deixam desfrutar com tanto paleio.

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    5. Pandinha, tu é doce.
      A mim lavam-me a cabeça e projectam-me para a quinta dimensão. É que odeio. Já houve uma que quase me deu banho, tal era a quantidade de espuma que me fez, até aos ombros.

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  2. Anónimo16/12/14

    Eu adoro ir ao cabeleireiro.Vou várias vezes por semana porque não lavo o cabelo em casa..É sou assim!!!Lá ninguém tem autorização para me tirarem um milímetro que seja do meu precioso cabelo.e,acrescento,só fazem o que eu quero e como quero.Quem paga sou eu e é,para elas,um privilégio poderem tocar na minha preciosa "monelha"!!!
    Beijinhos com amaciador (da Kerastase,de preferência)*

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    1. Somos tão opostas.
      Amaciador, mas nem vê-lo ao longe! Para ficar sedosinho, lisinho e com ar de lambido por uma vaca, nem pensar!

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    2. O amaciador resulta muito mal comigo, fico a parecer o tino de rans.

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    3. Anónimo16/12/14

      Se eu não aplicar amaciador nem os dedos lhe consigo meter dentro (nada de pensamentos indecentes)...:)
      Gosto de pessoas diferentes.Viva a diversidade!!!
      Um beijinho*

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    4. Ai que giro.
      Eu não gosto de amaciadores. Os caracóis perdem completamente a graça. Só mesmo quando acaba a praia e vem uma palha. Fora isso, quanto mais duro o cabelo, melhor.
      Beijinha, sem amaciador.

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    5. Panda, cá cinco.
      Eu fico lambida pela vaca - ou melhor, pela girafa, que tem aquela mega-língua -, ou fico com uma nuvem volátil no lugar do cabelo que é um miminho para os passarinhos fazerem seus ninhos.

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    6. Se dissesses que ficavas lambida pelo Panda é que era um problema. Ahahahahah

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    7. Não, eu ainda sou cautelosa com as palavras :D

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  3. Eu não sei o que diz o post, pois é grande como o c... (catano)
    Mas valeu a pena passar aqui para ler isto "O amaciador resulta muito mal comigo, fico a parecer o tino de rans."
    Obrigado Panda.

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    1. O que é que é grande? Perdi-me, ó ingrato.

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    2. O poste!!! Eu não vou ler isso tudo. Parece uma dissertação de mestrado.

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    3. E é!
      Vou daqui direitinha mestrar-me.

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    4. É verdade sim senhora, acontece-me. Por isso aprendi uma lição de vida valiosíssima, que é, basicamente, não usar aquela porcaria, se não corro o risco que me perguntem porque é que não uso um lenço, em vez de estar a pôr ranho no cabelo.

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    5. E aquela cena de ficar sedoso e lisinho e brilhante, comigo não dá. Ou ando com cara de despenteada (só a cara...), ou fico infeliz. Cada chalupa tem a sua.

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    6. Façam como eu: pente 2.
      O resto são tretas :P :P

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  4. :)))) estive a imaginar
    Eu até gosto de ir, desde que não tenha ninguém à frente, assim opto por ir pela hora do almoço quando normalmente não está ninguém...excepto as cabeleireiras

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    1. Lá está.
      Aquela multidão de senhoras, naquele estado de excitação, é coisa para me provocar o coma :)

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  5. Nem me digas nada. Não cortei milímetros. Cortei muito e ando numa tristeza... Vou pôr pestanas! :D

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    1. Tens que arranjar uma Ana, milimétrica, que sabe a destrinça entre centímetros e milímetros.
      Põe, se isso te anima :)
      E ficaste gira na mesma, o teu cabelão volta em breve.

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