09/12/2014

"O que aprendi com a minha mãe"

Cheguei lá e Cascais estava banhada de sol e luz, quase tão bonita como Lisboa. Vi-a sentada com um livro no colo, "O que aprendi com a minha mãe", da Helena Sacadura Cabral. Eu levava-lhe "O diário de um Banana", porque tem bonecos e letra manuscrita e coisas para rir, e eu preciso de saber que ela ri, ou, pelo menos, sorri. Pus-lho no colo, em cima do outro, que tirei para ver a capa, e disse: 
- "O que aprendi com a minha mãe"? 
Sorri-lhe. E ela sorriu-me de volta.
- Nada.
E trocámos outro sorriso.
- Não se aprende nada com as mães - desfiz-me inteira num sorriso, que ela me retribuiu com uma gargalhada. 

Com as mães não se aprende nada, a não ser minudências sentimentais que são ferramentas para o resto da vida, ou entraves para que o nosso coração possa algum dia a voltar a bombar naquele lugar que lhe pertence no peito, e não cá fora. Talvez se aprenda que nada é eterno, a não ser o amor incondicional e doloroso que de tão grande nos asfixia e cega, aquele que nós julgámos um dia sentir por alguém e não sabíamos que o outro, para sempre, para sempre, ainda estava para chegar. É capaz de se aprender que aquilo de dar a vida passa a ser uma intenção muito objectiva, é dar o rim, se for preciso, é dar o pulmão, se for o caso, é dar o coração - o músculo - em caso de necessidade. E que não é o mar bravo que nos demove de nos lançarmos a ele, porque pior do que perdermos a nossa vida, é perdermos aquelas outras que são a razão de a nossa existir. E também que é possível amar assim, da mesma forma, igualzinha, duas, três pessoas, todas as que a vida nos der. E que o ditado "mais vale mais um do que menos um" passa a ser uma equação certa e rigorosa, uma regra absoluta e sem excepção. E a conjugar em português o verbo take care of, totalmente intraduzível, mas que se passa a praticar com todas as pessoas e bichos, e plantas e coisas. E, em português, a perscrutar: pelos olhos, a alma e os sentimentos de todas as pessoas. E a nossa vida passa a ter-nos outro valor, a nossa saúde a ser-nos preciosa, a nossa integridade física quase sagrada. Nunca a frase "Tem cuidado a atravessar" dita e repetida pela nossa mãe, nos perseguiu tão recorrentemente. 

Tem cuidado a atravessar.

Saio de lá, olho para o céu e pergunto sempre mentalmente: "Onde é que estás?"

E ainda a ouço. E ainda me ouço:

JÁ CHEGA!

LAVA A CARA, SUSPIRA E CONTA-ME TUDO

AINDA LEVAS O BIBERON PARA A TROPA

PUXA O AUTOCLISMO

O QUE É QUE TE PARECE?

PENSA. DEPOIS FALAMOS

ISSO NÃO VALE UMA LÁGRIMA DAS TUAS

AGARRA-TE A MIM

DÁ-ME A MÃO

VOU, E LEVO AS MINHAS CABRAS

ESTÁ TUDO VIRADO DE PERNAS PARA O AR

VOCÊS BEBEM, OU QUÊ?

ACORDA. A VIDA REAL NÃO É ASSIM

OS MEUS DIABOS PARECEM UNS MENINOS DO CORO

EU NÃO GOSTAVA DE SER NOSSO VIZINHO

COITADOS DOS VIZINHOS

QUEM É QUE TE FEZ ASSIM TÃO BELA?

É BOM SER GIRA?

QUANTAS VEZES É QUE EU TENHO QUE CHAMAR?

FIZESSES ANTES DE SAIR DE CASA. AGORA DANÇA

O QUE HAVIA A FAZER, ESTÁ FEITO. AGORA É ESPERAR

OFENDES, INSULTAS, E SENTAS-TE À ESPERA DE MIMOS

FAZ SÓ O QUE PUDERES

USA OUTROS MODOS QUANDO FALARES COMIGO

DE QUALQUER MODO, IRIA SEMPRE ACABAR NA MÁQUINA DA ROUPA

NÃO FIQUES TRISTE

TENHO SAUDADES TUAS

SE PASSARES À FRENTE, A ÚNICA COISA QUE ACONTECE É CHEGARES ANTES AO MESMO LUGAR ONDE OS OUTROS TAMBÉM CHEGAM

EXPERIMENTA DE OUTRA MANEIRA

ERRA À VONTADE. CHEGAS LÁ NA MESMA

É A CAIR QUE SE APRENDE A ANDAR

CHORA AGORA TUDO. A INJUSTIÇA DÓI QUE SE FARTA

DÁ-LHE OUTRA

CRESCE E APARECE

MAS QUE MAL FIZ EU PARA APANHAR COM ISTO?

QUANDO CAÍRES, CHAMA

 ADORO-TE

ADORO-TE

ADORO-TE

...


10 comentários:

  1. "Cheguei lá e Cascais" ...está tudo explicado. Uma betinha de cascais... :P :P :P

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    Respostas
    1. Querias tanto... não tens sorte nenhuma :P
      É que not.

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    2. "NÃO FIQUES TRISTE

      (...)

      CRESCE E APARECE"

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    3. Não fico, não :) Já poucas coisas me ofendem.

      Eu sou grande ;)

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    4. "LAVA A CARA, SUSPIRA E CONTA-ME TUDO"

      (nota: no dia em que eu te ofender, estás autorizada a bloquear-me.
      Uma coisa é brincar, outra será ofender.
      E ser "betinha de Cascais", não sendo um elogio, não é uma ofensa. Pelo menos, não foi essa a minha intenção.)

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    5. Não quero estragar a maquilhagem e não sabes tu o tempo que levaria a contar-te o meu TUDO.

      (nota: não me parece que isso vá algum dia acontecer.
      Sabes lá, eu posso ser chata de galochas e ofender-me com tudo :D
      Mas é que não. Só que não sou "betinha de Cascais". Não leste o resto da frase "Quase tão bonita como Lisboa".
      Eu percebi tudo, don't worry :)

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    6. "PUXA O AUTOCLISMO

      (...)

      EXPERIMENTA DE OUTRA MANEIRA"

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    7. Não vais dizer

      ADORO-TE
      ADORO-TE
      ADORO-TE,

      POIS NÃO? :P

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    8. "JÁ CHEGA!

      (...)

      É A CAIR QUE SE APRENDE A ANDAR" :p

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    9. Concordo :P

      Concordo. Fui eu que disse isso? Ah, não, é um ditado popular.

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