14/11/2015

rage

Há três semanas, mal contadas, porque podem ser dezoito anos, que tenho a trabalhar para mim uma pessoa que se encontra amuada. Entra de má vontade, suspira ou murmura num jacto monossilábico qualquer coisa que se assemelhe a um bom dia, Bom dia!, uma pedrada, que, traduzida, equivale a mau dia, estou contrariada, não quero estar aqui, ninguém me pergunta o que é que eu tenho, cambada de insensíveis, a vida é uma merda, olhem para mim.
E eu não olho. A autocomiseração, ainda para mais se vier revestida de agressividade e show off, cria-me uma repelência que opera em mim o efeito contrário. Ando a tentar poder com os males dos outros, ciente de que ninguém pode com os meus. Preciso de me proteger, a qualquer custo, de quem me sugue energias das quais necessito para atender ao essencial. Isso não me isola, antes me obriga a uma triagem do que verdadeiramente importa.
Esta pessoa assistiu à primeira infância de duas crianças e ao nascimento de outras duas. Jamais lhes fez uma festa ou sequer lhes ofereceu uma intenção dela, pelos anos, ou pelo Natal. E recebeu sempre. Ela e os filhos.
Esta pessoa tem uma filha, exactamente da mesma idade de uma dessas crianças. Agora que são mulheres, emergiram todas as distâncias que as separam desde sempre, não só pela (inegável) questão financeira, que é também cultural e educacional, ou seja, tudo aquilo de quem ninguém — eu incluída — tem culpa.
~
O que me aterroriza não é a raiva ruidosa, o protesto verbalizado, a revolta pelas palavras, mesmo que apenas escritas.
A verdadeira ameaça está na raiva surda, no fel, no ódio alimentado e regado, silencioso e tenebroso, corrosivo, irracional — porque sem razão nem motivo, mas com motivação —, o mesmo que, um dia, acorda, gigante, indomável e implacável. 

4 comentários:

  1. Horrível !
    Não entendo tanta pachorra !
    Comigo é sempre "cara alegre ",e boa disposição .
    E essa postura perante os teus filhos ...
    Como aguentas ?
    Corda nos sapatos e toca a andar...comigo era certinho.
    LB -transportas os teus problemas para o teu serviço ?
    Serviço é serviço...estou a ver que és muito molinha !
    Ora esta !

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu aguento tudo. Sou das pessoas mais valentes, em termos de paciência, que conheço. Devo ter sido chinesa noutra encarnação.
      Agora faz 18 anos vezes o ordenado dela (seja ele qual for), e depois conversamos.
      Sou lá agora molinha, hom'essa.

      Eliminar
  2. Penso já teres feito referência a esse duo - melga + filha ( post verão ),antes da melga ir de vacances e ficares tu a alhinhar.
    Acho eu .

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A sua Tatiana, um modelo de virtudes, a começar na preguiça e a acabar na falta de educação.

      Eliminar