16/11/2015

Démarches

Saio do elevador em direcção ao parque de estacionamento e, no chão, vejo um porta-moedas. Preto, mole, pequeno, sinto-o cheio de moedas. Apanho-o,  parece que me queima as mãos — o normal seria abri-lo e verificar se, pelo menos, não teria uma indicação quanto ao dono. Levo-o ao balcão de informações, com a intenção de deixar o meu contacto. Pouso-o, e, já com testemunhas, abro-o, finalmente, e verifico que só tem dentro, só em moedas, só 13 euros. Explico onde o perdi, digo que venho para deixar o meu contacto, e é quando começo a sentir-me desonesta, porque não tenciono deixar o porta-moedas e a funcionária do balcão não está de acordo com a minha ideia. Diz que faz o registo da entrada do porta-moedas e que, se a pessoa aparecer, faz a entrega. Eu digo que não, que deixo o meu número de telemóvel, e que, se o dono aparecer, me liga a mim, e entrego-lho eu. Ela olha-me de lado e pergunta, "A senhora é que vai ficar com o porta-moedas?", e eu respondo que sim, uma vez que fui eu que o encontrei. Ela insiste que, assim, se a pessoa aparecer, não vai encontrar o porta-moedas, e eu teimo na minha, que sim, que basta ligar-me. E pergunto: "Então, e se não aparecer?", mas ela não me sabe responder a esta grande charada. 
Então, sugere que eu vá à esquadra da polícia deixá-lo, e eu ai que não, já que o encontrei no estacionamento do edifício em cujo balcão de perdidos e achados ela trabalha. Ela espeta as sobrancelhas no ar, a rasar perigosamente a raiz do cabelo, saca de um bloquinho de apontamentos que tem a chancela de um produto de limpeza (uma oferta, portanto), e pede-me o nome e o contacto. Debito, e rodo os calcanhares, mas ela ainda quer saber: "Mas não deixa aqui o porta-moedas?" — que não, pela enésima vez, que quem o encontrou fui eu, e é de mim que o dono vai recebê-lo. — E o resto da lógica não lhe explico, mas, se ele nunca aparecer, o raio da porcaria das moedas pertencem-me. 
Já percebi que ela conseguiu fazer o raciocínio contrário, que é o da possibilidade — mais que plausível — de o dono nunca aparecer, e o porta-moedas ficar no balcão. 
E afasto-me, desejando que a pessoa apareça, ou que os 13 euros não lhe façam diferença, sentindo-me julgada e condenada pelo sobrolho da mulher, cara de culpada, andar de desonesta.

11 comentários:

  1. Anónimo16/11/15

    Bem, não sei porquê desonesta! Já fizeste mais do que a maioria...

    ...quanto à empregado, creio que o olhar dela foi mais por ver o porta moedas a ir-se embora do que por não te achar muito honesta...

    LOOOOOOOL

    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, mas, pelo questionário a que a senhora me sujeitou, fiquei mesmo desconfiada que ela desconfiava de mim...
      Então, se o dono não aparecer, a quem é que pertence o dinheiro? Artigo 1323.º do Código Civil :)

      Eliminar
    2. Anónimo16/11/15

      13 euros davam grande jeito.Posso telefonar?
      Filipe coiso...

      Eliminar
    3. Eu faria exactamente o mesmo que tu, visto que uma vez achei uns óculos escuros num supermercado, entreguei-os no balcão de informação. Por ironia do destino, soube quem os tinha perdido e no balcão alegaram que nunca lá foi entregue alguma coisa. A partir desse dia, se for coisa de muito valor entrego na PSP, se não, fica comigo deixando apenas a informação tal como tu fizeste. Não tens que te sentir mal, afinal achado não é roubado... e não foi ela quem achou!

      Eliminar
    4. Anónimo Filipe: claro. Eu entrego o porta-moedas à melhor descrição dele.

      Be: ainda mais em se tratando de dinheiro que, como diz o povo, "não tem lá escrito a quem pertence".

      Eliminar
  2. Querida Linda Blue,
    É sempre maior a tristeza (e o transtorno) de quem perde do que a alegria de quem encontra. Espero que o dono apareça e lhe dê o merecido prémio.
    Um beijo,
    Outro Ente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querido Outro Ente,
      Sabe o que me custa mais nesta questão toda? É que aquilo é, evidentemente, o porta-moedas de um miúdo. Podem ser semanadas juntas, pode ser um mealheiro. E também a certeza de que ele não vai aparecer. A mim bastar-me-ia uma cara alegre como prémio.
      Um beijo para si,
      Linda Blue.

      Eliminar
  3. Muito bem !
    Eu teria feito exactamente o mesmo.
    Talvez tivesse dito à funcionária que tinha " muito dinheiro " para entregar assim no balcão...
    Só para a "partir "... mas isto já é do meu feitio.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nem me lembrei :)
      E ela ia ficar a achar-me ainda mais desonesta...

      Eliminar
  4. perdidoseachados.mai.gov.pt

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nesse serviço deve estar trancada a cadeado toda a nossa esperança.(Ai, que eu hoje acordei assim)

      Eliminar