16/04/2016

Avós

Lembro-me de ter ouvido à minha mãe que teve um colega, na faculdade, um senhor mais velho, talvez uns dez anos, que havia iniciado o curso mais tarde na sua vida, e que lhe chamava a ela avozinha. Não porque tivesse aparência de mais idade do que a que tinha — vinte e tais , mas por ser assim tão pequenina, tão certinha, tão formal, tão ajuizada. Segundo ele (e já naquele tempo, acrescento eu), só uma avozinha seria assim. 

Os irmãos, que distam dela poucos pares de anos, chamam-lhe a avó  por ser assim tão pequenina, tão direitinha, tão rigorosa, tão cultivada. Sendo a mais velha de todos, a ela poderia caber o papel da "mamã dos outros", mas não foi esse que lhe destinaram: é a avozinha.
E eu vejo a minha mãe, tantas e tantas vezes.

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O meu pai sentava-se ao estirador, onde pousavam papeis e mais papeis, alinhados, uma máquina de calcular, um portátil a preto e branco, uma caneta na mão, ou um lápis, e ali navegava já, no mar dos números lá dele, mesmo sem internet, que ainda não tinha chegado a este pontinho do globo. De vez em quando, assobiava uma música inteira, e então sabíamos que os cálculos lhe estavam a correr bem.

Vou dar com ele sentado, concentrado, agarrado aos exercícios de Matemática. Visto assim, faz-me lembrar uma estampa que existia lá em casa, feita de papel de lustro recortado por um caricaturista cheio de arte, representando o meu pai de perfil, sentado ao estirador. 
De repente, por um motivo que eu intimamente sei qual é, ouço-o começar a assobiar uma música, por entre o mar dos números lá dele.

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