29/08/2015

Patife querido

Acontece-nos, muitas vezes, ficarmos sozinhos — ele, porque é o único rapaz, eu, porque sou eu. Temos um tempo só nosso e aproveitamo-lo inteiro. Vamos dar uma volta pelo bairro, comer um gelado, falar, ou nada, que de pouco ou desse nada precisamos para sermos inteiramente felizes aos bocados. Ele leva um pacote de amendoins com chocolate — estamos tão viciados em amendoins, somos tão primatas — e come pelo caminho. Penso que o povo diz que comer na rua atrasa o casamento e isso parece-me cómico. Ele estende-me um castanho, da cor dos olhos dele, e pergunta:
- Queres um?
Dá-me aquele, e depois outro, castanho também. 
Dois olhos lindos.
Tira um azul e dá-mo, como se me entregasse um tesouro, que ele sabe que para mim é.
- Toma o azul.
O azul sabe-me a azul, e pegamos esta com outra conversa, encerejados. 
Há uma fronha da predilecção dele. É melhor do que as outras, mais macia, mais velha, mais surrada.
- Se algum dia ma deitasses fora, eu partia tudo e depois arranjava outra.
E diz aquilo com os olhos a sorrirem para os meus.
- Outra quê? Outra fronha, ou outra mãe?
Entrega-me o sorriso todo e diz:
- Ambas.
Patife, querido patife.


2 comentários:

  1. O azul é sempre especial, nunca percebi porquê. É sempre o maior, o mais bonito, o que pinta mais a lingua... É o que se deixa para o fim, por saber melhor. É o que se guarda para os amigos, por ser mais raro e especial. Como eles (os amigos, naturalmente).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por qualquer motivo, que pode ter a ver com o corante, os azuis são mais saborosos do que os outros. São os que se guardam para o fim, como bem dizes.
      Há muitos anos, guardava os azuis todos para uma menina que tu conheces, e ela só comia os azuis :)

      Eliminar