16/08/2015

Anda-me a doer ser avó de mim mesma

Tinha tantas saudades, duas semanas sem a ver são mais do que os dois anos, que eu contei três, em que não nos vimos, daquela vez que quis o destino e foi tão trágico, como são todos os destinos que correm mal e se percorrem por curvas fatais. Não esperava um reencontro emotivo, mas esperava-o, sim, que até febre levava comigo, de transbordante que fico quando saudo. Eu saudo das pessoas, que é um estado de alma e também orgânico em que fico quando as tenho longe de mim, mas não é bem só sentir saudades ou ter saudades, é uma afecção quase doença. Por isso, posso afirmar que saudei da minha mãe. Acho que ela não de mim, porque os dias são todos iguais para quem fica, quanto mais para quem fica ali, mas emocionei-me na mesma, já que sou a única pessoa que se emociona num raio de trezentos metros, trezentas vezes, se for preciso, que raio. Levei-lhe dois bolinhos pequenos e coloridos, para lhe dar uma alegria, e só dois, para não lhe estragar a refeição seguinte. Peguei-lhe com cuidado, segurei-a pelos braços e guiei-lhe os passos pequeninos até perto da luz e longe das vozes, para podermos gozar-nos em pleno e a sós. Ficamos sós, numa solidão que só o meu egoísmo e patologia de tanto ter saudado a solo podem explicar de boa que foi, mas que, para ela, foi indiferente, ou igual a estarmos rodeadas de um estádio de futebol em dia de dérbi. Dei-lhe os bolinhos, tratei-lhe das unhas, limpei-lhe as mãos, assoei-a, colhi-lhe uma lágrima, ralhei baixinho quando ia dando cabo de uma unha acabada de pintar, sacudi-lhe a roupa, demos beijinhos, disse-lhe que tive saudades. Perguntou-me, em resposta, pela outra filha.
Ser mãe da minha mãe, faz de mim avó de mim mesma. E eu estou muito nova e também demasiado velha, para ser avó de alguém tão velho e neta de alguém tão novo.


6 comentários:

  1. Acho mosntruosas as pessoas que abandonam os pais, as que seguem a vida e esquecem quem as pôs no mundo, as educou, acarinhou, amou. Fico triste por saber que vai ser preciso implementar uma lei para punir quem abandone um idoso.
    Li um texto escrito com alma e de coração de quem ama e muito. Obrigada
    Um beijinho para a tua mãe

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    1. Já não contando com os casos de violência, que essa, então, transcende-me completamente. São ocasiões em que eu preferia ter nascido outro animal qualquer.
      E sim, é um amor sem fim.
      Eu é que agradeço, Carla.
      Será entregue. Um beijinho para ti :)

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  2. Nunca tinha pensado em mim dessa maneira. Normalmente perguntam-me se sou a neta e fico super ofendida porque, diabos, claro que não!, não se vê logo? Fico sempre à espera que consigam ver através de mim e percebam o mar de cuidados em que ando constantemente e me vejam os cabelos brancos da alma (porque os outros ainda não tenho); que percebam que não é ela que é muito velha nem eu que sou muito nova. Mas não. Acabam sempre por ver apenas a eterna distância entre nós. Distância que na verdade nunca existirá, porque chegámos ao ponto em que somos uma só.

    (ó para mim a escrever bonito em blog alheio)

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    1. Também eu, estou sistematicamente a ouvir a pergunta "É a neta?". Já me apetece responder "Não, sou a mãe". Estamos rodeadas de pessoas que não sabem ver.

      (Foi tão, mas tão bonito o que escreveste, Ana. Copia e cola no teu blog, ou onde achares melhor. Na alma já está, com certeza)

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  3. Um beijo embrulhado num abraço.

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    1. Tão bons, esses assim. Sabem a bolinhos coloridos do Algarve. Obrigada, querida. Recebido e quero retribuí-lo.

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