11/05/2015

Quem me tira este sol todo?

Vou encontrar a sala ao rubro. Sem cor, nem movimentação, nem inquietação, mas levo eu uma força anímica que se contagia, indelével, contaminando o ambiente. O vagar com que vivem não se compadece com a minha pressa, tornada euforia trágica, de quem sabe e sente que já não dá tudo por tudo, de si, nem se entrega inteira por não estar ali de todo, toda. Impulsiona-me um sangue que me expulsa dali, a correr, ingrata, injusta, justamente eu, que ali estou pelo sangue que é meu sangue e me pede ali sem reservas nem condições. Mas sou pressa de chegar, sou pressa de partir, e ânsia de partir tudo e mais eu, de tão partida que estou, ao meio agora, em mil bocados não tarda. Falo, gesticulo, exprimo-me, expresso-me e espremo-me, sumarenta — descobri há muito pouco este adjectivo, que me qualifica tão impiedosamente: sumarenta — e, egoísta, preciso de a ver rir, quero gargalhadas suas, que conheço sem pouco ter visto quando deveras tinha graça — pois se fui um bebé tão bonito e vistoso, uma menina tão viva e cómica, uma rapariguinha tão viçosa e agradável, e, no entanto... —, agora que a minha resplandecência se esvai e o nosso brilho síncrono se esbate, torna-se urgente e fatal que nos riamos juntas, nem que, desta vez, seja eu quem não encontra apetite. 

Afogadas que nos afundo, em gargalhadas que não encontro no fundo, e grita a que faz cem anos qualquer dia,

Quem me tira este sol todo?

O sol bate-lhe com um fulgor que ela já não reclama, reclamando, sombria. Baixo-lhe a persiana, ela agarra-me na mão e beija, beija, mais uma, dá três, Deus lhe pague.

E a mim, quem me tira este sol todo, com quase cem anos desta solidão?


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