26/05/2015

Isto é só um supÔnhamos

Suponhamos que a pessoa chega à praia, arma a tenda — estou a tornar-me uma beach-bitch do espeta-espeta, naquela cena de espetar o parafuso na areia, para depois lhe espetar o guarda-sol e o vento não mo levar embora para outras margens, qual pássaro do sul —, estende a toalha o melhor que sabe e pode, que a mais não é obrigada, e deita-se, a equacionar quantas vezes ainda vai lavar -se antes de almoçar, tirando os azimutes à rebentação, fixando algum calor encorajador ao nível da axila, imaginando quantos segundos, de dez para baixo, conseguirá levar até se submergir no degelo, e etecetera.
É importante frisar, alisando a descrição, que se encontra acompanhada por uma jovem que lhe é extremamente cara, não só porque não lhe tem ficado nada em conta a sua educação, como também, e essencialmente, porque as une o amor.

Eis senão quando, ainda em decúbito ventral, se apercebe que, na sua diagonal esquerda, se encontra um manganão, quase despido, que as fotografa, munido de telemóvel. Como se não bastasse a sua suspeita, vai a jovem e — assim, a seco —, confirma-a.

É quando se lhe alevanta e arrebita a perspectiva única, que é: ergo-me daqui, acerco-me do animal e confronto-o, verbal ou fisicamente. 
Tem que se ter em linha de conta que a praia se encontra sem vigilância, logo, não existe uma autoridade presente, quanto mais não seja para arrefinfar umas quantas bastonadas no lombo dos banhistas (e que até lhe poderiam calhar a si à sorte). E também que, embora ele igualmente, se encontra em trajes menores. Mais menores do que isso, é noves fora. E ter que fazer um ar compungido, caso cometa uma injustiça e haja lugar a pedido de desculpas, estando em cuecas e soutien — sejamos sinceros —, coloca qualquer um numa dupla desvantagem. Socialmente, é desnudante.
E engrandecem-se vários cenários diante do belo olhar da pessoa, o mesmo que se encontra a borbulhar de expectativa, é certo, mas de cólera também:

1. Afinal, o gibo só vê mal e estava a tentar ler um sms — há que pedir perdão, diante da plateia que logo se organiza nestas circunstâncias: a praia potencia o fervilhanço dos ânimos. Após a montagem da barraca, torna-se muito simples que outras barracas se armem, qual acampamento gaulês; 
2. O coiso parte para a ignorância e desata na adjectivação desqualificativa, que é a reacção mais comum de quem é apanhado de calças na mão (não literalmente, neste caso): enquanto o interlocutor se ocupa com defender-se da pejoração, desocupa-se do assunto que ali o leva. Essa hipótese abre-lhe, então, no espírito, duas sub-hipóteses: 
     a) Ele dirige-lhe os epítetos — esta é a altura certa para demonstrar o quão bem sedimentado ficou o doutoramento em bon chic-bon genre que os pais lhe patrocinaram, apesar de ter, sistemática e irremediavelmente, chumbado numa cadeira do 1.º ano, Jamais perder a compostura, e ignora o adversário, após transmissão de breve lição de moral e ligeira angariação de seguidores para a causa (há sempre umas vozes concordantes nestas manifestações públicas que, apesar de não servirem para nada, sempre dão à pessoa oportunidade de menear a cabecita daquela forma amorosa que só ela é capaz de fazer);
     b) Ele dirige os epítetos, não ao seu ventre, mas pior: ao produto do seu ventre — é este o instante decisivo em que a pessoa revela ao mundo a besta quadrada, cheia de curvas redondas, que a habita, não só o espírito, mas também o corpo todo, desde as unhas lá de baixo (pintadas de encarnado sangue) até às pontas cá de cima (encaracoladas de vida), diante da possibilidade, por remota que ela seja, de alguém ousar proferir desaforo à sua obra criativa. E saltar à unhada e à dentada sobre um boi suado, embora não se apresente como a hipótese mais higiénica, será, certamente, a única que a cegueira lhe permitirá. 

Epílogo: 
Quando a namorada do tarado veio do mar e se sentou ao lado dele, fotografei-os aos dois. Amor com amor se paga.

Não me ponham a pensar no que é que ele pode fazer com as fotos que tirou. A sério. Eu borbulho de cólera em três segundos, e sou uma pessoa frágil do coração.

2 comentários:

  1. Teoricamente quando estás em publico podes ser fotografada. O que não pode acontecer é a tua foto ser usada para mais nada que o "consumo" privado :P

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    1. Fico muito mais descansada por saber que ele pode mandar fazer um baralho de cartas com anciãs suculentas, desde que eu seja a rainha de copas ♥
      :P

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