22/05/2016

Sou tão volúvel


Incitada pelo professor de dança, que já havia insistido — duas vezes, no espaço de duas semanas, já se pode considerar insistência, não já? Eu acho que sim, se atendermos ao facto de que foi 100 % das vezes que me viu —, e embora soubesse que a aula não ia ser dada por ele, hoje fi-la. 
Ontem tinha saído zangada com o ginásio, e decidida a abandoná-lo de vez. Isto deve ter alguma relação com a minha excelsa mania de estar sempre a ir embora e nunca desamparar a loja. A primeira vez que fugi de casa era tão pequena que não chegava ao botão para chamar o elevador, nem em bicos dos pés e de braço muito esticadinho. E nem me ocorreu ir pelas escadas. Também ando para mudar de ginásio há que semanas, mas não passo das ameaças agarrem-me-senão-desgraço-me. Ontem, a sala de treino cheirava a suor em pasta e em barra, e a alguns locais do corpo humano que eu gostava de não ter que sentir o aroma. Tudo somado à perseguição de gato e rato (eu, no papel do rato, e chiu, que isto não é uma piada ordinária) que o Senhor da Mercearia empreende, os olhares à matador que o outro das blusinhas justas faz para tudo o que mexe (e, convenhamos, numa sala de treino, quase tudo mexe) e os jovens tatuados da camisola de alças e modo de eu-sou-desinibido-e-despreconceituoso-e-tudo-o-que-tu-quiseres-baby-princesa, ontem foi o pináculo sem pino (apenas o áculo, portanto), e saí de lá mesmo determinada a não voltar. 
No entanto, porque sou quase um invertebrado no que ao exercício físico diz respeito, quanto mais às minhas próprias decisões, hoje icei-me do leito e pensei, em americano, de mim para comigo, Do you wanna dance?, e então lá fui. 
Entrei a querer fazer a aula, mas a desejar que já não houvesse senha. Tirei a senha, dobrei a esquina para o balneário e decidi que, afinal, não ia. 
Meti as coisas no cacifo, dei ouvidos a uma voz das que me falam ao coração e à vontade de dar saltinhos, e decidi que, afinal, ia.
Tem piada. 
Foi da parte da aula em que dançámos Afro que gostei mais. Atribuí isso ao facto de ter nascido com a mancha mongólica que, de alguma maneira, ainda estará subcutânea e, por isso, subconsciente. E senti, por uma vez, senão na vida, pelo menos, naquele ginásio, que tinha entrado pela porta certa.
Já não me vou embora, afinal.


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