24/05/2016

Há um dia na tua vida

em que a máquina do multibronco te engole o cartão, qual iguaria, quase a ouves a mastigá-lo e até arrotar no fim, pois que te dá um papelote a dizer cartão expirado, logo a seguir à imagem de falso descontentamento e cumplicidade do boneco, de ombros encolhidos e beiças penduradas, ai, que pena, cartão expirado. Então, vais ao banco dar conta do sucedido, pedes compreensão, alento e, principalmente, um cartão novo. Lá, esclarecem-te que já te mandaram esse cartão em Fevereiro, novinho de dar gosto, e com uma validade correspondente aos dias que correm. E que o deves ter em casa. E estamos em Maio, não tarda em Junho, fazes tu assim, muito rápido, de cabeça. Mas que não, mas que não, não recebeste nada. Pelo sim, pelos sins todos, procuras na mala, dizendo, Só um momento, vou vasculhar no lixo, já volto. Não achando, reflectes mas vá que não verbalizas, Ah, já sei, deve estar na mesa da entrada, lá em casa, que também tem entulho até ao tecto. Já em casa, fazes uma busca-bobi, escalando a torre de Babel de envelopes que estão por abrir, e amaldiçoas a tua vida e essa mania kafkiana de, meticulosamente, promoveres a anarquia na tua papelada. Não encontras nenhum descaracterizado, atentas as palavras do senhor do banco, e então voltas a mergulhar na mala, desta vez num pino perfeito, com triplo mortal encarpado à retaguarda. No fundo, tanto da mala como de ti, sabias que era lá que o ias encontrar: colado ao forro, desde Fevereiro, jazia tranquilo, só à espera do beijo despertador, o envelope com o cartão novo, novinho em plástico. 
(Passou de mala para mala, porque, coerente com a tua teoria do caos, repleta de borboletas, cada vez que mudas de mala, transportas todo o lixo — todo — de uma para a outra.)

6 comentários:

  1. Tal e qual! Sem tão bem o que isso é...

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    1. Eu estou convencida que nós conseguimos construir uma casa, ou uma embarcação, com tudo o que transportamos nas nossas malas :)

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  2. Pior do que quando engole o cartão, é quando engole o dinheiro! ;) acredita em mim!

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    1. Isso é por razões de segurança, quando se leva muito tempo a retirá-lo da ranhura. Deve ser cá um galo...
      :)

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  3. Essa das malas atafulhadas é tão, mas tão gaja. It suits you.

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    1. Completamente. Para evitar o inevitável desvio no ombro, até revezo a mala entre o esquerdo e o direito, tamanho é o peso que carrego sobre os ombros :)

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