08/05/2016

Julieta e Romeu (aquilo de as senhoras primeiro)

Queria chorar um mar inteiro, por nada de especial, mas porque sou tão portuguesa, tão fadeira, o dia esteve tão choroso e chorão, e eu tão fotossintética, tão sintética em tudo, menos na escrita, de tão prolixa, urgia-me assim uma boa choradeira para a noite. Ia para ver Romeu e Julieta, que melhor carnificina para me pôr qual menino do quadro, mais a queda da lágrima fácil?
Eu não sei viver em sociedade, e essa conclusão, por si só, devia ser bastante para me pôr a berrar em modo carpideira, mas é que não. Sentados à minha frente, um casal de meia idade (para aí a minha, mas em mais velho), ele num xitex com o smart novo, tirou os óculos para ficar mais giro (e daqui a três anos se autoconvencer de que três anos antes ainda não usava óculos), e pôs-se a tirar selfies onde muito bem enquadrou, por diversas vezes, ele, a mulher e... eu. Eu, lá no meio dos dois, parecíamos o triângulo das Bermudas, em que eu era a Bermuda, ou assim. Tive o cuidado de lhe esmerdar as fotos todas, porque já desisti há canos de ser sempre a boazinha de todas as sits, e então pus-me de olhos fechados numa, fiz o sorriso Monalisa noutra (sem lábios), fiquei de cabeça virada para trás noutra (aprendi em A morte fica-vos tão bem), 


e noutra com a cara da pata morta. (Inventei eu, quando era adolescente, e tem sido um sucesso ao longo da minha vida, mas agora tem uma variante juvenil muito em voga, chamada duck face, nem mais. Devia ter registado a patente.) 
Também tive um dos meus ataques de pernas inquietas, ou não tivesse a mania que posso ir às coisas como as pessoas crescidas. (Já uma vez passei por tarada sexual num cinema, porque estive a sessão toda a mexer as pernas de um lado para o outro, e deu para perceber que o senhor que calhou ao meu lado estava, se não incomodado, pelo menos entre o perplexo e o assustado. Vacilante, portanto.) Vá que, desta vez, não tinha ninguém do meu lado direito, pelo que deu para sapatear sem receio de julgamentos sociais precipitados.
Por acaso, achava que ia ver ballet, uma vez que o espectáculo era da Companhia Nacional de Bailado, mas não fui. Ainda por cima, como ia com a minha prima bailarina — que não é minha prima, mas é minha parente na mesma e fui eu que fiz —, mais me convenci, mas ela elucidou-me logo ao início, antes que eu fizesse birra:
- Não vais ver tutus nem pontas.
Está bem. 
Era um bailado com teatralização, que só porque respondia pelo título Romeu e Julieta é que deu para perceber que era a peça do William. Os dois protagonistas davam-se malíssimo, discutiam horrores e mandaram-se mesmo, ali uma ocasião, lá para o outro lado. Não penseis com isto que o espectáculo não vale o bilhete, porque CNB é sempre aquele assombro de boa dança, ritmo e coordenação que tomara o ballet russo — e não estou a exagerar. E não é lá porque não percebi muito bem em que momento é que o Romeu e a Julieta morreram (morreram?) que não gostei do que vi. 
Não deitei uma lágrima, é certo. Mas também não me ri nem um tiquinho, o que faz de mim uma pessoa quase adulta.


2 comentários:

  1. Cada uma no seu estilo, muito próprio, gostei de saber deste novo - forma de olhar - "Romeu e Julieta".
    Olha que belo serão para uma noite outono/inverno como a de ontem! :)

    Espreita aqui, Linda

    http://nascernapraia.blogspot.pt/

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    1. Que maravilha, Té. Foi isto mesmo. O espectáculo é um espectáculo :)
      Adorei. Mesmo. A dança da nossa Companhia é sempre perfeita.

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