São 84 tão bem lançados, e, agora que penso nisso, acho que nunca fui disléxica. Cá bacalhau às meninas, abraço apertado aos meninos. Para todos, aqui fica a minha Casa dos Segredos, ou tudo aquilo que eu poderia levar lá para dentro e fazer de mim um mega sucesso de nível cósmico. Eu disse cósmico. Com S. Assim, como não me querem lá, ponho nos vossos ombros a responsabilidade de acartarem comigo e minhas confissões mais íntimas. Só hoje, que eu sou uma babe. O resto do ano, vou continuar a ser aquela antipática convencida, que não levanta o véu nem para beijar o noivo.
Eu já...
* alimentei um gatinho a biberon (de noite, também - duas, três da manhã, cinco da manhã, quando tem fome. E são muitas vezes) * cortei as unhas aos meus passarinhos e às minhas gatas (com corta-unhas) * parti a cabeça vezes sem conta, a última das quais já adulta (contra um sinal de trânsito - a andar no passeio. Não percebo como é que ainda articulo duas palavras seguidas sem me babar entre elas) * fiz festas para 30 (em casa, em que não cozinhei, e acabei o dia morta de cansaço) * cozinhei para 10 (e acabei a noite feliz e tranquila) * parti um braço (e fiquei feliz por me porem um gesso) * me atirei para uma piscina para salvar uma pessoa e íamos morrendo as duas (o pânico dela fê-la agarrar-me o pescoço - nunca bebi tanta água) * tive um acidente de carro (metida num Lancia Y 10, em que fiquei a dois dedos de testa de esborrachar a minha debaixo de uma DAF de 18 toneladas - e saí ilesa) * dei sangue (muito - quase meio litro de cada vez. Muitas vezes) * fechei os meus pais no quarto, à chave, e não abri nem passei a chave por baixo da porta (a ideia não foi minha, fui só cúmplice; a outra era pior do que eu) * fiz o funeral a um passarinho caído no passeio * fui operada vezes sem conta (e sou talvez a pessoa mais saudável que conheço - precisava de arranjo, todo o avião avaria) * fui abandonada e abandonei * não tenho nenhum dente do siso (chiu. Os outros 28 estão cá todos) * desisti (descrédito ao ditado Água mole em pedra dura... - não é verdade, a p. da pedra é dura e pronto, estúpido é quem Dá murros em pontas de facas) * tirei três pessoas do mar, duas de uma só vez (mas não conta para salvar uma vida - eram vidas que, se o mar mas levasse, teria que me engolir a mim também) * tive medo de seringas e passou-me; tive medo do quarto escuro e bati no homem que me fechou lá dentro; tive medo da doença numa pessoa querida e tratei de a tratar; tive medo de saltar de um mega-escorrega num aquaparque e atirei-me; tive medo da montanha russa e meti-me lá dentro * estive tão perto da morte que a febre me deu para dançar na sala de cirurgia, à volta da mesa de operações, "Estou tão bonita, tão bonita..." (vestiram-me uma bata linda e que me ficava a matar, o que é que esperavam?) * fui primeira namorada * fui primeiro beijo * fui primeiro amor * fui primeira morada, alimento, colo e abraços para sempre de uma multidão * menti descaradamente; menti subrepticiamente; menti sem querer * chorei no aeroporto * chorei por não estar no aeroporto * ri até perder o oxigénio todo na cabeça e quase perder os sentidos * ri até deixar de sentir as bochechas e até me doer a barriga e o peito * desmaiei nos braços de um médico giro * fiz uma pessoa desmaiar (por lhe ter rebentado uma borbulha) * ouvi piropos bonitos ("Abençoada a mãe que teve esta filha"), ciganos ("Levavas cá uma nalgada"), porcos (passo, vocês sabem. Os verbos fazer e meter conjugados no presente do indicativo e no pretérito imperfeito), confusos ("Que par!" - de...?), africanos ("Dá uma chance!"), idiotas ("Oi, garota, você é real?"), mais idiotas ainda ("Não é da televisão que a conheço?"), médicos ("Portou-se como nem muitos homens que aqui me aparecem"), e interesseiros ("Quer me conhecer melhor?" - à porta do arquivo de identificação, africano desesperado pela aquisição da nacionalidade) * chumbei, fui despedida, fui encornada, fui descartada, fui subestimada, fui insultada, fui mal interpretada, fui humilhada (mas caguei, mais tarde ou mais cedo) * caguei, literalmente, no Casino de Vilamoura (nem precisei de me sentar - estava num apartamento que tinha a sanita entupida há três dias. Façam a experiência) * fiz chichi em pé, para perceber por que é que não dava (e molhei os soquetes e os sapatos) * bordei, fiz cortinados, fiz fatos de Carnaval, fiz casaquinhos de bebé, fiz o melhor almoço de Natal da minha vida * tive vontade de mandar tudo à merda * mandei tudo à merda * voltei atrás * bati com a porta da minha casa (literalmente) * gritei com uma pessoa dentro da casa dela (não batesse no miúdo daquela maneira, à minha frente) * espreitei a uma porta (e vi o que não queria ver) * andei de bicicleta sem travões, ravina abaixo, a velocidade descontrolada, e continuei a pedalar * me atirei para um pântano e enchi-me de lama até ao pescoço * corri na rua, só de cuecas * fumei cigarros atrás de cigarros até ao dia em que me fartei (e nunca mais, há 19 anos) * apanhei uma bezana tão grande que me deitei na cama a ver o quarto a girar (e chamei o gregório) * fui atacada por um tarado (duas vezes - não era o mesmo tarado, nem foi no mesmo lugar. E perdi a valentia, das duas vezes) * tirei o soutien a conduzir (as guidas pedem liberdade e eu dou-lha) * fui estúpida, bruta, despropositada, excessiva, injusta * pedi desculpas sinceramente; pedi desculpas só para não ter que me chatear * perdi dinheiro, perdi coisas boas, perdi oportunidades, perdi boas oportunidades para ficar calada * perdi a vergonha de pedir trabalho (sobretudo quando é para os outros) * perdi uma pessoa querida e achei que morria de desgosto no dia seguinte * perdi uma criança e achei que morria de tristeza no próprio momento * perdi a cabeça * morri de amores * me apaixonei estupidamente (pela pessoa errada, pela pessoa improvável, pela pessoa impossível) * chorei de prazer * amei sem ser amada (e isso dói mais que um corno espetado no cú - mas é bom, ao contrário do corno espetado no... pá, porque cresces, ´tás a ver?) * fiz danças latinas e africanas * cantei num palco * dancei num palco * dancei kuduro em público (com mais 50 pessoas, em flash mob - todos certinhos, sem ensaio, nem termos combinado. Foi tão bonito) * ganhei um 5 no Totoloto e 4 números no Euromilhões (mas quero os 5 + 2) * insultei um homem no meio da rua, cara-a-cara com ele (ninguém o mandou tratar mal uma senhora à minha frente) * tive um pesadelo recorrente (que durou anos e anos, e que resolvi... realizando-o) * tive vergonha de pertencer à raça humana (de todas as vezes que estudo a História dos últimos cem anos e de cada vez que abro o Correio da Manhã) * fui vaca noutra encarnação (só isso explica a quantidade de vegetais que ingiro por dia - à mesa, pasto. Quem partilha uma refeição comigo, apascenta - mas não acredito na reencarnação) * fui sonâmbula (toda a infância - e não gostei. Mas também nunca me atirei de uma janela) * pedi aos céus com tanto fervor que adormeci de joelhos, de cabeça e braços pousados na cama * sonhei com uma coisa que aconteceu mesmo, logo na manhã seguinte (mas não acredito em premonições - coincidiu) * quis morrer no abraço de uma pessoa * dancei a valsa em cima dos pés do meu pai * entrei na igreja vestida de branco (duas vezes - espero que não haja terceira) * cortei o meu próprio cabelo, até fazer peladas (e não, não estava deprimida nem alienada - estava farta de um penteado ridículo e tinha 4 anos. E apanhei a sova da minha vida - assim espero) * fiz cirurgia plástica * fiz a espargata * cometi todas as gaffes que dez pessoas podem cometer ao longo de várias vidas * disse mal de uma pessoa a ela própria * abri a porta a um vizinho com o camiseiro desabotoado até à cintura e disse: "Desculpe, estava ali a treinar..." (estava a passar a ferro e tinha calor, tá? Quem manda tocarem-me à campainha quando lhes apetece?) * tive vontade de morrer, de forma extremamente dramática, embora nunca tenha decidido ao certo qual * corri à frente de um ladrão * fugi de um incêndio escada abaixo * fugi de casa numa idade em que ainda não chegava aos botões do elevador (e não me ocorreu ir pelas escadas) * fugi de casa numa idade em que o mais longe que consegui ir foi, numa corrida, até à praia * perdi a conta a quantos rapazes beijei na boca (esta é para aí a revelação mais sexual, fora as outras todas, desta lista - mas que quereis?, tive ali uma fase, em miúda, em que trocava de namorado com uma frequência avassaladora - era ainda mais gira do que sou hoje, não chegava para as encomendas, catano - e havia que beijá-los a todos) * fui tão magra quanto a Sara Sampaio (e detestei. Em vez de aparecer ao mundo em cuecas e soutien e ganhar dinheiro à custa disso, a inteligência não me chegou para tanto e preferi tornar-me empregada doméstica) * tive piolhos (tinha 39 anos) * catei uma cabeça (mais do que uma, vá) * deixei a meio (um livro, um filme, uma conversa, um relacionamento) * tive todas as doenças infantis possíveis e imaginárias, apesar de vacinada (difteria e toxoplasmose incluídas) * acabei um curso * levei fitas a benzer * dancei num baile de finalistas * fui para a praia com o fato-de-banho do avesso (e andei assim todo o dia) * fui trabalhar com a etiqueta de papel pendurada, do lado de fora de um vestido novo (e andei assim todo o dia) * abanei um portão em sinal de protesto (e, quando a autoridade me pediu dados sobre a manifestante, descrevi-me, dizendo que ela já tinha fugido) * dei boleia a desconhecidos (de todas as vezes que houve greve dos transportes. Apanhei-os na rua e enchi o carro de gente) * apaguei um comentário no meu blog (don't ask) * fui madrinha de baptizado de uma criança * chorei a morte de uma figura pública (Lady Di - quando vi as flores dos filhos, e o cartão "Mom". Sei lá se foram as hormonas) * me meti num elevador tão cheio que ele desceu até bater na base (e gritei "Parem de me apalpar!" no escuro em que ficámos todos) * interrompi um trabalho intensivo, percorri os quilómetros que me separam do mar, mergulhei e voltei para o batente cheia de sal, areia e genica * fui apanhada a roubar moedas para ir comprar pastilhas (e, por isso,) * tive que dizer "Isto não é o que parece" * patinei até não sentir o rabo * fiz sku até não ter rabo (depois nasceu-me outro, que isto é como os dentes. Caluda) * fui à Eurodisney * acreditei em Deus * acreditei no Pai Natal, em fadas, em bruxas e no lobo mau * acordei de manhã, olhei-me ao espelho, e pensei: "Tanta sorte numa só pessoa!" * acordei de manhã, olhei-me ao espelho, e pensei: "Ainda bem que não estão a filmar" * fiz listas bem mais absurdas do que esta.
Eu nunca...
*
aprendi nada com as minhas perdas *
salvei uma vida (e isso frustra-me) *
saltei de pára-quedas (mas é a primeira coisa que faço no dia em que o médico me diga que tenho 3 meses de vida) *
fiz bungee jumping (idem) *
estive em coma (mas já me pareceu impossível acordar de uma anestesia geral - e não foi bom) *
comentei como anónima num blog *
movi uma palha para prejudicar alguém *
pesei mais que 69 quilos (mas não era só eu a contar na balança) *
pesei menos que 3,200 quilos *
saí da Europa (e nem sei se quero) *
quis ser bailarina (quase todas as meninas querem um bocadinho, algum dia na vida...?) *
plantei uma árvore (a que plantei, não nasceu - os cães fazem demasiado cocó no canteiro onde pus a semente: de diospireiro, pois se era para pedir, que fosse em grande) *
escrevi um livro (o que escrevi não conta - guardei-o numa gaveta, nem as traças se interessam por ele: é acerca das minhas 69 - o número anda atrás de mim? Xô, que isto é um buraco digno, de família, p'ra casar, decente! - aulas de condução. Leram bem) *
conduzi um camião (mas queria, um daqueles a sério, os maiores autorizados pela UE, com 40 toneladas - nem que fosse em linha recta, num autódromo... outra mania que vou ter que resolver no dia em que o médico me venha com o renhonhó) *
fiz Lisboa-Caparica e Caparica-Lisboa em primeira (é certo que, nesse dia, odo uma caixa de velocidades - mas realizo esta fantasia, de ir assim, devagarinho, a esticar a primeira, a irritar dezenas, quiçá centenas de pessoas, em calhando as mesmas que me irritam a mim diariamente) *
bebi até cair (foi aquela de o tecto se transformar em carrossel, mas só caí na cama) *
fiz chichi de tanto rir *
li o diário de ninguém (e há uma pessoa que mo confia para eu o guardar - sem chave) *
fui roubada *
roubei (mas tentei - e fui apanhada. Mas era só cúmplice, como sempre. As outras duas eram piores do que eu. Só queríamos pastilhas, santo Deus, qual é o mal? Pastilhas, pá... tamãe...) *
caguei na mata *
fui mal educada com um professor *
fui à bruxa *
fui ao psiquiatra (nem ao psicólogo - nota-se muito?) *
consegui ler o livro, ver o filme ou contar a história d' O meu pé de laranja lima sem chorar *
fui loira (só uma vez é que o processo químico correu mal e a praia ajudou à desgraça) *
fui gorda *
fui madrinha de um casamento (não me querem para madrinha - não sabem o que perdem) *
senti inveja de ninguém (e até gostava, só para saber como é que é, mas, nestas condições, não é possível) *
praxei ninguém *
fiz parte de uma tuna *
fiz mal a uma mosca (só melgas) *
fui vítima de bullying *
fiz bullying a ninguém (só ao Carlinhos Salsicha, mas éramos tão amigos que não conta) *
me quis matar *
fumei à frente dos meus pais *
fumei em jejum *
andei a cavalo *
votei "em consciência" *
me droguei (duas brocas não contam) *
me apeteceu outra mulher *
me peidei fora da casa-de-banho (desde os 10 ou 11 anos. Assumam: eu sou uma senhora - eu nunca me peidei e acabou-se a merda da conversa já aqui) *
tive prisão de ventre nem caganeira copiosa (mau. O que é que eu disse? Mas é verdade, e eu hoje estou aqui para esventrar a verdade até só saírem secreções) *
bati em alguém sem ter apanhado primeiro *
me esqueci de nada realmente importante *
fiz uma tatuagem *
percebi as regras do baseball (não percam tempo a tentar, mas gradjicida, viu?) *
percebi o truque de serrar a mulher ao meio e ela não morrer em palco (então se os pés mexem naquela caixa e a cabeça mexe na outra... mas, mas...)
*
desejei a morte a alguém *
adoptei uma criança (mas vou) *
morei à beira-mar (mas vou) *
atravessei o Canal da Mancha (mas vou) *
aprendi sapateado (mas vou) *
aprendi italiano (mas vou) *
consegui distinguir muito bem algumas cores (o azul e o preto, por exemplo - mas sei que os meus olhos não são azuis. E sei que o azul é a minha cor - quando tenho dificuldades, pergunto nas lojas: "Qual é a saia azul? É que eu quero levar a azul". Ou leio na etiqueta "blue". Simples) *
surfei uma onda (é sempre no ano que vem - para o ano é mesmo, tem que ser antes dos 90) *
fiz topless *
fui ao cinema sozinha *
fiz filhoses *
fiz pezinhos de coentrada :P *
dormi uma noite a fio *
andei de ambulância *
gostei do meu curso *
decidi se fico com aquele Deus *
deixei, verdadeiramente, de acreditar no Pai Natal (vocês é que não sabem nada e depois a maluca sou eu) *
acreditei em horóscopos (sei que sou Escorpião - e sinto-me Escorpião. E isso é perturbador) *
me arrependi dos disparates que fiz *
me vou perdoar não ter visto aquela criança nascer *
me vou perdoar não me ter despedido do meu pai *
me vou esquecer do abraço dele *
fiz uma viagem de avião que durasse mais que três horas (é que sofro de aerodromofobia e entro em euforia - não queiram viajar comigo. É muito animado, mas não é bonito) *
deixei de enjoar de carro (melhorou quando passei para a frente, melhorou mais quando passei a conduzir, mas até a conduzir enjoo, se o caminho tiver mais curvas que eu) *
pensei que fosse possível uma mãe... *
fiz uma lista tão comprida e inútil.