24/11/2014

Preconceito de salto alto


A minha Preta é um mulherão enorme e lindo, que faz aulas de dança e, por ser enorme e linda, e por lhe correr nas veias aquele sangue do samba e, talvez há muitos séculos, africano também, é a melhor aluna de kizomba, o que faz dela uma pessoa incómoda. Ainda por cima, fez a desfaçatez de ficar com o rapaz mais bonito da turma, o que a há-de, muito justamente, ter transformado num alvo a abater. Assim, as outras discípulas da mesma matéria, com muito menos pinta mas, em compensação, muito mais perras, quando se referem a ela, chamam-lhe "a brasileira" e também vão dar o recado, a quem sabem que lho pode transmitir, que não percebem como é que ela aguenta uma aula inteira de salto alto. 

Aquele manancial de conhecimentos sobre a raça que ela é disse-me assim: "Eu já sofri preconceito por ser negra, já sofri preconceito por ser mãe solteira, já sofri preconceito por ser mulher, já sofri preconceito por ser estrangeira. Agora, por usar salto alto, é a primeira vez".

E eu fiquei a pensar que este povo só é fingido e faz de conta que não é preconceituoso, e está tão mal educado no sentido de ser moderno e evoluído a aceitar a diferença (como eles próprios dizem), e recalcou tanto os seus pré-conceitozinhos que agora, sempre que vê e se vê obrigado a conviver com uma pessoa de outra raça, de outra opção ou de outro país, arranja um mecanismo qualquer para sublimar a sua aversão e encontra defeitos que possam "justificar" a crítica sem que ninguém lhe aponte o dedo de racista, homofóbico, sexista ou xenófobo. Frustrados da merda. Os psiquiatras têm o consultório às moscas, à espera deles.

Também é este estilo de pessoas que pede em amizade o objecto das suas raivas no facebook. A minha Preta tem-nas lá todas penduradas, à espera.

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