31/12/2016

2016 foi-me (pouco) leve

Este ano tive mais trabalho, tanto que vou deixar outra vez de estar isenta de IVA e vou voltar a ser — que verbo usar? — tributada pelo estado português. (Que adjectivo usar? Chulo.)
Andei entretida, como se não tivesse mais nada que fazer, numa actividade profissional que não tem nada a ver com a minha e, designadamente, comigo. Foi onde conheci pessoas que falam a abanar os dois ombros, nariz no ar, e proferem expressões como atitudes conducentes e desvaneios. Ah, e entretia a fome. Um dia fartei-me e vim-me embora, porque esta vida são dois dias e gastá-los ali não me pareceu boa ideia e também porque ó-pá, eu aguento tudo, menos o coice na minha língua. (Não literalmente falando.)
Comecei o ano num doloroso luto pela minha gata, que ainda hoje me dói, e honi soit qui mal y pense.
Os meus quatro pássaros viajaram juntos, todos no mesmo pássaro de lata, eu tive medo, mas fiquei tão feliz que acabou por não doer nada.
Saíram-me dois pássaros do ninho, o que, fora eu uma pessoa igual às outras e teria o ninho vazio. Assim, com não sou, e cuidei de povoar o mundo com exactamente o dobro da média das outras pessoas, tive-o ocupado e desocupado por metade.
Fomos campeões da Europa e isso, não sei porquê, fez de mim uma pessoa contente por uns dias.
Uma das minhas mais amadas recebeu um prémio muito importante, e isso confirmou o que eu já sabia: que aquela noite correu mesmo bem. 
Vivi os dias mais terríveis de toda a minha vida, quando fui chamada para ir assistir, a quase trezentos quilómetros, ao coma de outra das minhas, e isso manchou-me o ano todo com as cores da angústia e do pavor, que me fizeram ver que há minutos na nossa vida que podem fazer a diferença para o resto dela toda. Foi por um triz que não a perdi, e nesse triz estaria a minha vida toda perdida também. 
Completei uma década mais e, contra todas as expectativas — minha incluída —, não envelheço ao ritmo a que devia. Começo a acreditar piamente que os meus pais me registaram cerca de dez anos antes de eu nascer, num qualquer dia em que ainda nem sequer se conheciam um ao outro. Ou então, sou aquele elemento que todas as famílias têm, que é o-que-bateu-com-a-cabeça-no-balde — só que a mim calhou-me o balde do elixir.
Fartei-me de Pilates, dizem as bocas que foi porque Pilateiro saiu de cena, mas ó que não, simplesmente acho que é demasiado parado; assim, voltei à dança.
Descobri que sou alérgica aos amendoins porque me nasce uma borbulha pequenina no dia seguinte, cada vez que me amando a um pacote (chiu) dos grandes.
O post de que mais gostei? Gostei de muitos, a minha modéstia não me permite escolher um só. Cada vez que penso nisso mais a sério, é o do cão que me vem à cabeça. Ou o do pai em cadeira de rodas. Sou demasiado drama queen para escolher um post cómico, mas adoro todos os que escrevi. Mais uma vez, não inventei nada do que relatei, a minha vida é que dava um filme indiano. 
Fui ao cinema, fui ao teatro (grande Zé Pedro, nem te homenageei como deve ser), fui a espectáculos de ballet e a concertos. Li pouco, li muita BD, escrevi muito, e muito pior do que já um dia escrevi. Sem falsas modéstias, que eu não sou disso — não sei se deu para perceber lá para trás.

Quero, exijo ao cosmos, sinceramente, que todos tenham um 2017 memorável no bom sentido. E que venham muitos mais.
Haja saúde, môres. 

29/12/2016

consoada

Era uma noite de consoada consolada, a sala estava cheia de gente, desembrulhavam-se prendas e ofertas, tantos presentes, e ausentes também. Houve abraços, agradecimentos, olhos felizes, gente contente. O homem abrira os seus, agradeceu a cada um dos ofertantes a sua dádiva, beijou testas, dirigiu palavras tão doces quanto os doces que ainda estavam pousados na mesa e já confortavam os espíritos, e não sentiu nenhum par de braços a pedir por acolhê-lo. Todos se viraram uns para os outros, abraçando-se aos dois e dois, enquanto ele, de braços vazios, pensou seriamente em abraçar a árvore de Natal. Quase soluçou uma gargalhada amarga diante da ideia, e achou por melhor abraçar o gato, que, apesar de morto, lhe alentava sempre as faltas maiores e lhe serenava as falhas — as imperfeições e os defeitos — que sentia como suas, tantas vezes. 


28/12/2016

Frases que profiro verbalmente cada vez que me meto ao volante

[Percurso Lisboa-Cascais, num qualquer destes dias]

Olha-me para estes gajos...
Pois, também para quê o pisca? Também acho.
Nunca vi...
Está bem, pá, fica lá na tua faixa, caneco. Qual é que é a dificuldade de ficar numa faixa?
Distraídas...
Ó senhora, isso é copos, ou quê?
Vá lá, acelera lá isso...
Não chega não darem passagem, para ainda irem a pastar a vaca à minha frente...?
Olha outra...
Olha o chico-esperto, pois claro, tem mais pressa que os outros...
Não passa mais nenhum, chega.
Ó senhor, deixe-me passar. Que horror...
[ooooohhh — canto o que passa no rádio no momento. O que for.]
Olha-me para aquele maluco, parece que não tem mãe, o gajo...
Ih, o que para ali vai. Já deve ter havido molho. 
É tão barulhenta esta CRIL. Porra. 
Ali vai outro que também não sabe andar dentro de uma faixa. 
Outro que não faz pisca, e eu que lhe adivinhe os intentos. 
Eh pá, que granda manada. Onde é que vão todos? Estão a dar caramelos ali à frente, ou quê?
Ó pá, o que é que queres que eu faça? Que passe por cima, não? Ó c'um caneco, deves querer que eu me atire para aqui. Atira-te tu. Cabrão. Eu tenho filhos, gibo.
Ora bem, estás a ver a tua pressa? Agora tens que parar para dar passagem aos peões. Ficaste aí...
Há pessoas a conduzir que só me apetece conduzir à velho para as irritar. Puxa...
Lá vai uma porta pelos ares... 
O mundo era perfeito se não houvesse semáforos.
Anda lá, avança, já está verde...
Vais atravessar ou estás só a olhar para o telemóvel?
Isso, ultrapassa pela direita. E depois vai para a esquerda. Está bem. 
Esta maluca atravessa a correr. 
Proibido estacionar. Proibido estacionar. Até estou disposta a pagar, mas era deixarem-me estacionar.
Olha que lindo, e estacionam assim.
Olhem-me para isto. Estaciono à primeira. O dobro da classe. 
A última vez que disse isto raspei numa coluna. 


27/12/2016

Com apenas uma cajadada cirúrgica, e vão três coelhas com os porcos

Ora, tudo isto para dizer que com uma única atitude da minha parte, consegui o desalento em três pessoas humanas, embora uma delas não devesse contar para este cômputo, já que é a pessoa propriamente dita.
Então, eu sou freguesa de Santa Ana, a cabeleireira mais santa do meu bairro, que me faz as vontadinhas (quase) todas, que sabe o significado de dois milímetros, que percebe que alguém só goste de lavar a cabeça com água fria — mesmo no pino do Inverno —, que se abstém de comentar quando lhe adentra a porta uma mulher que se recusa a pôr creme nas pontas porque lhe põe o cabelo numa nhanha, e lhe diz que lava o cabelo com Johnson's* — tudo isto junto na mesma despenteada. 
Mas deu-se que me senti compelida — não foi bem tentada — a traí-la, indo a outra. Olhem, farta de uma gripe, farta de não ter tempo, farta a priori da ideia de me enfiar num cabeleireiro cheio de mulheres pré-Natal (não confundir com grávidas), farta de ter que encaixar os meus horários espartanos nos espartilhos dos horários da minha Ana, fui-me à Célia, moça de voz de desenho animado, queixo de desdém e olhar por cima da burra lá dela. Defequei, estava tão doente e tão impaciente, que entrei lá no salão e disse assim: "Olhe, pinte. A cor é esta". Vai ela e pergunta: "Isso é o quê?". Ora, ao invés de ficar logo desconfiada, logo eu, que sou tão dada, retorqui, pormenorizando: "É castanho escuro, não é preto". 
Só agora que relato isto é que me apercebo que Célia sofrerá não só do tal desdém ao nível mandibular, como também de daltonismo, memória curta e surdez selectiva. Das minhas singelas e translúcidas frases, há-de ter retido apenas "pinte" e "preto" — pois que me pintou a melena de preto. 
No dia seguinte, acordei triste (primeira coelha morta) e dirigi-me ao estabelecimento de Célia, com vista a que me refizesse a cor natural que a Natureza me deu. Célia olhou-me com aquele olhar, esganiçou-se naquele timbre de desenho animado que só Melanie Griffith consegue bater, e respondeu assim à minha súplica: "Preto? Ai, desculpe, mas isso é castanho, até tem uns reflexos dourados". Confirmado o daltonismo, rodei os calcanhares, fazendo, literalmente, uma pequena dança de salão, e saí para nunca mais voltar.  (Segunda coelha morta.)
Liguei então à minha Ana, confessei-lhe tudo (terceira coelha morta), pedi clemência e um nico de perdão. Que nada a fazer, que é ir lavando para a tinta sair, que é esperar que passe, que é dar tempo ao tempo. Desliguei o telefone com o som amargo das palavras dela ainda dentro dos ouvidos.
Tenho lavado amiúde o cabelo (preto).


* NMPPI, mas eu também não disse que tenho um cabelo espectacular. 

24/12/2016

Movimento "Vamos ajudar Palmier a encontrar o espírito"

Conforme sabeis, eu própria ando em busca do espírito. Mas este meu espírito — passe o pleonasmo — de abnegação, leva-me a fazer uma pausa na minha procura e a dar uma mão (olha aí a cacofonia...), um pezinho (de dança), uma ajudinha para encontrar aquele que era suposto já nos ter encarnado a todos, fosse lá de encarnado, de dourado, ou — por que não? — de azul.  

Foi hoje de manhã. Caminhando motorizada rumo aos braços da minha mãe, pela estrada fora, bem sozinha, foi via rádio que me chegou o espírito, adentrando-se por meu boi adentro, invadindo todo o habitáculo, e também os meus tímpanos. E eu, olhem, deixei. Trinei. Repuxei das pontas das minhas cordas, e deu-se a simbiálise Espírito-Nataleiro-Linda-Blue.
Espero que gostem. Fomos acompanhados em contrabaixo pelo motor, que também esteve muito bem.


Já somos estes todos: um, dois, três, quatro, cinco. E seis, claro.

Vem, e traz um amigo também.

Eu queria imbuir-me do espírito

Mas não está fácil. De entre mil afazeres que quase não me deixaram tempo para respirar, este ano logrei empurrar as prendas — não literalmente — até quase à antevéspera do exacto momento em que é suposto entregá-las. Em plena gripe e pico de trabalho, enfiei-me no shopping num daqueles dias e horas proibitivos, em que todos os factores not se conjugavam: Dezembro, depois de almoço, dia de jogo daquele que só me dá alegrias. Consegui sair viva, e, embora mais rica em termos antropológicos, em termos financeiros um tudo nada menos. 
Está aberta — e espero que em breve fechada — a época do ano em que me assalta um fervoroso desejo de beijar os pés dos lojistas que me embrulhem as m. que eu compro. Não sei se ando a comprar o papel errado, a fita-cola errada, ou se o erro está em mim, mas fazer embrulhos está a tornar-se um programa épico ao nível da motricidade fina, que só não tento remediar com treinos intensivos e ou terapia porque, conforme já devo ter dito lá para trás, isto é só uma fase, e ai de quem me venha com a léria de que o Natal é quando o Homem quiser, que eu mordo. Se assim fosse, ainda era menina para me meter numa acção de formação e dar cabo do handicap, quem sabe acrescentando uma alínea ao meu curriculum vitae com mais essa valência. Não sendo, deixo-me estar como estou, hei-de comer doze passas daqui a dias a pedir que me saia o Euromilhões, e nessa altura arranjo quem me embrulhe (não literalmente, também). 
O meu corta-fitas não corta a fita-cola. Tem uma lâmina poderosíssima, capaz de decepar dois dedos, ou degolar um cavalo, mas lá a fita é que não. O problema pode ser ela, e não ele, uma vez que aquela fita-cola em particular estica como um elástico, mas cortá-la em pequenos pedaços é que já não é possível. E depois, não cola, fazendo claras injustiças ao próprio nome. Por outro lado, o papel que tenho em casa, não sei se é encerado (?), oleado, ou simplesmente de má qualidade, pois desliza e faz desvios drásticos quando o manuseio, pelo que tudo redunda num enorme desastre de embrulhos sem nexo. Para finalizar (embrulhos nunca finalizados), não tenho fita de laços, o que leva a que todos os meus embrulhos pareçam encomendas de correio com uma decoração pseudo-natalícia. Também não me lembrei de adquirir etiquetas, para distinguir os meus pacotes (chiu), o que terá como consequência a cegada do costume, que sou eu, em plena consoada, a puxar pela que me atraiçoa todos os dias, incapaz de me lembrar do que é para quem.
Também me irrita um bocado não ser capaz de presentear todos os filhos com prendas de valor igual. Longe vão os tempos das três Bratz + avião da Playmobil, e ficávamos todos felizes a cantar jinguélbel. Ninguém reclama, na verdade, mas eu é que fico mal comigo mesma. 
Em compensação, e talvez por isso, para as amigas vai a eito: compro meia-dúzia (ou menos, que acho que tenho menos do que seis amigas, mas ficava aqui melhor esta expressão — numérica) de qualquer coisa, todas iguais, e já não tenho complexos de desequilíbrio (mental). O mesmo faço com os sobrinhos. Estou mesmo a caminhar a passos largos na conquista oficial da categoria de Tia das Cuecas: desde luvas a cachecóis, passando por cintos, já corri todas as possibilidades, pelo que me falta apenas o patamar Cuecas, que penso atingir para o ano que vem. 

Não sei se leram isto tudo. Eu confesso que não. 
Na verdade, vinha aqui para desejar-vos a todos (deixem-me chamar-vos leitores só por uma vez, isso faz-me içar numa outra escala só por um bocadinho, vá lá...), 

UM NATAL MUITO AZUL

22/12/2016

De uma peculiar capacidade para esquecer o que mais convém

Peguei no camião, andei com ele cerca de quinhentos metros e, numa inversão de marcha à esquerda, atirei com ele para cima de um muro passeio com cerca de vinte centímetros de altura (daqueles mesmo para evitar que alguém lhes estacione em cima, mas não que alguém se esmerde contra eles), e estoirei os dois pneus da esquerda. 
[Por falar nisso, outro dia aprendi que a palavra pneu mais não é do que a abreviatura de pneumático. Nada que agradecer, eu sou este poço de moça.]
Entrei em varas verdes, fiz as minhas calls, pedi socorro, chamei o técnico ACP*, que veio, desmontou o pneu que estava pior, pôs o sobressalente, diagnosticou as bolhas no outro pneu, a jante torcida (sim, que eu, quando as faço, faço-as em grande. Chiu), tudo rápido, tudo a demorar pouco menos de uma hora. Deu para acalmar das varas, então adeus, fui dali directa tomar uma bica. Diz-me o senhor do balcão assim para mim:
- Tudo bem com a senhora?
- Tudo excelente. Fora coisinhas próprias da época — respondi, com o anasalado dos adenóides que já não possuo —, tudo azul.
Naquele momento e nos demais que se lhe seguiram, pelo menos enquanto durou a chávena, nem me lembrei que tinha acabado de dar um prejuízo tão grande ao orçamento familiar. 
Está a ser bom, envelhecer assim. 


* NMPPI, mas ❤❤❤, 5 estrelas.

21/12/2016

Primeiro dia de Inverno ☼

E qualquer coisa me diz que ainda estou em negação. Apesar do cachecol. Apesar do sobretudo. Sobretudo pelo calçado.

Deixem-me, eu cá sei.

20/12/2016

Espera

A rampa das chegadas do aeroporto é um cais de desembarque onde, especialmente nesta altura do ano, muitas emoções se encontram — e se reencontram — à flor da pele. Quem espera, faz-se pontual na aterragem, apresenta-se no cais à hora a que as rodas do avião tocam o solo, como se fosse possível que quem chega pudesse saltar directamente da pista para os braços ainda vazios de quem está. Só isso explica que a extensa multidão se mantenha firme, a mesma, expectante, durante largos minutos, meia-hora, uma hora. Entretanto, saem aviões inteiros de gente, e ficam outras gentes, como eu, a distrair a impaciência e a saudade, tentando adivinhar de onde vêm (Olha, este é fácil, vem do Japão), quem os espera, o que os traz aqui no Natal (É fácil, são japoneses).  
Dezenas de pessoas, algumas terminando a rampa num abraço adiado e demorado, uma mulher que sai da multidão e abraça um rapaz, escondendo as lágrimas no peito dele, uma menina que corre ao encontro de um pai, e pula, e trepa-o com risos e beijinhos. Tão diferente, a manifestação das saudades, em função da idade de quem vêm.
Vejo-a ao fundo e toda eu sou lágrimas e gargalhadas engasgadas, que não consigo libertar. Esperei-a nove meses, e agora estes três. Espero-a ao fundo da rampa, mas ela é interceptada a meio, pelo pai e pelos irmãos, fazem-se todos num corpo só e ela, tal como a mulher que reencontrou o filho, esconde e dissolve as lágrimas por todo o grupo. Vem mais pequenina, mais magra, mais pálida, mas isso são os meus olhos, que nada vêem, que vêem. Também a vejo maior. Cabe inteirinha na palma da minha mão, penso assim, enquanto me aproximo, me agiganto, me faço tão grande que sinto os meus braços, o meu corpo todo a redimensionar-se para a acolher — reengravidando dela —, na amálgama de família em que se encontra. Apanho o enorme corpo de gente nos braços, depois isolo-a só para mim, meto-a dentro de um abraço e percebo, finalmente, que nunca daqui saiu. 

19/12/2016

Eu tenho problemas com tudo # 20

Ponham-se no meu lugar: eu gosto muito da minha manicure, Simone de sua graça. 
Tinha hora marcada para a tarde de um dia, mas apercebi-me que não poderia ir nesse horário e liguei para lá, numa tentativa de antecipar para de manhã. Atendeu-me outra manicure do mesmo cabeleireiro, que me disse que a minha Simone tinha a manhã toda preenchida com pés e massagens e depilações e o catano (isso do catano, acho que já sou eu que lhe estou a acrescentar, como aquilo de quem conta um conto), mas que ela própria tinha vaga, porque estava sem serviço toda a manhã. Condoída, apressada, infiel, ok, ok, marquei então para esta outra e vai de ir. Lá chegada, a minha Simone estava, de facto, a "fazer" uns pés, e deixei que a outra iniciasse a "feitura" das minhas mãos. 
No entanto, ao cabo de dez minutos, apercebo-me que a Simone acabou os pés da outra mulher e ficou sem ter o que fazer até à hora em que a outra manicure acabou as minhas mãos.  
Mas o que é que vocês pensam que eu venho cá indagar junto de vossos corações amolecidos pela quadra? Se foi chato estar a fazer as unhas com outra, mesmo nas barbas da minha técnica de manutenção (stricto sensu)? Nááá, isso é questão para meninos, e aqui eleva-se a fasquia até ao milhão. Que foi chato, já eu sei.
O chato-chato, da questão toda, é que esta sacaninha que me fez as manitas trabalha muito melhor do que a minha Simone, de quem eu tanto gosto — não sei se já disse. 
Perguntei às miúdas. Uma respondeu:
- Desculpa, não tenho problemas dessa ordem, não posso ajudar-te.
Outra:
- Desculpa, perdi-me a meio da tua explicação, não posso ajudar-te.
E já não perguntei à terceira, não fosse começar a resposta por Desculpa e terminá-la com não posso ajudar-te.

E agora, pás? Quid manibus artium?





18/12/2016

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 12

E a escassos seis dias de completar um ano de idade, eis que dona Pequena Molly tem o seu primeiro cio. [Sim, este diabo da Tasmânia é um bebé-Natal. Ou bebé-pré-Natal, já que é de 23.] Levou, por isso, o dobro do tempo das outras gatas a perceber como é que aquilo se fazia. Chegámos a pensar que nossA Molly, afinal, era um Molly, mas também não lhe encontrávamos vestígios de cio de macho (pese embora não os conheçamos), nem de mais nada que nos indicasse haver ali macheza. Depois pensámos que a pobrezinha teria vindo ao mundo sem útero, o que, passe o egoísmo, seria uma grande poupança para todos, ela incluída. Pelo contrário, há poucos dias começou a largar daqueles miados mais longos, que gritam "Gaaaaaato!", fomos-lhe dando uns toques no lombo, para a ensinar a escarranchar-se, "Estás a ver, Molly? É assim que tens que fazer", e ela, ao fim de uma semana de treinos, lá percebeu o método.

Também me questiono quão estranha é a dona de um gato, assim numa escala de zero a dez, que, cada vez que a bicha tem um ataque de miares, passa por ela e pergunta:

17/12/2016

❤❤

A expressão coração das mães, ouvia-a eu à minha, quase sempre para nos dizer 
o coração das mães não se engana
ou 
o coração das mães não tem remédio.
Não era coração de mãe que lhe ouvia. Era o coração das mães.
E nós entendíamos a forma que achávamos correcta do que queria dizer com ela, que era a de que o coração das mães sabe sempre quando é necessário entregá-lo a um filho, fazer dele um abraço, o aconchego do lençol, o anteparo da lágrima ou o receptáculo da gargalhada. 
Só mais tarde, muito mais, é que percebi o significado pleno da expressão o coração das mães: as mães têm não um, mas dois corações. Por nascerem não-mães, vêm com um coração, que é aquele músculo cardíaco que bate e pára, e depois volta a bater, comandado por emoções e sustos e desgostos sem remédio, tragédias que assolam a vida dos filhos na fase em que a mãe não pode dar tudo, por já ter dado, e nada pode fazer contra a borbulha na véspera de uma festa, ou porque ele não gosta de mim, e, lá está, a mãe é tão impotente diante daquele grande desamor, apesar daquele seu enorme amor.
Então, é isso: depois de mães-mães, às mães nasce-lhes um novo coração, o mesmo também que pulsa e vibra e explode e se ilumina em festa com vitórias e conquistas, o mesmo que se amachuca até à sua infinitésima expressão com perdas e obstáculos. E é, ainda e sempre, o que bate, incondicional e eternamente, aquele que se faz em abraço, aconchego do lençol, anteparo da lágrima e receptáculo da gargalhada.
São dois, afinal. E hoje sei que era a esse outro que a minha mãe se referia quando falava n'o coração das mães. 

16/12/2016

E o que responder ao cosmos

quando ele nos agracia com uma bela gripe no primeiro de três dias de férias que acabámos de nos dar, após três semanas de intenso trabalho, que até a porcaria dos feriados e dos fins-de-semana nos levaram, como o vento da outra? Hã?
Eu sei a resposta certa: as melhoras, pá!
Adorei acordar com tudo a doer. Completamente tudo. Dói pestanejar; dói virar a cabeça para um lado; também dói virar a cabeça para o outro lado; dói o cabelo, quando o ajeito (cerca de 7892 vezes por dia — nunca está alinhado); dói existir.
Porém, havia que rechear a árvore, tal e qual um peru de Natal, pois, com isto tudo, vai-se a ver e não tinha adquirido uma única prenda (excepção feita a uma para mim, que, tal como o ano passado, foi a primeira e, durante muitos dias, a única que comprei, e também, tal como nesse outrora, trata-se de um livro do meu querido Mário Zambujal, que eu amo forever end ever).
Isto como uma desgraça nunca vem só, nove graus centígrados em Lisboa, uma chuva de água fria que não se percebe, mas vai de enfrentar o shopping, logo assim pela fresca. 
Eu sou uma pessoa muito corajosa e ninguém me dá o meu devido valor. Devia enfiar-me na cama, a gemer e a solicitar que me levassem caldinhos à cabeceira, à gajo. Ao invés, fui fazer as vezes de Mãe Natal, toda a ranger e a latejar, mas quem me viu não diria que me dói tanto tudo que nem me sinto. 
Nem sei por que é que iniciei este post. Já devo ter fritado o neurónio sobrevivo. Acho que vinha cá só contar que entrei na FNAC e cheirava intensamente a comida. Então, para meu pequeno espanto, verifiquei que, a meio da sala, se encontrava uma senhora a cozinhar qualquer coisa cheia de alho. Eu já sabia que a FNAC é aquela livraria com secção de papelaria que, ah, afinal também vende gadgets, ah, espera, também lá há computadores, e televisões, e cabos e fios, e jogos electrónicos e jogos de tabuleiro, e puzzles e gomas e bonecas e t-shirts e canecas. Hoje fiquei a saber que a livraria FNAC também vende robots de cozinha. O meu reino por ver a livraria FNAC começar a vender máquinas de café. Oh, wait, fiquei sem reino. Quero o meu cavalo.

estar numa relação

Mas que raios de expressão é esta, de estar numa relação? Isso é o quê?
Esta coisa foi importada pelo FB, e já singra — e sangra — na linguagem comum.
As pessoas podiam dizer
andar com,
namorar com,
estar com,
andar com,
andar a comer a/o/as/os,
transar com (até este é menos mau),
trepar com (e não à ou ao, a menos que se trate mesmo de uma árvore ou de um pau de sebo),
curtir com (mais uma brasileirice),
contracenar com,
concatenar com,
acasalar com,
pinar com,
fornicar com,
e o clássico e infalível que eu não vou escrever aqui.
Eu sei lá, as hipóteses são infinitas.
Mas, contudo, todavia, apesar, porém, estar numa relação?
Parece que querem dizer Estou numa relação, por favor, não incomodar. Volto já. Eu não leio mais nada. De seguida, espero "ouvi-los" dizer Pode arrumar o quarto. [Já o esbardalhei o suficiente, cansei de estar numa relação.]
Ganhai mas é juízo, ó povo que estais numa relação. Que ralação!

14/12/2016

Das minhas associações de ideias # 13



Este é o tipo de tema com o qual preciso de ocupar a mente, quando ela já anda muito poluída e pouco polida.
Estava hoje a fazer umas compras cá para o lar, e aconteceu-me ter baptizado inadvertidamente um tipo de tomate. Sei que existe o redondo, sei que existe o chucha, sei que existe o cherry, ou baby. E que nome dar ao chucha pequenino? Chucha-baby, claro. Por associação com


E que toda a vida achei que o nome da pêra rocha se devia ao facto de a tal pêra ter a aparência de uma pedra e a dureza dos cornos de uma rocha? E não é que não? O seu criador de origem é que se chamava Rocha. Vá que não era Pereira. Ou Oliveira.


Acho que por ora é tudo.
Atentamente,


13/12/2016

Finalmente, uma coisa ácida afocinhou aqui

Antes que o scroll ma leve, ou o estupor do Blogger ma apague

Avenida de Roma, meu amor # 4


(e)ternos

Lembro-me deles muitas vezes. Acredito naquele amor para lá da doença, para lá da demência, para além da decadência física. Mas queria acreditar ainda mais, por me sobrar a resistência da dúvida a partir de um momento preciso. 
Cada vez que lá vou — vá em que dia da semana for —, ele está lá, ao lado dela, ou então a carregá-la para dentro do carro. E depois leva-a dali, por umas horas, talvez um dia inteiro.
Ela é das pessoas mais novas daquele lugar, metade dos fios de cabelo ainda castanhos, a outra metade por conta de ralações lá dela. A cabeça pendurada sobre o peito, o olhar paralisado num ponto opaco, sem vislumbre de réstia de coisa nenhuma. E a cadeira de rodas.
Sabemos como nascemos, não sabemos como morremos. — Ouvi eu uma vez, para não mais esquecer. Ela é a prova provada em como um dia, que não há-de ter tido nada de belo, a linha pode quebrar-se, mas a vida continua. Pelo menos, a dos outros.
Quando se senta ao pé dela, também ele paralisa o olhar num ponto opaco, sem vislumbre de réstia de coisa nenhuma. E ali ficam, ele à espera dela, já não do regresso, mas de todas as vezes que ela não mais que murmura um sim ou um não, ela que ele lhe repita as perguntas a que ela não responde.
Quando lhe pega para a levar, peso morto num esforço sem forças, há-de lembrar-se de todas as vezes que a levantou nos braços enquanto jovens e saudáveis, enquanto a vida não os levou para longe dessa vida. Há-de ser para lá que a leva, onde voltam a ser saudáveis e jovens, quem sabe belos. — Onde se mantêm, eternamente, eternos. 


12/12/2016

Eu não tenho conserto

Fui ver John, Elton John. Cheguei meia-hora antes do espectáculo, assim como outros dez mil. À minha frente, só para entrarem na porta de acesso aos balcões, encontrava-se uma fileira com o comprimento de duzentos metros de gente, que percorri a passos titubeantes, porém decididos, até lhe atingir a ponta. Estava, como todos os milhares, orientada por uns seguranças que hasteavam o braço direito, de frente para o povo, bramindo "Todos os tipos de balcões é à direita!", logo a mim, que tenho a lateralidade tão bem definida que, quando me dizem para a direita, voltados para mim de frente, é como se me dissessem Isto é encarnado!, mas vá lá que fui na mesma, encarneirada com a multidão. Lá chegada, dei o meu pequeno espectáculo de humor, um bocado para ir aquecendo as hostes, exclamando "Eich, granda bicha! Nunca enfrentei uma bicha tão grande como esta!". Foi bonito de se ouvir (as gargalhadas dos presentes). Faltavam dez minutos para a hora e a dita bicha não avançava nem à força de rezas, o que me leva a dar nota negativa à organização do evento. Valeu-lhes-nos que o povo é sereno (mas não é parvo), e o facto de a média etária andar na casa dos entas — tudo jovem, se olharmos pelo prisma terciário etário. Depois de ter tido que arrumar a sala, à chegada ao balcão (o pessoal senta-se aos casalinhos com uma cadeira de intervalo, o que impede que duas pessoas se sentem lado-a-lado, pois deixa imediatamente de haver dois lugares seguidos), solicitando a uma fila inteira que se chegassem uma cadeira para a esquerda, lá nos sentámos os dois. Quanto ao concerto, o que tenho a dizer? Foram duas horas e meia. A primeira hora foi um tédio, pois Eltoninho quis promover o seu novo álbum, e pareceu-me a mim, por mera constatação de facto, que estávamos todos a dormir — sala fria, tudo quieto e calado, a ouvir sucessos que ainda não são sucesso, lá porque são desconhecidos. O artista não deve ter percebido que a roda já está inventada, que ninguém consegue ser melhor do que si mesmo, e que aquele público queria era ouvir hits batidos e conhecidos. Fora "Daniel", nada mais houve, até que um passarinho lhe deve ter soprado ao ouvido que Linda Blue se encontrava entre os presentes, expectante por "Yellow brick road", e então deu-se o momento em que ele deu início à bela melodia, acompanhando a grande blogger ao piano.


Um nico mais tarde, a pessoa retribui-lhe a fineza, entoando o refrão de "Crocodile rock", uma vez que ele não levara o coro feminino com ele.

   

Quando acabou, fui para casa, ainda a sonhar com as sandes de leitão que anunciavam no percurso da bicha da entrada, mas que, por qualquer razão que desconheço ainda agora, não me apeteceram no momento.
Não foram aqueles e outros apontamentos musicais e, numa escala de zero a cem, ter-lhe-ia dado vinte. Assim, levou um cinquenta. E já goza.

11/12/2016

Eltoninho Joni, és um animal

de palco. Ao piano.

Não façam o que eu faço

1. Receber um documento por mail;
2. Editá-lo;
3. Levar mais de uma hora a formatá-lo e a revê-lo; 
4. Fechá-lo.
...

(Há qualquer coisa de muito errado neste processo.)
...

E ele ir com os porcos.
Porque o sacana do programa não pergunta "Deseja guardar as alterações?".
E não pergunta porquê?
Porque, logo a seguir ao ponto 1, deveria ter guardado a porra do documento. E não guardei. 
...

Repeti o trabalho todo. Foi bom, para quem não tem um minuto a perder neste momento. (A não ser, claro, para vir escrever estas coisas aqui.)


10/12/2016

E eis que é chegado o dia em que Mr. Word se engana

e, em vez de ajudar, ainda empata: aponta-me como erro algo que não está errado. Logo a mim, a Grammar Nazi de serviço. 







Vá, que eu estou sem tempo:

Fonte

09/12/2016

Hoje tremo

Levanto-me, estou sentada há demasiadas horas. Dou graças não sei a quê por fazer tanto exercício. 
No entanto, tremo de medo de não conseguir cumprir. Tremo de raiva por tremer assim. 
Sento-me numa esplanada, peço um café sem cafeína, e tremo. Não está frio, mas, mesmo que estivesse, estou desagasalhada. Agarro a chávena com as duas mãos e paro de tremer naqueles segundos que dura esse contacto. Depois retomo a tremedura, tenho a inquietude do cansaço que não me larga o corpo. Só estou bem em pé, caminho um bocadinho, o suficiente para me sentir uma pessoa igual às outras. Atrás de mim, deixei sentada uma mulher pequena e magra, que conheço há anos de ver passar, com um copo de três nas duas mãos dela, também trémula, exalando a álcool desde o cabelo. 
O dever chama-me, retomo o trabalho, parei de tremer e continuo até que a alma me doa. 
Hoje a Terra não há-de tremer. — Já não é preciso, digo eu ao cosmos. 

08/12/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 47

Há cenas que são expressamente concebidas com vista a que eu tenha oportunidade de me indignar.
Os tachos, as facas, os Pyrexes, os Angry Birds, e agora isto.
Estou ali, que não faço mal a uma mosca, no meu modo mosca-morta-ó-morri (hah, era o eras!), não parto um prato, quanto mais um copo, e vem-me ela com a tanga da caderneta para ganhar copos. Diz que é juntar 16 (dezasseis!) selos, um por cada vinte (vinte!) euros de compras, e terei direito aos copos deles. (Ela disse "os nossos copos".)


Vai a tonta da aldeia que me habita a espaços, e questiona, oportuna:
- Os copos todos?
(Tipo tudo desirmanado, mas sempre eram a dúzia para o enxoval.)
Vislumbro o choque no semblante da petiza, após o que responde:
- Não... de apenas dois dos copos. 
- Dois? Só dois?
- Só dois.
- Mas que brincadeira é esta? Acham que as pessoas não sabem fazer contas? Então, se tenho que juntar dezasseis selos, cada um a representar uma despesa de 20 euros, significa que tenho que gastar 320 euros para ter... dois copos? Dois copos? Cada copo custa-me 160 euros? E eu até podia ser russa (disse eu, sem vestígio de fio de cabelo loiro, sem sinais de sutak bolshoi), e servir-me de um copo de vodka, e depois atirá-lo para trás das costas quando o esvaziar... 
De novo em choque, assentindo discretamente com a cabeça, que sim, que sim, quem sabe considerando que exerce uma profissão de alto risco, lá me deu dois selos — dois, pois, porque eu sou aquela pessoa que deixa lá 59 euros e traz para casa dois selos. Com vista à obtenção gratuita de dois copos. 
(E nem há os de vodka, pelo que Я определенно один человек, который никогда, ни при каких обстоятельствах, вы должны принять супермаркет)





07/12/2016

Por montanhas e vales

A minha mãe sempre me disse que, quando subo uma montanha, nunca devo olhar para cima. Julgo que se trata de um ditado chinês, que eu muito prezo, por respeito à milenar sabedoria, muito especificamente da minha mãe. Prezo e tento cumprir, o que raramente consigo fazer quando tenho trabalhos montanhosos — com altos e baixos, com poucos vales, com subidas a pique para as quais sinto não ter forças. 
Tenho em mãos, em braços e sobre as costas, neste momento, um desses trabalhos, que me suga os dias, as noites e as horas, e que, para não variar, tem um prazo espartano. Quando o aceitei, distribuí-o por colaboradoras, dividi-o pelos meus dias, pus a fasquia no máximo de horas que posso dar — sentada, concentrada, sem começar a trocar as mãos, a meter os pés pelas mãos, a deitar as mãos à cabeça nem me virar de cabeça para baixo —, e, arregaçando as mangas, deitei mãos à obra. 
...

Estava isto a correr-me tão bem. Eu até estava a conseguir escalar sem olhar para cima e tudo. 
[Preciso de pôr-me na posição fetal e ficar num cantinho, debaixo da mesa do computador, a chorar um niquinho.]
Manda-me ontem um mail o freguês, a acrescentar tamanho ao trabalho à montanha. 
Telefona-me outro freguês, a pedir outro trabalho, acha ele que dos grandes
Telefona-me o freguês do trabalho actual, a pedir [pedir!] que aperte mais o prazo, pois tem pressa

Rio-me derivado aos nervos

Restam-me os consolos que:
1. Não terei que me incomodar com a preparação do Natal;
2. Emagrecerei [depois conto a receita, mas basicamente prende-se com a impossibilidade de me alimentar, a não ser por via intravenosa];
3. Não chegarei perto da mesa de Natal;
4. Emagrecerei [já disse?] por conta do ponto 3.

Entretanto, não saio de debaixo da mesa (de trabalho).

06/12/2016

Hoje ouvi o "Rebenta a bolha"

e ainda estou assim.
[Acometida de uma branca.]
O que é aquilo, exactamente?
Como é que aquelas carreiras acontecem?
Há público para o género?
[Itálicos nos eufemismos.]
Ninguém avisa estas pessoas que não!?

So-cor-ro. Pior do que a falta de humor e do que o mau humor, só mesmo o humor mau. 


05/12/2016

ainda

Foi um grito que me atravessou o peito pelo inesperado e incompreensível e inaceitável. A tentativa desesperada de a fazer voltar à vida, o choro de uma menina agarrada a ela, ainda crente que só ela a faria acordar daquele sono de pedra fria. 
Ainda hoje, um ano volvido, espero vê-la entrar de mansinho, mansinha, e vir aninhar-se ao pé de mim enquanto trabalho. Ainda a sinto na barriga, quentinha, quando deitada. Ainda a espero à minha espera, quando entro em casa. 
Não tenho um anjo nela, porque creio cada vez menos naquele céu onde não entram os animais. Tenho dela a companhia das saudades que me deixou e a memória de uma criatura boa, encarnada numa gata.
E a falta que ainda me faz.

~



04/12/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 46

Ponham-se no meu lugar.
Estava eu na fila para pagar, num desses supermercados da vida. Era uma caixa de pagamento rápido, e a vez seguinte era a minha. Imediatamente antes, encontrava-se um senhor a proceder ao pagamento de inúmeros géneros, tantos que encheu um daqueles sacos que se inventaram para levar tudo junto — desde o bacalhau ao champô, passando pelo enlatado e o atoalhado —, e ainda lhe sobraram coisas (ou faltou espaço no saco). Era, manifestamente, alguém que não percebeu parte da expressão pagamento rápido.
Exasperada, lembro-me vagamente de lhe ter desejado um pequeno mal, qualquer coisa que o fizesse mancar-se do transtorno que estava a provocar a tanta gente por se ter metido na caixa errada. E eis senão quando, qual cereja no topo não sei de quê, lhe cai das mãos uma caixa de tomate cherry. Foi vê-los rebolarem pelo chão de toda a área das caixas de pagamento rápido, pareciam mesmo azevinho, e pode ter sido por isso que até se me deu um interior momento musical, já que a minha jukebox mental tauteou Ai, que magia tens Natal | Que minha aldeia vens lembrar | Um pinheiro a jorrar de neve | A brilhar, Natal | Branco e sempre igual. Devo ter, por esse motivo, ficado imbuída do espírito, pois que equacionei a possibilidade de me meter na apanha do tomate para ajudar o senhor, mas vá que me lembrei a tempo de que estava de saias e então não me pareceu lá grande ideia. Mas, para me provar exactamente que eu não sou única no mundo, ao contrário do que às vezes penso, surgiram do nada duas voluntárias — ambas de calças —, que começaram a apanhar tomatinhos cherry, tão chéries, e a entregar a seu dono. No final da jorna, há uma que, com dois tomatinhos na mão, no momento em que os foi entregar ao senhor, senhores, lhe disse assim: 
- Depois tem que os lavar.
...

O que é que vocês fariam no meu lugar?
Fica o desafio.

03/12/2016

Not ok, chef

Estava ontem a ler um dos títulos do pasquim que me sai ao caminho, quer no café onde me avio do vício, quer por mail (don´t ask), que rezava, em Avé Marias várias, o seguinte: Assassina patrão por 130 euros
Não conheço os contornos da notícia, principalmente porque não a li.
Mas o primeiro pensamento que me veio, ao recordar uma específica chefe que me chefiou, foi: "Até ficou caro."
Ainda hoje tenho pesadelos em que voltei a trabalhar naquele local. Todas, sem excepção, as pessoas que trabalham ou trabalharam para ela, passam por estas quatro fases:
1. Fase Lua-de-mel — Que maravilha que é trabalhar aqui, que fixe que é a chefe;
2. Fase Primeiro-arrufo — Granda cabra;
3. Fase Querido-preciso-de-um-tempo — Se não tivesse contas para pagar, já te dizia como é que batia a porta;
4. Fase Divórcio — Caguei nas contas. Viver debaixo da ponte é melhor do que ter que trabalhar aqui.
Tem sorte por nunca ter apanhado nenhuma mais maluca, que fosse à fase 5. Fase Se-não-podes-ser-minha-também-não-podes-ser-de-mais-nenhum.
[Granda cabra, viver debaixo da ponte é melhor do que ter que trabalhar ali.]

Este é o — ou um dos — tipo(s) de pessoa que me faz(em) perguntar o que é que a(s) move: qual é o objectivo de quem tem como único o de ver os outros mal, e só estar satisfeita quando isso acontece (sobretudo se esse mesmo mal sair da própria iniciativa e responsabilidade)?

02/12/2016

Eu vou ver o Elton

Portanto, se alguém quiser saber como é LB, esse ícone, ao vivo (e, no fundo, a preto e branco), é procurar-me no meio dos milhares de paletes de gajas do melhor que há, que me acham numa boa.
Vou, e vou na expectativa de o ouvir entoar a melodia dele que mais aprecio, e ai dele que não ma dedique, mesmo que mentalmente. Por acaso, apreciava que ele também cantasse a da Diana, goodbye england rose, mas cheira-me que não vai acontecer. Está visto que gosto de o ouvir cantarolar goodbyes, já vamos todos perceber porquê.
Bom.
Estava aqui a fazer festinhas aos meus bilhetes e deparei-me com o seguro FNAC, aquela segurança que lá nos vendem cada vez que compramos bilhetes para espectáculos e, vai-se a ver, que barato, assinamos um contrato de seguro pela módica quantia de um euro.
Pus-me a ler as coberturas do seguro e dei comigo insegura, pois que há que morrer para beneficiar dele. Aquilo anda próximo de um seguro de vida que, conforme todos sabemos, é tudo menos de vida, já que apenas opera quando o seu titular, vá, morre.


Então, é isto: temos que ter um acidente a caminho do Elton ou um acidente quinze dias antes que nos ponha incapazes de ir ao evento, temos que ser roubados, (não é furtados, é roubados. Tem que haver violência ao barulho. Ou violência sem barulho, mas violência na mesma), temos que morrer, lá está, mas também só nos devolvem o dinheiro do bilhete se morrermos quinze dias antes do espectáculo, não dá para ir lá depois reclamá-lo e assim. Bom, pelo menos, sempre dá para as flores, que também estão pela hora da morte. E etecetera.
Porém, não pretendo fazê-lo antes de ver Eltoninho, uma vez que não quero morrer parva — como diz o povo! — e sinto que (pelo menos, hoje) estou parva.
Vá, até logo.

(Esta é a melhor dele. Lindinho, riquezas da sua avó.)

01/12/2016

Eu tenho problemas com tudo # 19

Às vezes tenho-me um pó que só não me sovo porque isso dói e incha. Parece que não, mas isto não é só amor-amore.
Ontem determinei-me a ir à sessão de autógrafos desse gigante que é o Guilherme Duarte. Tinha lido no blog dele que iria estar na FNAC entre as 18:30 e as 19, e encornei que havia de ser na do Colombo. Trabalhei à pressa e atabalhoadamente até quase à própria da hora, meti-me em meu super-boi a toda a velocidez que a p. da segunda circular permite àquela hora — que já é noite cerrada —, com chuva e em vésperas de feriado, ou seja, em filinha pirilau com mais não sei quantos incautos desta vida, que hão-de morar lá para lá do IC19, em Ranholas, ou assim (e não falo na Buraca, que essa a tenho em alta e grande conta desde que sei que lá foi nado e criado o próprio Guilherme). Chegada à FNAC, apercebo-me de três filinhas, também elas pirilau, de intelectuais do lançamento do livro (é um desporto ainda pouco difundido, porquê?), intentei assentar o codril, quando me deu duas coisinhas em simultâneo: uma, uma vontade inóspita e irreprimível de tomar um descafé (podem não acreditar, mas a descafeína também vicia); outra, uma dúvida sistemática ou da evidência de estar, para não variar, no local errado: assim de ladex para as cadeiras alinhadas, encontravam-se duas colunas de livros, e nenhum deles era o do meu estimadíssimo Dr. G. Ora, não me passa pela cabeça que lhe fizessem semelhante desfaçatez, a de colocar livros da concorrência a adornar a sala da apresentação do seu (dele). Depois da (des)bica, resolvi ir informar-me, já o horror me tolhia os nervos, já chico-smart era instado para revelar, afinal, onde genitais deveria eu dirigir-me para não só autografar o meu exemplar, como também para tirar aquela selfie com o autor da minha estimação. Confesso que foi já com a voz embargada e a suar em bica que me dirigi ao balcão das informações e titubiei: "Não é hoje e aqui a sessão de apresentação do livro do Guilherme?", quando, na verdade, só me apetecia gritar "Mamããããããã!", e ainda tive que ouvir a dos olhos remelgados perguntar assim: "Qual Guilherme?". Juro que estive para ir buscar um daqueles sabres de merda luz que para lá se vendem e dar-lhe com ele no meio da testa, a ver se se lhe fazia alguma. Contive o ímpeto, no momento em que ela encontrou o Qual-Guilherme no sistema e me informou que eu devia estar no Chiado naquele momento, e não ali. Tive uma inclemente vontade de vomitar os nervos, uma zonzeira de girândulas, a alcatifa a ordenar-me que me deitasse a gritar as tripas e a fazer-me ridícula, para ao menos ter um motivo para chorar as pedrinhas da calçada e os pêlos da carpete deles. Ao invés, saí tão direita como entrei, apesar de levar a alma a arrastar pela lama, ou lá pelo tapete da loja. 
Inconsolável.

30/11/2016

Estudos antropológicos que basicamente redundam em nada

Das tipas da Calzedonia do Colombo, já eu desisti. Admito que devo ter ar de quem vai comprar a loja toda, assumo que terei um ar irremediavelmente irritante, porque entro, sou mochada por uma multidão delas, que desistem de me massajar assim que percebem que não, não vou sequer levar o raio dos collants que fazem maravilhas, todas menos não se rasgarem. Desisti de tentar perceber o mau humor constante e permanente das colegas do Continente, que, vá lá, acho que me odeiam. Imagine-se que eu entro, digo o que quero, tipo, cor e tamanho, e já levo com a cara de caso/funeral/ovo atravessado de qualquer uma das que lá estão. É aborrecido, sobretudo para elas, tendo em conta que eu possuo o dom e a arte e o engenho e o super-poder e a admirável capacidade de fingir que tô-nem-aí. 
Também gostaria que alguém me explicasse aquelas cinco funcionárias do balcão da entrada do Hospital da Luz. Até são seis, visto que anda uma a cirandar, ali do lado de fora do balcão, que é a que nos aborda. O que é que deseja? [Apetece-me sempre responder a questões deste teor com Um carro, uma casa e um plano poupança-reforma como deve ser. Ou não é por demais evidente o que é que eu desejo deste balcão?], a pessoa explica, e recebe em troca um bem rasgado A colega já a chama, quando chegar a vez da senhora (que é basicamente já, pois não se encontra ali mais nenhuma alma viva), mas sem o sorriso. Depois somos vagamente chamados por uma das cinco, através de um sinal de pestanas — juro que não passa disto —, tão imperceptível, que tanto faz de qual das cinco nos aproximamos: na verdade, nenhuma está a fazer coisa nenhuma, a não ser a praticar a incapacidade para descolar os olhos — cravejados de pestanas postiças — do monitor, que imagino estará ligado ao Tinder, ao Pentágono ou simplesmente bloqueado no Solitário Spider. Repetimos ao que vamos, e ficamos ali, a admirar aquele admirável mundo novo, composto por cinco mulheres, não só todas vestidas de igual modo porque a isso são obrigadas, mas também de unhas iguais, feitas de gel, com quase um centímetro a sair do dedo, em tons que variam entre o bege e o castanho. Afinal, todas usam as tais pestanas, todas pintam o cabelo de negro-negro-negro como o meu destino à noitinha, todas se tornaram incapazes, algures no seu processo de formação, de levantar os olhos para uma pessoa, o que, lá está, é aborrecido, sobretudo para elas, tendo em conta que eu possuo o dom e a arte e o engenho e o super-poder e a admirável capacidade de fingir que tô-nem-aí.


Pela primeira vez em toda a minha existência de já largas décadas e horizontes (agora expandidos!), posso afirmar que li um livro todinho em inglês

Nem uma palavra de português!
Oh, quanta gnose para a qual me encaminho, a largas e firmes passadas, como quem alcança o abismo bom (!?)...

Temo-me. Temo tanta erudição.

CATS vs HUMAN
ANOTHER DOSE OF CATNIP
YASMINE SUROVEC
Chiu.

29/11/2016

Momentinho louro # 3

Eu passo a explicar: conheço as velas da Rituals* por ter uma em casa, da qual gosto tanto que só acendi uma vez, subitamente no ido Verão passado, que, conforme certamente estais lembrados, foi l'été meurtrier (gostei tanto desse filme, c'a Adjani), metereologicamente falando. Receosa de asfixiar a boa da vela e a boa da pessoa, assoprei-a quase de imediato, donde ela jaz até hoje de pavio curto e negro aqui à minha beira, como diria a minha avó. 
Também conheço umas outras que a Rituals oferta quando a pessoa enterra lá os seus erros, a sua fortuna, e não só o seu amor ardente porque as velas vêm apagadas. São iguais às que se vendem, mas em ponto muito pequenino, assim como que vistas do espaço.
Sucede que lá me fui desgastar para o stand da marca. E a funcionária, queridíssima, quis agraciar-me com um brinquedo que parecia mesmo uma vela daquelas, mas em ponto ainda mais pequenino, digamos que microscópica. Explicou-me que era uma gracinha, que se liga à lanterna do telemóvel e dá luz. Gemi-me logo que, só filhas, tenho cerca de três, e ela, queridézima, deu-me quatro luzinhas. Isto, apesar de eu não ter lanterna no meu telemóvel, que chico-smart é um rapaz sério e não alinha nessas mariquices. 
Dei uma a uma delas, que intentou, sem delongas (nem maiores explicações e zero dificuldades — não entendo estes miúdos de hoje em dia) colocá-la no aparelho dela. E foi aí que me desgracei duas vezes.
- Olha, a velinha dá cheiro?
- Não... só a plástico, a luz é uma lâmpada.
[Primeira]
- Ah... e não sobreaquece o telemóvel?
- Mas tu achas que é uma vela a sério, com fogo?
[Segunda]
- ...
- ...
- Ai, não é?
- ... não...

 


* Não sei por que é que NMPPI

stay

Não somos nós que não os deixamos ir. São eles que não nos deixam ficar.
Cada um que se nos vai, leva um bocado de nós — verdade como punhos, cerrados e dolorosos, de murros desferidos no coração.
Chega também um dia em que, todos juntos, já levaram a nossa maior parte. E depois o todo. 
A falta que nos fazem, fazendo-a fazer-se maior cada vez que a sentimos, é maior a cada falta.
Muitas são as vezes em que me lembro de um momento específico da minha vida: grávida de seis ou quase sete meses, chorando inconsolada por um motivo fútil que me desconsolara, vi surgir o meu pai com um chocolate na mão, os olhos enormes cintilando, para me tirar de um desgosto sem jeito, como se eu fosse a mesma de sempre. Morreu-me quatro dias depois, eu deixei de ser a mesma de sempre e foi isto que guardei.

28/11/2016

Tem-me acontecido

muito e muitas vezes, abrir um campo de mensagem nova para escrever alguma coisa, e das minhas mãos não sair nada, por a cabeça estar demasiado cheia. Depois fecho, ou elimino. Também tenho enchido a pasta de rascunhos, ultimamente.
É que eu queria falar do orgulho e da alegria imensa que vivi já há mais de uma semana — e, por isso, há mais de uma semana que dura o meu mutismo e a minha manietação —, mas não posso, pois isso iria trazer à luz a minha identidade (o que, verdadeiramente, não me preocupa lá grande coisa), mas, pior do que tudo, iria identificar uma das minhas florinhas, que eu quero preservar de eventuais dissabores que a existência do meu blog lhe possa trazer. 
Mas sabe, minha tão querida primeira boneca, que tens em mim a tua maior fã, e ó: eu também fui fada dos dentes, também eu te pus o bicho. Ainda sei com absoluto rigor onde é que se deu este diálogo, aos teus cinco anos recém-feitos:
- Ó mãe, como é que se lê?
- Junta B com A e terás BA. 
Estávamos debaixo de uma árvore, na nossa rua, e tínhamos as mãos dadas. 
Depois disso, aprendeste sozinha — honra te seja feita (mais essa) — os nomes das letras, juntaste-as às duas e duas, depois às cinco ou às sete, conforme o tamanho das palavras, e estavas irremediavelmente mordida pelo bichinho da leitura. 
Agora calo-me e já não digo mais nada, senão ainda estrago a maquilhagem.



27/11/2016

Acho que vou montar uma escola

Por contingências cá das minhas sete vidas, vi-me na situação de visitar casas na óptica da arrendatária. Logo à primeira, saiu-me na rifa um mediador que é o exemplo paradigma de tudo o que não se deve fazer quando se vai mostrar uma casa a uma chata como eu. 
Tenho alguma pena que não sejam dadas lições de etiqueta e boas maneiras a este povo da mediação, seja lá do que for. Nem quero imaginar o gesto e modo de mediadores matrimoniais, os novos mediadores familiares. 
Estávamos um homem, uma mulher (a pessoa humana) e uma jovem adolescente. O homenzinho chegou (1) magistralmente atrasado um quarto de hora, (2) sem se desculpar ou justificar, (3) estendeu bacalhau à criança, o homem ia estender-lhe a mão, vai o homenzinho e (4) recusa, com um "desculpe", de quem diz "primeiro as senhoras" [but wait, e a miúda? Foi primeiro que eu porquê? O coiso opera por ordem crescente de idades?] e, com um gesto rápido, (5) esticou a manita na minha direcção, (6) tendo-me oferecido só mesmo as pontinhas dos dedos. Deu-se que a casa era um 4.º andar sem elevador, e começámos os quatro a subir os oito lances. Deu-se ainda que eu estava de saias e (7) o homenzinho deixou-se ficar para último. Como eu não ia imediatamente na dianteira dele, ainda aguentei a cena até ao segundo andar, mas, lá chegada, e por ter sido ultrapassada e ter ficado mesmo à frente dele, decidi parar e disse-lhe que subisse à minha frente. Ele que não, que não tinha pressa (8) [a chamar-me cansada, velha e desgastada], que eu subisse à frente. Eu que a regra dita que os homens sobem à frente das senhoras, (9) mas o cavalo não percebeu. Deu-se ainda que cheguei ao 4.º andar incapaz de não lhe ferrar com um salto dos meus no joelho, que também ninguém o mandou ir quase colado a mim escadas acima. Até por questões de segurança. 
É claro que não quis a casa. 

[Os números de (1) a (9) são as falhas que o homenzinho cometeu. Nem que a casa fosse um palais e estivesse de borla. Pata que o pôs.]

25/11/2016

Segura a vela com a cabeça

Vocês não sei, mas eu preciso muito dos meus ouvidos para trabalhar. 
Já para o resto, nem tanto, tanto assim que tenho vindo a apurar o dom do ouvido selectivo, uma das muitas características que admirava e amava no meu pai. Confesso que ainda não o desenvolvi a ponto de só ouvir mesmo o que me agrada, dá jeito ou é útil, mas acho que vou no bom caminho. Digo isto, apesar de que outro dia estava no ginásio, atrás de mim formara-se uma concentração de musculados mais PT em profunda algazarra futebolística, que conseguia suplantar, em volume de som, as vozes, as máquinas, a música ambiente e o meu cérebro a fritar numa polme, e um deles largou um fod@-§e tão sonoro, que prontos, lá está: lamentei não ser surda ou, pelo menos, não ter ainda o meu ouvido treinado para seleccionar e eliminar determinados momentos da minha vida. Também não os posso silenciar, em sentido estrito, amandando-lhes com a Camorra.
A verdade é que me fazem falta os ouvidos todos, quer o direito, quer o esquerdo, quer o interno, quer o externo. 
Ora, se há característica que herdei de alguém, é a da fabricação de cera, que eu palavra que já estive para me fazer de oferecida para uma fábrica de velas. No entanto, e uma vez reconhecida a necessidade do sentido da audição, para o bem e para o mal, há que manter os ouvidos limpos. Só que os métodos de limpeza do ouvido são chatos e nem sempre eficazes. Há pouco tomei conhecimento de um, assaz peculiar, todavia amplamente eficaz, e isto sei-o porque já o experimentei na primeira pessoa do singular: o da vela que se enterra orelhas adentro, se acende com um fósforo e depois cada um faz o que quer. (Canta os parabéns à pessoa que tem a vela a arder na tola, simula o som da explosão de uma bomba, vai buscar a taça das pipocas, convencendo o desgraçado que a dele fritou mesmo, etecetera.)
Mas a sério: isto 

é o método mais infalível e poderoso de limpeza do ouvido, é absolutamente seguro e higiénico, compra-se no Celeiro* e custa para aí 7 euros. Cada caixa traz duas velas, para o caso de terem duas orelhas. 

* NMPPI


24/11/2016

Já sei que, se calhar, sou só eu

Estas anormalidades são muito ao meu estilo, e, até certo ponto, caracterizam-me. Espero mesmo que só eu tenha este tipo de transtorno, a bem da Humanidade em geral e das pessoas humanas em particular: quando estou a passar os alimentos da travessa, do tacho, da frigideira, da wok (que não tenho, mas já se percebeu a ideia) para as caixas de refrigeração (hã? O esforço para não dizer tupperwares*?), fico feliz, contente e realizada se acerto à primeira e à justa no tamanho da caixa — se ela tem, não só o tamanho exacto para a quantidade de alimento com que a enchi, como também fica cheia até acima.
(Tenho, aliás, diversos transtornos associados com as ditas caixinhas, de entre os quais ser capaz de perseguir até ao Inferno dantesco quem me leve uma emprestada e não ma devolva; também sofro de suores de todas as cores de cada vez que passo num stand daquela marca de que não vou repetir o nome e não paro e não contemplo e não compro.) 
E depois, não (suficientemente) contente com essa enorme vitória, costumo ter um daqueles pensamentos supersticiosos de adivinhação pura, provindos de uma base científica igual a nada, mas, ainda assim, epistemológica: "Ah, isto é porque me vai correr bem [uma cena qualquer]..."

* NMPPI


paralisado

Não sei se passei por eles, ou eles por mim. Também posso tê-los sonhado, quase irreais me pareceram. 
Ele estava sentado na cadeira de rodas, encostada à parede, e ela estava em pé, as pernas entrelaçadas nas dele, as ancas comprimidas contra o corpo dele, numa kizomba improvisada por urgente. Tinham um beijo de língua a desenhar-se na linguagem do silêncio só de olhos e brilho entre eles. 
Nem um nem outro correspondiam a protótipos de beleza, e eram tão belos, tão precisamente harmoniosos: ambos de fartas carnes, ambos jovens, ambos negros. Nestes três ambos se formava a imagem de um casal, se não muito apaixonado, pelo menos paralisado por muita tesão. 

23/11/2016

Devo andar a abusar da dança

Estava na fila de pagamento, a acompanhar uma menina, tinha acabado eu própria de pagar uns trapos, numa loja dessas de grande fama e péssima qualidade (mas há em mim uma auto-mutiladora-compradora-obsessiva-compulsiva-arrependida-antes-da-consumação-do-consumo), quando se colocou atrás de mim um homenzinho, talvez achando que era eu quem ia ser atendida a seguir (apesar de ter um saco da loja na mão, mas imagino que ele não terá reparado). Dei um passo para o lado esquerdo, exprimindo, através do meu linguajar corporal, que estava fora da fila. Mas ele acompanhou-me e pôs-se atrás de mim de novo. Dei então um passo para a direita, na direcção do local anterior. E ele deu também, mantendo-se atrás de mim. Pratiquei um nico de passo-toca, ou step-touch (só me faltaram mesmo as palminhas), e foi quando ele, incapaz de me acompanhar o ritmo alucinogéno, perguntou:
- Está na fila?
(Devia ter dito, "Estou, mas aflitinha".)
- Não, por isso tenho tentado demarcar uma posição que o denuncie.
- Ah. Pensei que estivesse a brincar comigo.
(A brincar. Eu.)


Enchi-me de coragem

e bati os meus recordes de idas a um cabeleireiro no mesmo dia: fui a dois.
(Isto, se quiser esquecer uma outra, que devia ficar enterrada nos anais da História, ou melhor, da história da minha vida.)
Já não sei por que é que vim cá contar isto.
Não importa.
Os dois cabeleireiros distam para aí uns cinquenta metros um do outro. Mas têm entre si duas ambiências totalmente distintas.
No primeiro, tagarelavam as tias todas, vários decibéis acima do som dos secadores.
(Serei a única pessoa que tem uma espécie de brain freeze quando todos os secadores se calam ao mesmo tempo? Nunca estou preparada e fico um nico desorientada, porque tenho o ouvido e os mióis habituados àquilo e, de repente, já não tenho.)
Cirandava por ali uma criança belíssima, que atendia por Leonor ao chamamento da avó, a quem tinha ido acompanhar.
(Acho um chique, acompanhar a avó ao cabeleireiro. Estou desejando ter netas.) (Já não vou a tempo de acompanhar nenhuma das minhas avós.)
(Deve ser por não as ter que me sinto tão desenquadrada nestes ambientes.)

Depois fui ao outro, tratar das garras. Ali grita-se, o rádio pode dar kizomba e as cabeleireiras acompanham entoando as melodias, é toda uma outra dimensão.
Entram mãe e duas filhas, Carina e Miriam. A mãe pede para cortar a franja às três. As duas crianças discutem quem corta primeiro, correm, pulam e guincham "Sou eu!". A mãe decide que corta a mais nova e, com isto, começa diante dos meus olhos a cena mais épica de birra à qual algum dia assisti. A mais velha cegou de raiva, pontapeou a parede, fez cair não sei quantas coisas, bateu com os pés no chão e as mãos, de punhos cerrados, em tudo o que apanhou, chorou aos gritos até se desfigurar, e a mãe impávida — porque há-de ser profeta daquela religião que diz "Se ignorares, aquilo passa-lhe". Não, não passa, assim como não passou. Passou-se foi a apologista da teoria bacoca, que lhe deu três ou quatro palmadas nas calças. E ela redobrou os berros. O pai entrou para saber o que é que se estava a passar e, diante do cenário, saiu ainda mais depressa. A mãe, a entrar em desespero, decidiu que a miúda já não cortava a franja. E ela retriplicou os berros. Saíram os quatro, a criança fez menção de fugir para a estrada, o pai agarrou-a pelo rabo-de-cavalo, ela caiu, requadruplicou a guinchadeira e ainda levou mais quatro palmadas. Aquilo já eram urros na minha cabeça. O que vale é que tinha as manitas metidas no forno, porque já só me apetecia bater na família toda, mais nova — que era uma paz de alma e saiu do cabeleireiro com uma franja ridiculamente curta e aos ziguezagues — incluída. Aquela cena de violência que gera violência, ou lá o que é.
(Violência doméstica é o que pratica aquela ditadorazinha para com os incompetentes que lhe saíram na rifa como pais.)
(Também não é neste tipo de ambiente que me sinto enquadrada.)

Vou continuar a procurar 
O meu mundo
O meu lugar
Porque até aqui eu só: 
Estou bem aonde eu não estou 
Porque eu só quero ir 
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem 
Aonde eu não estou

Preciso mas é de um cabeleireiro de bons e alegres mariconsos, que me tratem benérrimo, me digam que estou xtupendaça!, sblime!, xtrórdinária!, xpétacular!, um xô!, nos dias em que estou com uma mula do caneco, mas que superem com estilo e distinção as minhas piadas, o meu calão e as minhas metáforas e alegorias. Sem que me sinta uma doce parola num lado, nem uma amarga fascizóide no outro.

22/11/2016

Eu tenho problemas com tudo # 18

Uma pessoa tem o esquentador a jogar às escondidas com a água quente a meio de um banho e chama o técnico da Galp, cujo número de assistência consta de um autocolante aposto na porta que tapa o esquentador. A telefonista avisa, com uma voz muito metálica, que são € 35,00 para a deslocação, mais € 15,00 por cada hora ou fracção. Vá que isto se passa numa sexta-feira, a horas em que já não é possível o técnico ir a casa, solta-se-me a pergunta "Então e amanhã?", que sofre a resposta "Amanhã são € 35,00 pela deslocação, mais € 30,00 por cada hora ou fracção", pelo que, após desabafo "Prefiro tomar banho de água fria um fim-de-semana inteiro do que pagar esses balúrdios", ficámos acertadas para o dia útil seguinte.
(Directo para a categoria só-a-mim-não-me-saem-empregos-destes.)
O técnico entrou com três malas de ferramentas nas mãos, pousou-as no chão da cozinha e perguntou-me qual o mal de que padecia o meu esquentador. Olhou-o, mirou-o, abriu a torneira do lava-loiças no máximo, mandou-me abrir a da banheira, fez um telefonema e, quando desligou, diagnosticou: "O esquentador da senhora não tem nada."
Ah, está bem.
"Vou apenas cobrar-lhe a deslocação e esta meia-hora [!? da fâc...?] de trabalho [!? duplo da fâc...?]. São 50 euros."
Olha o pinante. 
Abro a torneira do lava-loiças de novo, a minha cozinha transforma-se num banho turco, Alcácer Quibir, mas ainda vislumbro a luz vermelha do esquentador, mostro-lha, o homem pára de "redigir o relatório" e foge porta fora, anunciando que vai lá abaixo. 
(Imagino que para perguntar a um profissional afinal o que raios é um esquentador.)
Já um nico nervosa, ameaço-o: "Olhe, despache-se lá com isso, que eu não lhe vou pagar fracções de hora ao preço de uma hora enquanto não o vejo a fazer nada."
(Também sei ser azeda.)
Reaparece, iluminado, e sentencia: "Ah. É das válvulas."
(Também podia ter dito "Ah. É da centralina". Ou "Ah. É das bielas". Por mim, excelente. Desde que também não metam o bedelho na minha profissão, sou muito respeitadora da dos outros. Têm é que fazer o favor de a exercer.)
"Então", continuou o profissional, "a substituição das peças são 211 euros e tem seis meses de garantia. Se a senhora optar pela substituição do esquentador, nós temos um muito semelhante [que ele, não sei porquê, há-de ter achado que eu queria igualzinho, uma vez que me dei tão bem com este modelito], que lhe fica por 399 euros".
Fiquei tão nervosa que, em vez de fazer a pergunta lógica, "Porquê 399 e não 400?", perguntei: "Mas as peças são velhas ou quê? Seis meses de garantia?". 
Parece-me que me mandaram um comercial a casa, e não um homem a sério, desses que nos desmontam o esquentador, lhe dão três marretadas com um maço, suam as estopinhas para voltar a montá-lo, atendem o telefone à mulher, tratam-na por "ó filha" e dizem que querem feijoada para o almoço, ficam com as mãos, grossíssimas, ainda mais negras de tanto mexer em máquinas, aspiram um bocado de monóxido de carbono para provar em como aquilo "já está", sopram no botão de ignição até assobiar, mostram-nos o cotão e a rolha de gordura que dali sai, e vão-se embora com um "Está para mais vinte anos", ou um "Ele há-de morrer, mas não é hoje", depois de arrumarem as ferramentas, exibindo o início do rabo gordo quando se agacham para o fazer. 
Que saudades do meu Meireles, que tinha cara, voz e ar de bêbado, mas nunca me enganou.