16/11/2013

Há dias em que não devíamos sair de casa. Da cama.

Já com o olho na quadra, planeei ir ao Chiado com uma das gajas para lhe comprar um casaco na Blanco, com vista a colocar-lho no sapatinho. Estão a acompanhar? 

Decidimos ir de metro, dada a lonjura e a chatice que é estacionar na Baixa. Sinceramente, parece-me que tínhamos tudo tão bem planeado, não sei como é que correu tão mal.

À ida para lá, logo na primeira estação de metro, ela começou a sentir-se mal. Eu sugeri voltarmos para trás, mas ela não quis. As dores de barriga dela aumentavam à medida que nos afastávamos do ponto de partida e nos aproximávamos do ponto de chegada, sempre comigo a insistir para voltarmos para trás e com ela a insistir que melhorava... piorando. Pedi-lhe que fizesse respiração de cão e ela fez, mas piorou.

A chegada ao Chiado foi épica. Ela ia dobrada de dores e estávamos a quatro lances de escadas rolantes da pastelaria mais próxima, se não contarmos com as escadas de cimento de saída da plataforma. Só tivemos tempo de subir as escadas rolantes todas, parar na Brasileira e pedir uma água das pedras. Mas ela piorou. Fomos para a casa-de-banho, a ver se ela vomitava, mas não conseguiu e piorou mais ainda. Encontrei umas moedas no chão da casa-de-banho e, em vez de fazer o que me competia, que era segurar na cabeça dela, apanhei as moedas. Eram € 5,70 o que, nos dias que correm, não se pode desperdiçar. Levei-a para a esplanada e nada a fazia melhorar, enquanto eu começava a sentir frio e desconforto e a amaldiçoar a minha vida porque não fiz o que me disse o primeiro impulso - volta para trás. Agora estava na esplanada da Brasileira, a 30 metros da Blanco e sem poder lá ir, com frio, a acompanhar uma pessoa que só lhe faltava desmaiar no passeio, nota zero para os empregados da Brasileira, que não ofereceram qualquer espécie de ajuda. E para a funcionária que estava à entrada da casa-de-banho, a limitar as entradas, a pedir a toda a gente a mesma coisa e a ouvir de toda a gente a mesma resposta: "Só com talão de consumo", "Ninguém me deu talão nenhum". A mesma que, quando eu lhe disse: "Ela está a sentir-se mal", nem ó burro queres água. Levantasse mais vezes o cu e os € 5,70 eram dela. Azar dela. Ou azar meu?Pensava eu nisto tudo ali sentada na esplanada, o Fernando Pessoa estático e indiferente, os pombos a passar, as pessoas todas a ignorarem o nosso drama, vai a gaja e queixa-se que tem um pêlo da camisola a entrar-lhe no olho, no segundo seguinte cola-se-lhe à lente de contacto, no preciso momento em que eu faço o seguinte raciocínio: "No metro não me meto com ela neste estado, para apanhar um táxi tenho que ir levantar dinheiro e deixá-la aqui a cair para a frente sozinha, depois a saga seguinte é desencantar um táxi e voltar a deixá-la aqui sozinha, e depois dizer ao taxista que espere aí que vou ali buscar uma pessoa que não está nada bem...", vai daí ela diz-me aquela merda do pêlo na lente e eu pensei que me ia dar um stroke público, porque só me apeteceu levantar a merda da mesa pelos ares e gritar ali em bom português para aqueles estrangeiros todos das máquinas fotográficas: "Fo**-se, mas hoje tudo me acontece, cara***?". O que vale é que eu sou uma senhora, mantive a compostura e ainda me apeteceu chorar, por cima. Tirei-lhe o pêlo da lente sem lhe arrancar a lente, liguei a um dos meus SOS que nunca me falha, agarrei nela e levei-a quase em braços, o raio da blusa a largar pêlo cor-de-rosa para cima do meu casaco e da minha alma, fomos até à Rua da Misericórdia - nem de propósito -, onde apanhámos a boleia salvadora.

Moral da história? Segue sempre o teu primeiro impulso e - sem excepção! - o teu instinto. Esses nunca te falham. 

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