09/09/2014

Não será antes ao contrário?

Estava eu ao balcão de um cabeleireiro, mas do lado de cá, que é o da freguesia, não porque me tenha lá ido pentear - porque, conforme sabeis, eu fujo de cabeleireiros como os outros do dentista e o diabo da cruz e o diabo a sete -, até porque eu não me penteio, já chega de chatices com estas ondas todas para ainda lhes meter aqui o pente, mas estava ali por circunstâncias, e chega-se uma mulher ali assim e diz para o rapaz que se encontrava a atender ao balcão - tão giro e tão homo, olha o desperdício - qualquer coisa como que estava descontente com a manicure que lhe haviam feito ali, e que estava ali "para reclamar". Eu pus as aspas porque foi mesmo isto que ela disse, sic. Fiquei atenta, até porque sou insuportavelmente curiosa, mas, basicamente, porque não tenho nada para contar e sempre ficava com uma coisinha para vir contar ao blogue. E cá estou. Reparei, então, que se tratava de uma mulher com cerca de setenta aninhos já completos, cabelo seco como um carapau, pele tisnada, porque há peles que chegam aos 70 como se tivessem 90 (safo-me eu que, com os meus quase 80, ainda aqui estou que pareço uma rapariga, mas isto não é para todas e eu não sei se deva revelar o segredo do meu sucesso) e unhas lascadas. Da idade. Cabelo velho, pele velha, unhas velhas. E desenvolveu a queixa, que tinha feito manicure há uma semana e tinha as unhas que era uma vergonha. E eu olhava para aquilo assim a pensar: "Manicure normal, há uma semana, nessas unhas que, ainda por cima, se meteram no detergente entretanto, ai que até estão fixes para aguentar mais uma semana". O boneco dizia-lhe que era a primeira pessoa que se ia queixar da Rita, e ela insitia que também tinha queixas da Paula, aparentemente a outra manicure do mesmo cabeleireiro. E ele que nem da Paula algum dia alguém se queixou. Pura perda de tempo com argumentos, diante de uma pessoa que vê o mundo do avesso e não percebe que as unhas dela é que são uma boa bosta, em cima das quais não se pode fazer um milagre.

Isto lembrou-me um casal, que tem um café, aqui assim no meu bairro, mas um daqueles cafés que não dá para perceber muito bem o que é que querem da vida. Não é restaurante, mas serve umas coisas a imitar almoço. A primeira vez que lá fui, a dona do café, moça de carnes abastadas e faces coradas, que sorri sempre e incondicionalmente, vinha a dirigir-se para uma mesa, de tabuleiro na mão, quando desequilibrou o tabuleiro e despejou o conteúdo da lata da bebida em cima da cliente que estava à espera de almoçar. E, qual surpresa, a reacção imediata da desastrada, foi "Ai, deixe lá, os acidentes acontecem", tal e qual como se a cliente é que tivesse a culpa de estar ali no percurso do líquido, que era suposto e extremamente normal voar naquela direcção, nem o desastre se daria, não fora aquela inoportuna estar ali sentada à espera de almoçar. Outro dia voltei lá, porque eu gosto de sofrer. Mas não sofro em silêncio, para mal de pessoas como aquela. Peço uma fatia de quiche de espinafres - que ela tem na montra e apenas tem que aquecer 60-59-58-57-56... segundos no micro-ondas - e ela demora a chegar até mim, vá, cinco, dez, quinze minutos e saltou-me a rolha do melhor champanhe. Era ver as miúdas da secundária a entrarem aos magotes e a minha boa amiga a aviar baguetes como se não houvesse hoje. E, indelicadamente, pergunto assim: "Mas que raio de desorganização é esta? O que é que se passa aqui hoje?". E vai ela e responde-me assim para mim: "Ah, é que chegaram todos ao mesmo tempo!". Ou seja, as miúdas da escola secundária, eu e mais uns quantos que iam comigo. Devíamos ter chegado um de cada vez, que era para não baralhar o fusível à dóna Lídia. Olha, pá, PQP, que eu não volto cá, pensei eu assim para mim. Então, já percebi: o cliente é que nunca tem razão.

Agora pergunto-me: um dia eu vou ter as unhas todas lascadas e vou chatear as manicures do mundo porque toda a gente tem que ter a culpa das minhas lascas? Vou atribuir as culpas dos meus males a toda a gente menos a mim mesma, à sorte, ao destino, ou à passagem do cometa Halley? A sério que isto me preocupa, porque, com esta especial tendência para reclamar de tudo (já escrevi uma verdadeira enciclopédia, só com a quantidade de queixas que apresentei em livros de reclamações!), será que, um dia, não começo, também eu, a ver tudo ao contrário, e aquela velha das unhas lascadas, ou a gorda das faces coradas, não posso ser eu?

2 comentários:

  1. Olha, a velha tinha razão :D

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    1. A sério? :D
      Está visto que não pesco nada de manicure que não seja eu a mim mesma. Uma semana é bom, 10 dias é excelente!
      E está visto que serei a velha das unhas lascadas! :D

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