30/08/2022

Eu tenho problemas com médicos # 31

Tenho quase a certezinha absoluta que, se conhecesse uma pessoa como eu, fugia dela a sete ou oito pés. Há dias, como hoje, em que pareço desvairada.

Hoje foi dia de tratamento plus consulta. Entrei no serviço um nico desmoralizada, com receio de que me acontecesse o mesmo que ontem: sorvi uma hora de espera naquele salão inóspito. Mais do que a doença, custam os tratamentos; mais do que os tratamentos, custam as esperas. Porém, nem teriam passado cinco minutos de me ter posto com cara de sala de hospital — a explorar sites de roupa bonita — quando ouço o meu nome no altifalante, a chamar para o tratamento. Rápido, como sempre (a não ser naqueles segundos em que não posso respirar e só me passam disparates pela cabeça, para além das placas da máquina), lá fui para o vestiário preparar-me para voltar ao salão e esperar duas horas pela consulta. Ainda só tinha puxado o fecho (nas costas) do vestido, ouço o meu nome a ser chamado para o gabinete oito, enfiei Natércia até aos sobrolhos e, ainda com o colar na mão, dei mais corda à alpercata corredor afora, na gula de não perder a vez. Dez metros volvidos, entro de rompante no gabinete do médico, “Ai, desculpe, senhor doutor, mas é que estava no vestiário e ouvi o meu nome”, tudo isto enquanto endireitava Natércia, sem espelho nem nada. (Devo ter posto o risco ao meio, que é para aí o pior penteado de sempre para mim, fico a parecer o John Lennon. Ou a Yoko Ono.) O médico consultou-me em cerca de três minutos — sem queixas —, quis ver a minha pele — sem queimaduras —, pelo que comecei a preparar-me para me ir embora. Puxei outra vez o fecho do vestido (saudades do meu cirurgião, que sempre mos desceu e subiu, com a desculpa de que essa é uma das tarefas para as quais um homem serve), quando reparei que tinha atirado o sutiã para cima da marquesa, para onde lançara também a mala de mão e a pasta com os cartões necessários. Já não podia, porque não queria, voltar a abrir o fecho do vestido. Azar meu: as minhas malas de mão são minimalistas, cabe lá dentro o telemóvel, as chaves de casa e carro e uma nota de quinhentos euros, mais nada. Sorte minha: tenho ordens para só usar sutiãs sem arames, portanto foi só amachucá-lo o melhor possível e sair de telemóvel na mão. Nem imagino o que teria feito se levasse um desses com arames e caixas. Se calhar, tinha que esquecê-lo e deitá-lo para o cesto dos papéis. Teria sido tão mais constrangedor. Assim, foi só engraçado, ver a cara do médico.