Às vezes, apetece-me desistir. Parar agora e sentar-me, a esperar para ver. Estou farta de salas de espera, já agora. Cansei-me de casais de reformados que vão juntos aos tratamentos de um deles. Se é ela que está doente, ele pavoneia-se de um lado para o outro, as plumas de pré-viúvo ainda — considera ele — em forma, todas no ar. Há um que, assim que a mulher vem lá de dentro, faz uma espécie de vénia a quem está sentado (onde me incluo) e, histriónico, deseja as melhoras e acrescenta um “até amanhã”, que me irrita a ponto de ter vontade de o mandar à merda ou fazer-lhe aquele gesto do dedo. Intimamente, mando mesmo, às vezes até para lugar mais fálico e menos escatológico, reviro os olhos e nunca respondo. A educação de águas límpidas que me foi fornecida não me obriga a ser simpática com pavões, cláusula primeira. Se é o homem que está doente, lá vão elas de unhas dos pés verde fluorescente, exagerando nas mesuras e cuidados (“Queres um pãozinho?”, “Uma bolachinha?”), rainhas do esmero, em compensação tratadas como criadas, fazendo de conta que não ouvem a resposta brusca e o mau modo constante. Precisavam eles de uma igual àquela cigana (ups, disse) que outro dia consolava o marido birrento, “Já disse que não vou, ninguém me obriga”, batendo com o pé no chão: “Mas a doutora não disse que o tratamento é para te curar, é só para te tirar as dores”. Depois, há o senhor de cadeira de rodas que só tem meia perna e veste calções de ganga, o coto todo à mostra e uma cruz desenhada a caneta Bic no lugar da cicatriz. Há as mulheres e os homens também que, como eu, vão sozinhos ao tratamento, porque aquilo são meia-dúzia de minutos, não dói no corpo nem dá efeitos secundários imediatos. Há a rapariguinha negra, de vestidinhos floridos e justos como os de uma criança, que dorme sempre. Invejo-lhe a tranquilidade e a alienação, quando afinal até é fácil deduzir que ela está muito mais doente do que eu. Há os da etnia, que vão em grupo para o tratamento de uma delas. Há as senhoras de idade, de touca ou de peruca sintética, que têm todo o tempo do mundo e as longas esperas não parecem afectá-las em nada. Há os magros como cães famintos, que não inspiram coisa nenhuma, a não ser talvez espanto. Parecem saídos de um campo de concentração e têm todos aquele mesmo olhar que vemos nas fotografias de Auschwitz. De vez em quando, passa uma maca ou uma cadeira de rodas, à partida ou à chegada de uma ambulância. Já não olho.
Dizem-me, quando me vêem ir abaixo, que falta pouco. Não falta pouco, não senhor. Faltam treze vezes este outro mundo, que, mesmo que — por um paradisíaco absurdo — esperasse só um minuto de cada vez que ainda terei que lá ir, seriam sempre treze minutos de inferno para enfrentar.