Na Radioterapia todas as mulheres são iguais: cabelo muito curtinho, roupa prática — fácil de despir, geralmente da cintura para cima —, sandálias rasas. Uma usa meias cirúrgicas bege debaixo das sandálias, os dedos à mostra, as unhas pintadas. Algumas ainda com a touca oncológica, um lenço, quase todas com as sobrancelhas em tímido renascimento. Os homens também são todos iguais, mas a eles bastam dois centímetros de cabelo para já não “parecer”.
No salão de espera, estão apenas duas perucas: a de uma senhora de idade, que se maquilha até à exaustão, usa vestidos de flores e sandálias douradas, e a minha. A dela é sintética — sem movimento, com o brilho do nylon, parece (e, eventualmente, estará) carregada de laca —, porém combina na perfeição com todo o restante cenário. Tem franja, é cor de cobre, bate nos ombros e é enrolada para fora. Há uma harmonia com as sobrancelhas tingidas a lápis, os lábios de borrões vermelhos, o blush gritante, o sorriso exausto mas ingénuo. Eu levo os meus vestidos de sempre, a bela Natércia e sapatos fechados, sob a forma de alpercatas, claro que de cunha de oito centímetros. Não posso mostrar as minhas unhas dos pés. A quimioterapia simplesmente destruiu-as e o meu organismo ainda não as reconstruiu.
Um a um, somos chamados lá para a câmara de ficção científica. As técnicas muito técnicas, como treinadores de futebol, há muito pouco espaço e tempo para uma piada, um sorriso, uma gargalhada. As minhas ficam todas suspensas no nada. Estou rodeada de pessoas que consideram que alguém com cancro tem que estar sempre aos miares e suspiros. E não há lugar para um bom bâton borrado pelos dentes afora, nem para o campo de flores que um vestido pode carregar.