23/11/2016

Enchi-me de coragem

e bati os meus recordes de idas a um cabeleireiro no mesmo dia: fui a dois.
(Isto, se quiser esquecer uma outra, que devia ficar enterrada nos anais da História, ou melhor, da história da minha vida.)
Já não sei por que é que vim cá contar isto.
Não importa.
Os dois cabeleireiros distam para aí uns cinquenta metros um do outro. Mas têm entre si duas ambiências totalmente distintas.
No primeiro, tagarelavam as tias todas, vários decibéis acima do som dos secadores.
(Serei a única pessoa que tem uma espécie de brain freeze quando todos os secadores se calam ao mesmo tempo? Nunca estou preparada e fico um nico desorientada, porque tenho o ouvido e os mióis habituados àquilo e, de repente, já não tenho.)
Cirandava por ali uma criança belíssima, que atendia por Leonor ao chamamento da avó, a quem tinha ido acompanhar.
(Acho um chique, acompanhar a avó ao cabeleireiro. Estou desejando ter netas.) (Já não vou a tempo de acompanhar nenhuma das minhas avós.)
(Deve ser por não as ter que me sinto tão desenquadrada nestes ambientes.)

Depois fui ao outro, tratar das garras. Ali grita-se, o rádio pode dar kizomba e as cabeleireiras acompanham entoando as melodias, é toda uma outra dimensão.
Entram mãe e duas filhas, Carina e Miriam. A mãe pede para cortar a franja às três. As duas crianças discutem quem corta primeiro, correm, pulam e guincham "Sou eu!". A mãe decide que corta a mais nova e, com isto, começa diante dos meus olhos a cena mais épica de birra à qual algum dia assisti. A mais velha cegou de raiva, pontapeou a parede, fez cair não sei quantas coisas, bateu com os pés no chão e as mãos, de punhos cerrados, em tudo o que apanhou, chorou aos gritos até se desfigurar, e a mãe impávida — porque há-de ser profeta daquela religião que diz "Se ignorares, aquilo passa-lhe". Não, não passa, assim como não passou. Passou-se foi a apologista da teoria bacoca, que lhe deu três ou quatro palmadas nas calças. E ela redobrou os berros. O pai entrou para saber o que é que se estava a passar e, diante do cenário, saiu ainda mais depressa. A mãe, a entrar em desespero, decidiu que a miúda já não cortava a franja. E ela retriplicou os berros. Saíram os quatro, a criança fez menção de fugir para a estrada, o pai agarrou-a pelo rabo-de-cavalo, ela caiu, requadruplicou a guinchadeira e ainda levou mais quatro palmadas. Aquilo já eram urros na minha cabeça. O que vale é que tinha as manitas metidas no forno, porque já só me apetecia bater na família toda, mais nova — que era uma paz de alma e saiu do cabeleireiro com uma franja ridiculamente curta e aos ziguezagues — incluída. Aquela cena de violência que gera violência, ou lá o que é.
(Violência doméstica é o que pratica aquela ditadorazinha para com os incompetentes que lhe saíram na rifa como pais.)
(Também não é neste tipo de ambiente que me sinto enquadrada.)

Vou continuar a procurar 
O meu mundo
O meu lugar
Porque até aqui eu só: 
Estou bem aonde eu não estou 
Porque eu só quero ir 
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem 
Aonde eu não estou

Preciso mas é de um cabeleireiro de bons e alegres mariconsos, que me tratem benérrimo, me digam que estou xtupendaça!, sblime!, xtrórdinária!, xpétacular!, um xô!, nos dias em que estou com uma mula do caneco, mas que superem com estilo e distinção as minhas piadas, o meu calão e as minhas metáforas e alegorias. Sem que me sinta uma doce parola num lado, nem uma amarga fascizóide no outro.

6 comentários:

  1. Olha eu vou sempre à mesma cabeleireira anos e anos e anos.
    Ela atrasa-se, eu odeio. O meu marido fica muito indignado porque é que eu continuo a ir lá, se ela está sempre atrasada e eu odeio atrasos.
    De cada vez - muito raramente - que vou a outra, relembro-me logo porque é que mantenho a minha.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu vou ao cabelo a uma e às unhas à outra, porque a manicure da primeira está sempre mal disposta e não me apetece ter que conviver.
      Mas também, pelo que vi na das unhas, se cortam assim franjas, não me apanham lá para cortar o cabelo...

      Eliminar
    2. Antes de mudar para a estéticista onde vou agora também era assim.
      Na minha cabeleireira deixei de gostar da estéticista, na estéticista não gostava da cabeleireira.
      Agora esta nova estética não tem cabeleireiro.

      Eliminar
    3. O importante é que nos tratem bem. E aquela manicure não é mal educada nem bruta, mas está sempre numa má onda de tal maneira, que eu prefiro ir à outra.

      Eliminar
  2. Eu vou a um pertinho de casa, ele (é um homem quem corta) é simpático e calado acima de tudo!! Não há cá conversa de circunstância (excepto a normal de lá ir há tantos anos, tudo bem? os miudos? a escola corre bem?)
    A esteticista também é um amor e, apesar de eu a achar um pouco vagaroso, faz um excelente trabalho.... e caladinho como ele! Para mim (que detesto ambiente de cabeleireiro) é ouro sobre azul :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Os calados são os melhores. O problema, no meu caso, sou eu, que não me calo, e tenho conversa até para as formigas. Mas também detesto ambiente de cabeleireiro. Devia reformular todo o meu comportamento :)

      Eliminar