São estranhos, e são-me estranhos, quem estranhamente me pede que lhe tome conta dos pertences, aninhados sob o guarda-sol, enquanto vai ao mar. Quem lhes diz — que quem vê caras —, que eu não sou uma gatuna disfarçada de pessoa boa, ou então não sou — e é que sou, mas isso eles não sabem nem sonham — a maior distraída do planeta, ou, se não, pelo menos da praia toda? Tanto posso fixar toda a atenção de que sou capaz no espaço que me pediram para guardar, qual cão de fila, como basta que me voe rasante uma joaninha, voa, voa, e lá se me vai a incumbência pelos ares, atrás das asas de pintinhas pretas. Portanto, existe uma hipótese em mil de eu ser a pessoa certa para cumprir tal desígnio, mas, vá-se lá saber porquê, é a mim que toca, indiferentemente de pouco parar na toalha, e isso é coisa que qualquer um dos outros que me rodeia pode constatar logo aos dez minutos de vizinhança.
Lembro-me das barracas, todas alinhadas junto às rochas, numa primeira fila de quem chega à praia, última de quem vem do mar. À frente, uma fileira de toldos, outras vezes duas, conforme o mar estava de feição, e de manhã estava sempre. Eram de pano-cru grosso, branco também ele cru, aquelas barracas da Caparica, enquanto nas praias de todo o país as plantavam de lona riscada de grosso. Em poucos dias, se faziam vizinhas vovós, titis e babás (que, na altura, se chamavam empregadas, ou criadas), trocando receitas, projectos de crochés, artes de tricôs e competências no espalhamento de cremes, entre o Benzibel e o Nivea da lata azul. Protegiam-nos com gordura branca, espessa, incómoda, e com um cheiro de infância que nunca mais nos abandonou a pele e os sentidos. Creio que foi nessa época que nasceu a vizinhança de confiança, a quem se podia entregar a barraca inteira, enquanto se acompanhava as crianças ao mar: Importa-se de tomar conta da minha barraca, enquanto eu vou ao mar com as crianças?, jeitinho que era retribuído pouco tempo depois.
Por isso, não sei como é que alguém me confia a sua barraca, poucos minutos após aterrar na areia, logo a mim, a quem as pintas das asas de uma joaninha são capazes de levar toda a atenção.
deve ser, porque ainda cheiras a branco daquela infância bem vivida.
ResponderEliminarboa noite Linda.
um beijinho
Que comentário tão bonito, Mia :)
EliminarSe for por essa razão, dou por bem empregue todo aquele creme espesso com que me besuntaram.
Boa noite, um beijinho também para ti
E a bola da Nívea a dominar a praia... fiquei aqui a assistir à cena toda, desses tempos e de agora. Para além de ser igualmente distraída, fico sempre a pensar que o excesso de responsabilidade que sinto é proporcional ao excesso de confiança que depositaram em mim. Não gosto nada que me peçam esse tipo de coisas. Joaninha voa, voa!
ResponderEliminarNem eu, Teresa. Pode ser um egoísmo, mas acho que é mais por medo de que aconteça alguma coisa e depois ainda tenha que ouvir um ralhete.
EliminarÉ isso mesmo, voa!