21/09/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 51

Atravessava segura a pessoa as avenidas, calções floridos de flores torneantes, à hora de ponta pedonal que é a do almoço, por entre pinos e traves plásticas delimitadores da obra que Santa Engrácia, a padroeira, encomendou sabe-se lá a que presidente de Câmara, com as habituais delongas, pensando para com o fecho éclair e um único botão,
Se eu fosse presidente da Câmara, mandava pintar todos os prédios de azul, 
quase exactamente como um ali mesmo ao pé, especificamente como um que está parado num azul de céu bom nos Restauradores, à rua das Pretas, 


quando pára diante do sinal vermelho que a obriga a parar — não vá vir de lá um, e a cada um a sua vez —, lado a lado com uma mulher de calças pretas, e é surpreendida por uma voz feminina, mesmo atrás de si, que quase grita para aquilo que traz dependurado da orelha:
- Pá, 'tá aqui uma gaja com um cu que tu não imaginas. 
Vai que a pessoa ainda se detém mais detida, reclusa do espanto, presa por um fio do pensamento liceal à solta MQÉEM?, a mala pesadíssima a baloiçar na manita, Olha, tu queres ver que é hoje que há uma que sente o peso disto na dentadura?
Talvez porque a linguagem corporal é a que grita mais alto, continua a destravada, esclarecendo:
- A gaja está com umas calças de plástico, a imitar pele, mas tem um cu que havias de ver. Mesmo fixe.
E vá que o sinal abriu para verde, avançou a pessoa, avançou a do cu e avançou a telefonista; a pessoa, agastada, abrandou o passo para tentar "perceber": uma, verdadeiro saco de gatos, o plástico preto contendo dois à briga, bamboleantes, flácidos, gigantescos; a outra, mal uma criança, dezasseis anos de vento em popa, ou talvez em proa, todo na cabeça. 
E prosseguiu, considerando a alta probabilidade da veracidade do estudo que diz que o abuso do uso de telemóveis frita as sinapses.
Fssssh.


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