19/10/2021

Gostaria muito de ser diferente, e não esta troca-o-passo que sou

Um bocadinho também troca-tintas, mas isso agora não é para aqui chamado.
Tudo começou porque tinha o cartão de entrada no ginásio no porta-luvas de Rosinha e não me lembrei de o meter no saco quando saí do carro. Estava a uns bons cento e cinquenta metros do recinto, saltos altos, eu toda proa a abanar a popa até lá. Só à porta me apercebi da falta do cartão, pedi à entrada um de empréstimo, lá o jovem foi imediato na prestação, mas também naquilo que entendi como uma praticamente óbvia ameaça, elucidando-me de que iria ficar “penalizada” por não sei quanto tempo, impossibilitada de marcar aulas, atirada para a valeta dos utentes de segunda categoria, só faltou dizer-me que teria que ser praxada na sala de treino, encher flexões com um gorilão suado e tatuado às cavalitas até suspirar os pulmões para um tapete. Eu ai que não gosto de ameaças, sei inclusive que configuram um crime p.p. no Código dos Cães (assim conhecido porque todas as normas começam pela palavra “quem”), olho para o relógio e restam-me uns impossíveis (sobretudo com aquelas tamancas calçadas) doze minutos para chegar ao carro e voltar. Acometida por uma luminária, calço meus ténis (ou sapatilhas, chiu), arranco o vestido mesmo à super-herói, dou graças ao Senhor por já ir equipada por baixo, isto tudo a um tempo, fecho o cacifo com o cartão do ginásio e dou corda aos sapatos, que é como quem diz, saí e voltei como se tivesse tomado aquela bebida do boi encarnado: velocíssima. No regresso, de tal qualidade fora o sprint, ainda me sobravam quatro minutos até a aula começar, que aloquei mentalmente para ir fazer um bom chichi, encher a garrafa de água e ir aquecer os tornozelos e as nalgas para a sala. 
Entreguei o cartão ao balcão, e foi aqui que me forniquei. Não sei o que é que me passou pelo presunto, mas achei, com certeza, que o cacifo ia adivinhar que o meu cartão era o correcto para o abrir, apesar de o ter fechado com um outro. E é claro que não abriu. 
Lá corri de volta à portaria, pedi que me devolvessem o cartão emprestado, mas a azeda que estava de plantão naquele momento mostrou-me onde o tinha posto: numa caixa cheia de cartões, todos iguaizinhos uns aos outros, como filhos da mesma mãe. Entrementes, o meu tempo, forças, paciência e nervos a esvairem-se-me poros afora.
E foi assim que fiz uma aula de dança apertadinha para fazer chichi, porém, e em compensação, sem uma gota de água para beber. 

(Como é que abri o cacifo? Fácil: com as pestanas. No fim da aula, fui ao balcão expor o assunto que ali me levava, e o rapaz que me atendeu deu-me uma chave-mestra. Coisa que a azeda não podia ter feito, está bem de ver. Porquê? Vamos lá todos sentar aqui no chão um bocadinho a meditar nas razões dela.)

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