18/08/2021

Sorrir e acenar

Aqui o ser vivo a acercar-se do edifício do ginásio — voltei a dançar, após pausa de quase um mês. Zero entusiasmo, pareço sinto-me sou uma esfregona —, e surge, na direcção oposta, alguém pertencente ao sexo masculino, de calças de fato de treino, t-shirt, chinelos de praia e capacete de protecção. Virou o dito na minha direcção e acenou entusiasticamente. E digamos que devolvi o cumprimento — após olhar à volta e verificar que não se encontrava por ali mais nenhuma alma viva para quem o esbracejar se dirigia —, embora desconhecesse profundamente de quem se tratava.

E isto acontece-me recorrentemente: alguém me acena/ deseja “bom dia” na rua. E retribuo. Tudo isto, porquê?

1. Porque temo que seja alguém que eu conheça e passe por mal educada/ distraída/ chalupa;

2. Porque temo que seja alguém que está a confundir-me com outro alguém, e que esse outro alguém passe por mal educada/ distraída/ chalupa;

3. Porque temo que seja alguém que está convencido de que eu sou uma estrela de cinema e, antes que venha pedir-me um autógrafo, já vou acenando um adeusinho;

4. Porque temo que seja efectivamente alguém que não me conhece, mas que se convença que eu sou convencida, perante a ausência de resposta gestual da minha parte;

5. Porque temo que seja algum serial killer que esteja apenas a efectuar a primeira abordagem pré-homicídio, e que, se eu for simpaticazinha, até me poupe o coiro;

6. Porque temo que seja alguém que vem pedir-me dinheiro emprestado e tenha que responder-lhe um clássico muito meu: “Não posso, também estou a precisar”;

7. Porque temo que seja alguém que vem pedir-me indicações de trânsito, quando eu nem o nome da perpendicular à minha rua sei, e estou no mesmo lar há vinte e oito anos;

8. Porque temo que seja algum tarado que venha oferecer-se para me fornecer três segundos de felicidade pura;

9. Porque temo que seja alguém que pense que eu posso oferecer-lhe três segundos de felicidade pura, a troco de dinheiro;

10. Porque temo que seja um chato que quer vender-me a banha da cobra/ a própria mãe/ o Mosteiro dos Jerónimos/ cogumelos alucinogénicos e eu não tenha como dizer que não porque estou num dia de acéfala.

Por acaso, uma boa parte destes temores todos não são bem verdade. Mas dez itens compõem melhor o ramalhete.

Adeusinho (com aceno).



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