Então, estou a chegar ao areal para cumprir o segundo turno do dia, e verifico que, no colmo destinado às pessoas com mobilidade reduzida, precisamente ao lado daquele que me calhou na rifa — e durante a manhã ocupado por três adultos e um bebé plus carrinho —, se encontra deitado um homem jovem, estático, tapado com uma toalha de praia, e com os óculos de sol colocados. Por constatação através de auto-análise e também por mo dizerem, sei que os meus raciocínios vão invariavelmente pelos caminhos mais abstrôncios, mas também tenho a declarar em minha defesa que — e repito — o senhor estava deitado à sombra do colmo destinado a pessoas com deficiência/ dificuldades várias. Por isso, o que é que eu pensei?
1. É paraplégico. [O homem não se mexia.]
2. É invisual. [Por causa dos óculos.]
3. É paraplégico e invisual. [Mas quem raio veio largar uma pessoa com este grau de deficiência à sombra de uma palhota com este calor?]
4. Está morto.
5. Morreu agora mesmo?
6. Chamo o Salvadooooor, ou não merece a pena?
7. Morreu há horas e daqui a bocadinho cheira mal.
8. Chamo a Polícia Marítima ou deixo estar?
9. Trouxeram-no já morto e depositaram-no aqui.
10. Chamo a Polícia Judiciária?
Subitamente, ele moveu-se: um dedo de um dos pés denunciou-o vivo. Uma sereia cheia de pernas acercou-se dele e chamou-lhe “luz dos meus olhos”, oferecendo-lhe uma bola de Berlim e afagos vários, consolando-o de
ter sido
vacinado
contra o vírus.
E estar dói-dói.
Reenfiei-me dentro do meu António, que há um ano carrego dentro do saco da praia — mais de um quilo de papel e penas —, e cuja leitura estou mesmo, mesmo a terminar (faltam umas penosas oitenta páginas, vá) — o que é bom, pois está a deprimir-me um nico, senão a tornar-me uma pessoa humana algo tétrica.
Fui googlar abstrôncio 🤣
ResponderEliminarBoas férias ❤
Adoptei da rapaziada cá de casa, acho que nem existe :)
EliminarObrigada, Be. Para vocês também, se ainda não fizeram ❤