A primeira vez que a vi, apercebi-me de que algo se passava — ou não — com as patas de trás, misturadas numa confusão inerte com a cauda. Depois confirmei, quando a vi deslocar-se com a força das patas dianteiras, arrastando as traseiras e a cauda como se de um trio de serpentes mortas se tratasse.
De resto, tudo normal: rosnando quando se sente ameaçada — vão lá entender-se os critérios dos gatos —, miando quando a intenção é comunicar com humanos.
Conheci-lhe a dona uma destas manhãs, que se acercou, atenta à minha atenção, e me contou a história do pouco que sabe que aconteceu, num Português fluente cheio de sotaque do Leste da nossa Europa: foi à terra dela para ser sujeita a uma cirurgia, a gata desapareceu durante uns dias e o marido foi encontrá-la quase morta, provavelmente atropelada. O veterinário queria eutanasiar, ela não permitiu. Revelou-me, olhos e boca de cantos a resvalarem para mais uma de outras lágrimas que já terá deixado cair, a opção, que percebi muito criticada: "Fica sendo o meu bebezinho de colo". E, afinal, nem tem sido bem assim, o animal desloca-se à mesma velocidade a que o faria se tivesse as quatro patas vivas. A convivência com os outros dois gatos da casa — uma criança vivaça e viçosa e um macho sobranceiro e soberano — é pacífica, não tem consciência da sua diferença, eventualmente não guarda memória do acidente, anulou a limitação por instinto e necessidade. Com toda a certeza, não vive de um passado que já não volta, nem se angustia com um futuro menos promissor. (A racionalidade pode ser o maior entrave para a felicidade.) É amada, está cuidada, o pelo brilha de saúde e até de alegria. Disse-lhe, "Ela é tão bonita", e agradeceu como se lhe tivesse elogiado uma filha. "É um membro da família". (Se é, só quem nunca amou um animal é que não entende o que disse esta mulher.)
É verdade que, quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de animais. Não fui eu que inventei esta frase. Desta vez, também é verdade que, quanto mais conheço os animais, mais gosto das pessoas.
Claro que são um membro da família.
ResponderEliminarQuando estão doentes, fico tão angustiada.
O meu gato mais velho (15 anos este mês) esteve doente há cerca de 10 dias. agora já está bem mas quando fui com ele ao médico, ia tão, mas tão preocupada.
E as tuas gatinhas, estão bem?
Sem dúvida, Ana.
EliminarAinda hoje me custa a morte da Mel. Não foi à toa que a pus nas etiquetas deste post. Na altura, houve até quem criticasse, mas o que é que as pessoas sabem?
Compreendo tão bem a tua ansiedade pelo teu gato. Eles ficam tão indefesos e entregues. Espero que recupere totalmente.
As minhas gatinhas estão excelentes. Não são as melhores amigas (o comportamento atrevido e errático da Milu não permite), mas também não se dão como cão e gato, passo a expressão :)