15/10/2016

Coração de passarinho

Foi talvez a terceira ou a quarta vez que, em meses sucessivos, lhe apareci com tensão de 10 — 6,5, a juntar a 70 pulsações por minuto. Disse-me que o meu coração não pode bater tão depressa e ter uma pressão tão baixa. Perguntou-me se me sinto bem, e eu disse a verdade: Sinto... 
Recomendou-me então que medisse as pulsações todos os dias, durante um minuto, e receitou-me uns comprimidos que fariam com que os valores normalizassem. No dia seguinte, obediente, contei-as uma a uma, deu 80 ao fim de 60 segundos, e não mais medi, porque passei a esquecer-me.
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Cada vez que passo pela gaiola, verifico se estão bem, os meus passarinhos. Se andam lá pelo pelo fundo e não os vejo, chamo-os. Aparecem logo e então sossego. 
Ontem fui dar com um deles, que não sei afiançar se se tratava do Bernardo ou da Bianca, preso por uma pata nas grades da gaiola. Não sei há quanto tempo ali estaria, mas não piava e estava tranquilo, quase de cabeça para baixo. Sobressaltada, fiz o que faço em todas as situações de pânico: um grande alarido, enquanto ajo. 
Ai, o meu passarinho! Ai, a patinha! Ai, coitadinho! Ai, tenho tanto medo de o magoar! Ai, que lhe parto uma patinha! Ai, meu rico passarinho!
(Pareço uma mulher das aldeias, só me falta o lenço preto, e as duas mãos na cabeça.)
O corpo de um bico-de-lacre pesa, ao todo, seis gramas. Uma pata dele, é mais fina do que um palito, e a sensação de fragilidade ao toque é igual à de um pouco de madeira de balsa. Não há como tremer, hesitar, ou ter algum gesto brusco enquanto se desenrola algo com aquele grau de delicadeza das grades de uma gaiola. 
O passarinho conhece a minha voz, e é extremamente inteligente. (Se fosse um periquito, não haviam de faltar penas pelo ar.) Pacientemente, esperou que o libertasse, sem um ai, sem um pio, coração tranquilo, sem um disparo, sem um baque, enquanto o meu, apavorado, saltava pela boca. 

(Nota mental: cortar-lhes outra vez as unhas.)

2 comentários:

  1. Alma de pássaro, é o que tu tens!

    Bicadinhas, Lindona :)

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    1. Que bonito, o teu comentário, Maria Poesia!

      E que giro, isso das bicadinhas :)
      Beijinhos pequeninos, Mary :)

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