10/07/2015

Ela fala tanto # 3

Ou
De como as conversas são mesmo como a porra das cerejas
Ou melhor,
De como os monólogos são como os cachos de uvas, mas coladas com Supercola 3 (e não, ninguém me paga para isto)

Tenho que assumir que aquilo é uma arte: colar assuntos incoláveis, fazer associações de ideias inassociáveis, e mais ainda: desaguar sempre, sem excepção, no mesmo tema, é sinónimo de grande ginástica mental, muito treino lingual, muita saliva despendida, muitos anos a virar a franga. Há-de ter-se perdido ali uma poetisa, uma oradora de púlpito — Natália pode ter reencarnado por ali —, uma pastora — mesmo que sem rebanho —, uma líder — mesmo que sem causa, como aqueles rebeldes.

O assunto são os filhos. Trata-se de uma ideia fixa, muito antes de ser um amor desmesurado e incondicional, que esse, em princípio, todos temos. Não, ali é uma obsessão, uma compulsão, uma tara por diagnosticar. É um tique. 

Assim, diga eu o que disser, a resposta é A minha Tatiana também. Por exemplo, se eu disser que a casa-de-banho precisa de ser varrida, antes de lavado o chão, a resposta que levo, que deveria ser OK, chefe — e batia-me uma continência —, é: Já a minha Tatiana é a mesma coisa. Deixa-me o chão todo cheio de cabelos. Outro exemplo: eu digo que preciso de comprar um guarda-sol novo, porque esta brisa mo esfornicou (claro que digo de outra maneira, mas isto é só um exemplo). E recebo como resposta, A minha Tatiana deu-me cabo do nosso guarda-sol. E daí, deriva para o relato ao pormenor da vida mais íntima, desde o dia do nascimento até uma perspectiva de futuro, vá, a médio prazo, de toda a família dela, composta por três irmãs, cada uma com dois filhos, mais mãe e sete tias, todas casadas, com filhos e netos. E quer que eu decore aquela árvore genealógica, quase ginecológica, de tanta mulher que aquilo tem pendurado dos ramos. Ora, eu, agasto-me.

Não conheço mais ninguém com uma capacidade tão profunda para relacionar temáticas como ela. Chega a confundir-me as ideias a mim. Depois daquela da caspa dos cães, que me encravou a roda dentada cá dos mióis, foi por tão pouco que não me descaí com uma gaffe muito mais imperdoável do que essa, mas tudo por culpa dela e do encadeado intrincado a que me sujeita, e que eu tenho mesmo que desistir de perceber. Senão, vejamos: o filho é gordo. 

(Eh, pá, não há maneira simpática de dizer isto, esqueçam lá as hipocrisias do forte, cheiinho, encorpado, largo. É gordo. Assim como existem magros, existem gordos, bora combinar?)

E ela acasala estas duas ideias, que profere, numa só frase:

- Já a minha Tatiana é a mesma coisa [referia-se ao facto de a filha não poder comer chocolates, por lhe fazerem borbulhas], e agora tenho um porquinho da Índia.

Só pode ter sido a falta de cafeína que me manteve o cérebro em stand by e não me permitiu cometer a gaffe maior — senão cruel, pelo menos, muito estúpida.


4 comentários:

  1. Anónimo10/7/15

    Tirando o facto de haver uma Tatiana na história, ensombra um bocadinho, acho o relato muito interessante do ponto de vista do interlocutor.
    Beijinho, LP.

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    1. O nome completo é muito mais requintado, em termos de malvadez. Mas poupei-vos.
      Obrigada, Mia.
      Beijinhos.

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  2. LP,
    Género ,espécie muito comum !
    As comparações são danadas ... e muitas conversas em vez de continências - esquece !
    Mas a mãe da Tatiana tb tem azar ... uma Tatiana com borbulhas ? A largar pêlo ? Alérgica ao chocolate ?
    Horrível !
    E ainda um " Tatiano " denso ?
    Cenário horroroso !
    Sem cura !

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    1. Olha, mas é feliz assim, e isso é que importa! :D

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