25/06/2015

Eremitei-me

Não tenho nada para vos contar.
A minha vida, neste momento, resume-se a um teclado, com (deixa cá contá-las) 104 peças, não contando com aquelas pequenininhas lá de cima, de acesso directo ao mail, à música, à calculadora, e porrinhas, senão, seriam 114, e estou a contar a barra de espaços e o enter como teclas, ao que eu cheguei, mas também não estou a contar as teclas duplas como duas, que isto de se pôr os tiles, os circunflexos e os pontos nos ii não é para qualquer uma, quanto mais as p. das vírgulas. 
O trabalho vai em 314 páginas e eu não lhe vejo o fim, que está quase, mas esse quase já existe desde há muitos dias a esta parte gaga.
Eremitei-me para aqui, faço lembrar um eremita a sério, que se eremitou ao final do eixo norte-sul, de quem vai para o Continente de Telheiras, ali por uns anos. Tinha uma pedra, altar de culto, uns ramos de umas ervas que não devia fumar, e vestia-se e penteava-se como um eremita mesmo real, assim de manto branco e barbas compridas, sei lá se não era o Noé, naufragada a arca e dispersados os bichos todos, aos pares heterossexuais, como convém. Sei só que, um dia, ele se deseremitou, deve-se ter chateado de estar ali todo o dia a vê-los passar, sem ganhar protagonismo nem moedas de jeito, e toca a andar de volta para o escritório, que lá é que se está fresco. Ou alguém se chateou de o ver ali e, como se costuma dizer, institucionalizou-o. Já não se pode ter um aspecto diferente do resto da manada, que não nos tomem logo por loucos e não seja por nós que começam o processo de institucionalização, vulgo, normalização, como aquelas laranjas e maçãs da CEE, que eram todas iguaizinhas umas às outras, deviam vir todas da mesma forma.
Na verdade, a única coisa que faço, e que me distingue de um eremita a sério, é, apesar de trabalhar em casa, lavar-me, pintar-me, vestir-me, meter os dedos ao cabelo (não me penteio, conforme sabeis) e calçar-me, tal e qualmente faria se trabalhasse fora de casa, tipo na rua. Não há cá albarda confortável, nem pés em cima da secretária (a de quatro pernas, que a de duas não tenho), nem migalhas da minha existência por todo o lado, nem dentes por lavar. Por respeito a mim, por respeito ao meu trabalho, por respeito a quem mo paga, sou uma eremita, mas uma eremita chique.
Dia após dia, sento-me às teclas e digo-me,
Bom dia, senhora doutora.
Com todos os efes e erres que a frase contém — e que são muitos.

8 comentários:

  1. Anónimo25/6/15

    Bom dia LP,
    Para quem não tinha nada para contar, verifica-se aqui, um ligeiro apontamento paradoxal.
    Beijinho,
    Mia

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    1. Bom dia, Mia
      Paradoxos e idiossincrasias são comigo :)
      Na verdade, não tenho grande assunto, como se viu...
      Beijinhos, um dia feliz :)

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  2. E digo-te mais, és uma diva. Trabalhar em casa é só para quem pode. Num instantinho me desgraçava.
    Eu estou em casa há 2 dias, doente, com aquela coisa do ranho e a tosse cavernosa. Ontem foi o descalabro, hoje o descalabro será.

    (entretanto estava aqui a pensar como é que me punhas as pernas em cima - tu pendurada no teto?)

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    1. Quase tenho que me sovar, para conseguir fazer alguma coisa, mas isto vai, ou racha.
      Credo, já passei por isso, no início da Primavera. Deitei pulmões e bofes para fora, nem me quero lembrar. E fui surda por muitos dias.
      As melhoras!

      (isso era uma questão a combinar. Ou tu te punhas de gatinhas... :P)

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    2. Tu não me fales em gatinhas....

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    3. Continua uma diabinha? :)

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  3. Anónimo25/6/15

    Anda tudo doente, com ranho, tosse e afins. Sou mais uma quase surda, este ano já pela segunda vez quando raramente eu me constipava. Horrível, qual perfume, qual comida...zero, pobre nariz!

    Bem, em relação ao que referes e afinal até tinhas qualquer coisa para contar, acho que fazes muito bem adotar essa postura.
    Por vezes quem trabalha a partir de casa desleixa-se, o que é mau.
    Comigoas coisas resultam muito melhor quando estou bem vestida, de dentinho lavado, etc, seja onde for, mesmo a trabalhar em casa sinto-me bem mais confiante se estiver tal como mencionei.
    É só vestir o pijama ou a roupa de "andar" em casa e, toda a energia modifica à minha volta.
    Força nisso!

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    1. Eu já me livrei dessa praga há semanas.

      O meu computa não me apanha mal enjorcada, jamé!

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