Sobrevivi a ver-me sem cabelo — e, a partir daí, a encarar-me assim duas vezes por dia —, terei que aguentar a paulada que será ver-me sem pestanas, jamais terei forças sequer para pôr um pé fora da cama se ficar sem sobrancelhas. O oncologista giro diz que isso não vai acontecer, mas a mim palpita-me que, por uma vez, ele pode estar enganado. Vai daí, meti pés a caminho, isto é, fiz uma prospecção de mercado sobre o que é que há por aí que não pareça um murkin em cima de cada olho, nem se aproxime daquela tatuagem preta, com formato de vírgula (logo eu, que tanto aprecio as vírgulas colocadas no seu devido lugar, mas não me parece que seja aquele) que por aí tanto se veem. Deixem-me, eu sou uma senhora de meia idade, preciso de me sentir bem na minha quase velha pele.
De entre várias empresas que contactei, guardei uma no coração, naquele micro-cantinho do azedume: a da Vanessa. Um primor de atendimento esdrúxulo e desorganização, assim narrável: liguei, atendeu-me uma possidoníssima do mais chique que há ao nível do sotaque tá-a-ver?, disse-lhe que precisava de informações acerca do procedimento que a empresa anuncia, uma vez que estou a fazer quimioterapia e, em breve, ficarei sem sobrancelhas, e que agradecia igualmente que me dessem uma ordem do valor. Pussy, ignorando olimpicamente a palavra “quimioterapia”, respondeu: “Olhe, vou passar a outra pessoa, que está mais dentro do assunto do que eu”, ai queres ver que estive a relatar intimidades a uma telefonista de uma multinacional e não à pessoa que atende numa m. de um centro de estética?, lá veio outra igual, passados três segundos, ok, podem ter sido sete, que já estava a par do assunto — portanto, era a mesma doida —, que me disse assim, à queima-roupa: “Olhe, eu agora não estou em condições de lhe revelar valores”, ai tu queres ver que me enganei e perguntei a quanto é que estava o graminha da coca? Assim que prometeu ligar-me mais tarde, desliguei entre o atónita e o caguei-nestas, risquei o nome da lista que tinha feito e passei à seguinte.
Ao fim da tarde, recebi este miminho:
Olhe, thia, fudi com tanto anacronismo. Afinal, estavam de férias. Não sei como não percebi logo que estava a interromper algo dessa importância com o meu miserável telefonema. E também magoei com essa de ter começado uma mensagem na primeira pessoa do plural e depois a acabar no singular.
Bom, esperei até às 15:38 de hoje, mas Van ainda devia estar a almoçar. Precisava de lhe dizer que há muito tempo que não era tão estupidamente mal atendida em lado nenhum. Mas depois deixei de precisar, defequei nela e sua heterónima e bloqueei o número, que é das melhores coisas que não sei quem inventou. Não estamos nessa, Vanessa.