26/01/2017

... apertar o pescoço não é violência doméstica...

Proclamam os senhores juízes conselheiros do Tribunal da Relação de Évora que apertar o pescoço não é violência doméstica. Quer dizer que os senhores conselheiros, que têm a penúltima — e, em alguns casos, a última — palavra a dizer quanto às sentenças dos tribunais comuns, consideram que, se uma pessoa humana apertar o pescoço a outra, com quem vive uma relação familiar ou afectiva, e a arrastar pelo pescoço — como aconteceu no caso que apreciaram — não está a cometer o crime de violência doméstica. E que é necessário que exista um grau superior de consequências que afete a dignidade pessoal da vítima, não bastando uma série de crimes cometidos durante uma relação afetiva para que maus-tratos passem ao crime de violência doméstica. Ou seja, a vítima tem que ficar maluca ou matar-se. É só isto que os senhores juízes conselheiros pedem. 
[Estou um bocadinho nauseada, mas pode ser por outro motivo.]
(A ver se faço disto mantra para hoje; também a ver se consigo, senão concordar, pelo menos perceber o raciocínio.)
(Sou incapaz. Sou uma incapaz.)
A mim, que não percebo nada disto e só ando cá a apanhar bonés, tudo me leva a crer que os dois senhores que presidiram o colectivo (sendo um deles uma mulher), foram duas crianças muito amadas e protegidas, a quem nunca, na escola, um outro petiz apertou o pescoço, só assim porque lhe apeteceu. Não conhecem a sensação de falta de ar e desespero, nunca sentiram a cara a inchar de carótida e jugular comprimidas debaixo de uns dedos.
(Foi pena. A violência nas escolas ajuda-nos a melhor colocar no lugar do outro, em circunstâncias destas e doutras. É quase didáctica.)
Talvez por esse motivo, também me parece que os juízes do Tribunal da Relação de Évora que emitiram este acórdão foram, ao longo de toda a sua vida, pessoas muito amadas e protegidas, conservadas numa bolha de irrealidade e, por isso, de irracionalidade. De todo o modo, desconheço de todo que cartilha leram pessoas como estas, capazes de tirar conclusões deste calibre. Mas fica mais do que claro, da leitura do acórdão, que a tal irrealidade somada a irracionalidade, percorrem juntas e a eito o caminho da desumanização e, por consequência, da desumanidade.



10 comentários:

  1. Creio que, de alguma forma, tomaram Putin com "role model" (como um outro presidente no outro lado do Atlântico também com historial nesse ramo).

    Aqui.

    Boa tarde, LB.

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    1. Qualquer que seja o ponto do globo, a descriminalização de qualquer crime já é um crime. Ainda mais se essa descriminalização se estender às crianças.
      Tanto no caso russo como no português, no limite pode-se impunemente apertar o pescoço a um filho, enteado, filho da união...

      Boa tarde, Xilre.

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  2. E o ponto II ?
    Sim senhor !!!

    ..." não devendo o julgador tentar, através de tal intervenção, modelar e ajustar comportamentos (no âmbito das relações de conjugalidade), punindo criminalmente aquilo que, bem vistas as coisas, é apenas merecedor de censura ético-moral. É que, a não ser assim, poder-se-ia chegar à absurda situação de existir perseguição criminal de comportamentos que, pura e simplesmente, se afastem de determinados padrões de comportamento socialmente dominantes."...

    Nem dá para comentar...

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    1. Claro. Poder-se-ia chegar à absurda situação de entre marido e mulher meter a colher. De facto, este país é um país cheio de tradições, que há que manter intactas...

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  3. Fui ler a decisão, seguindo o link - o que dizem é que não será naquele caso violência doméstica - não percebi é porque não terão considerado que fosse ofensa à integridade física, talvez tenha sido porque a ofendida desistiu da queixa crime.

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    1. Sim, mas as decisões da Relação são decisões com um carácter muito próximo do da lei. De hoje para amanhã, qualquer badameco se pode agarrar a este acórdão para recorrer de uma sentença que o tenha condenado nos mesmos termos. Imagina que se passa em Évora: os juízes não vão dar o dito por não dito e contrariar a sua própria decisão, ou dos colegas...

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    2. Não me parece que seja assim...já vi na mesma Relação, decisões contrárias e aqui a questão é mesma esta: não é o acto em si que está em causa, mas outras circunstâncias que têm de ser valoradas.
      Por exemplo, no mesmo acórdão, entre os factos provados vem escrito que enquanto estavam a discutir ela lhe atirou o comando da televisão à cabeça. Esse acto é violência doméstica? Ninguém parece tê-lo considerado assim. Mas isso não impede que possa haver um processo crime em que juntamente com outros factos venha a sustentar uma acusação e uma condenação pelo crime de violência doméstica.

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    3. Abstractamente, atirar um comando à cabeça de alguém é um acto de violência. Pode entrar no campo da legítima defesa, mas não perde a "categoria" por isso. Todos sabemos que para dançar o tango são precisos dois, que à primeira pancada és vítima mas à segunda já és cúmplice e tudo isso. Mas enquanto andarmos a falar juridiquês e a ter como diapasão acórdãos como este, os números não param de aumentar.
      Eu só consigo fazer uma leitura, mas também admito, sem ironias, que a dificuldade pode ser minha.

      :)

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  4. Não percebeste pah. Eles estavam a praticar Asfixiofilia :P

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    1. Então de que é que ela se queixou? Muito gosta este povo de dar que fazer aos tribunais :P

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