15/01/2017

Nunca percebi muito bem a fronteira entre a hospitalidade e a subserviência

E parece que também não foi desta.
Era a última aula daquela coreografia, o momento em que a pessoa já sabe aquilo tudo de trás para a frente e para a esquerda e para a direita, ideal para se sentir aquaisi num musical da Broadway. Entra um gigante que anuncia I don´t speak or understand any word of portuguese [ainda hei-de experimentar dizer coisa semelhante, mutatis mutandis, lá para a América, ou em qualquer anglófono, quando lá for um dia], a professora riu-se e basicamente não proferiu uma palavra de inglês durante toda a aula, e ele teve mesmo que se amanhar com o que entendia, agora passo-toca, agora pisa, agora esquerda — quais left —, agora direita — querias turn on the right, mas olha, não deu. 
O grandalhão ficou right by my side, porque também não podia ser de outra maneira. Dá-se que a pessoa só é alta ao pé de pessoas portuguesas, e montada nos saltos, pois que perto de um estrangeiro e de ténis calçados lá se vai o pedestal, um contratempo do genital. Para além de grande, o homem era espaçoso, e veio a revelar-se um bailarino aplicado. No passo de mergulho já só via a cabeça lisa na direcção da minha, a minha a fugir de cabecear uma bola de ferro, enquanto as pernas enormes levavam os pés, num único passo (de mágica), para o local onde se encontravam os meus, que ó pernas-para-que-ui, coitadinhos, deram em dar à sola muito mais do que à anca, isto se não queriam ficar esmagados e ou enterrados no soalho. 
Só me pergunto por que é que tenho tantos momentos na minha vida que davam na perfeição para cenas do Aeroplano. Ou do Aeroplano II. 



A pessoa saiu da aula bem contorcionada, após várias fintas ao nível das extremidades, mas, ao que tudo indica, com a cabeça e os pés inteiros. 
Foi um consolo ouvir a querida professora, no final da aula, proferir naquele inglês perfeito dela, Espero que tenham gostado, até sábado. 
Eu não desgostei. O altão adaptou-se à língua nativa. E eu adaptei-me às várias invasões do meu espaço vital que, lá está, só era aquele porque resolvi não desarredar pé dali.
Nem me falem em pés.

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