07/03/2016

A final

Estou a menos de uma hora da reunião com a DT dele.
Antevejo-me a chegar, sorriso cordial — a evitar o amigável, afinal somos rivais, a evitar o submisso, afinal ninguém está em desvantagem no confronto —, dois beijinhos, coisa de mulheres, espero que me indique a cadeira, afinal estou "na casa dela", sento-me e espero, enquanto suspiro — a evitar o enfado, afinal estou mesmo farta destas reuniões, mas não posso deixar transparecer, a evitar o ar ansioso, afinal não estou —, e espero que seja ela a dar início às hostilidades, afinal foi ela quem marcou a reunião. 
Prevejo que vou ouvir "podia ser tão melhor", "não se cala", "nem é arrogância, é uma resposta pronta constante, cansativa, perturbadora", "tão inteligente", "tantas capacidades", "prejudica-se a si mesmo", "nos comportamentos tem sempre má nota, e depois no aproveitamento é o que se vê", "peço a sua ajuda", "espero que, ao menos, a mãe ele ouça".
E penso "não sei a quem é que ele sai assim", "sei bem a quem é que ele sai assim", "raio de sistema, que não deixa as pessoas serem criativas", "não se pode sair da manada que é logo ao chicote", "só falta dizer que ele é mal educado", "que vontade de me ir embora", "tirei-me eu dos meus cuidados para vir ouvir esta reza outra vez", "chata".
E digo "vou falar com ele", "talvez lhe retire um privilégio, só ainda não sei muito bem qual", "sabe, ele é um bom menino", "não fuma, não anda com gandulagem", "eu também já tive quinze anos, e lembro-me...", "lembro-me tão bem...", "era uma ânsia, uma asfixia, uma coisa mais forte do que eu...".
E depois saio, com a sabatina toda mal sabida, os meus quinze anos ao rubro, a certeza da inutilidade de tentar domar um poltrinho ainda em estado selvagem, a absoluta de que só o tempo — e nem sempre o tempo — é que pode operar o milagre da transformação que elas pretendem. O fenómeno da docilização, pela disciplina.

6 comentários:

  1. Dizem que piora... Antes de melhorar :p

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    1. Também foi assim connosco, agora aguenta :P

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  2. Querida Blue, este seu bonito texto podia estar a descrever o meu "poltrinho ainda em estado selvagem". E a Blue podia ser eu. Tal e qual.
    Como é que, nessas idades, se doma esses ímpetos, essas asfixias (e não estou a falar de falta de educação) sem matar um pouco a alma?

    Um beijinho solidário :)

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    1. Querida Miss Smile, haja alguém que me entende, sem pensar ou dizer "Vais por mau caminho, péssima educadora". Tenho um poltrinho feliz, educado, impetuoso, quantas vezes excessivo, mas nunca violento, frustrado, infeliz, desanimado. E não o quero diferente. Vou ter muitas saudades destes ímpetos, um dia.

      Um beijinho reconfortado :)

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  3. Estive do lado dele e do teu. Estou do da DT agora. Sou demasiado benevolente, raios. E gosto dos rapazes meio rebeldes... (para a maioria dou a "setorinha") :)

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    1. O problema é que também eu gosto deles assim. A directora do agrupamento é da nossa raça: "Ai, eu acho uma piada ao seu rapaz, porque gosto deles assim, vivos!", mas as DTs não alinham por este diapasão.
      Beijos, setorinha :)

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