11/06/2015

Antes de mim, a desordem; depois de mim, o caos

Por acaso, tenho lido muito por aí, ultimamente, aquele ditado chinês que ordena assim: Nunca deves regressar a um local onde foste feliz.

Eu, também por acaso, não sei se concordo, embora perceba: o local até pode estar no mesmo lugar onde estava da última vez que o visitámos, nós é que, forçosamente, ou não, estaremos mudados, ainda que só tenham passado uns dias entre uma visita e outra. 

A mim, esse exercício não me derruba (para isso, só mesmo o pino contra a parede, e, mesmo esse, se ela for falsa). Pelo contrário, actualiza-me, foca-me, eventualmente faz-me perder as ilusões de eternidade e imortalidade que, queiramos ou não, todos alimentamos como a um bicho raro e frágil. Apenas confirmo, de forma simples e rápida, aquilo que é, instintivamente, a concepção da própria morte: antes de mim, a desordem; depois de mim, o caos.

Está-me reservada, com uma garrafa de whisky — daquelas grandes, com suporte metálico, para não se desequilibrarem na bebedeira do entornanço —, a quinta subcave do buraco do Hades. 
(Olha, quando virem que desapareci do meu buraco, já sabem: é lá que estou, dançando e cantando com a encarnada figura, a morrer, que já morri, de calor, e ele que me ature. Ou até lhe transformo aquilo num local mais aprazível e prazeroso, pois que danço como uma dançarina e canto como um rouxinol, no meu silêncio e no meu espelho, que me dizem, em uníssono, És tu, minha rainha, e não há Brancas de Neve que te cheguem ao topo da cabeça, quanto mais aos calcanhares.)

Senão, vejamos: 

Ontem fui à rua dos Pescadores, na Costa da Caparica. O tempo não estava para praias e, em vez de me cultivar (mais um bocadinho, uma vez que estive a ler um livro só de letras, sem bonecos, bastante parte do tempo em que estive alongada no areal), quis ir ver a loja Poko Pano que lá existe, ao cimo da rampa, de quem sobe. Ver, só ver. Não é porque uma pessoa está a dieta que não pode devorar o menu. 



Cá em baixo, à esquerda, no lugar da geladaria (ó pá, não me venham cá com essa da gelataria, que a mim me dá logo um calor de derreter tudo à minha volta e entro em autocombustão), estava uma coisa qualquer, tipo uma mediadora, ou assim (a foto é de 2009, e esta 5ª Avenida já era).

Nós éramos todas da mesma tenra idade parva, aquela idade em que todas somos tenras e parvas.
Ele trabalhava na geladaria e era tão bonito, de bata branca e olhos pretos gigantes.
Comemos tantos gelados naquele Verão. Mas tantos. 
(Eu sei que não engordei um grama porque era magrinha.)
Um dia, descobrimos que ele era também sacristão, ou acólito. E era tão bonito, de batina branca e olhos pretos gigantes. 
Papámos tantas missas naquele Verão. Mas tantas.
(Eu sei que não me converti porque já era pecadora.)

É por estas e por outras assim como estas que eu sei que o Hades me espera, aos saltinhos.
Mas sei também que posso, com uma tranquilidade diabólica, voltar a um local onde fui feliz, porque terei mudado o que houve a mudar, já não serei igual, nem tão magrinha, nem tão pouco pecadora, mas serei lá, com certeza, igualmente feliz. 

2 comentários:

  1. Cara Linda,
    O título está tão bem conseguido que não resisti a comentá-lo, para lhe dizer que no início era o caos. Uma espécie de baralhar e dar de novo. Ou um eterno retorno. Ao ser.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Ando a tornar-me exímia em encontrar títulos-chamariz.
      Na verdade, foi uma frase que inventei aí pelos 15 anos, e nunca mais me calei. Ainda não saí desse caos, portanto. Ou retorno a ele, constantemente.
      Um beijo para si,
      Linda Porca.

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