20/01/2014

Deixem as pessoas viver a vida delas em paz, caramba!

Estou com a Preta, conto-lhe que vi ontem o "12 anos escravo". Quer saber a minha opinião. Se vale a pena ela ir ver. Se vale a pena levar o namorado (branco) ou ir sozinha. 

É um bom filme. É um grande filme. É enorme. Eu tirava-lhe uma grande parte. Nada nos diz, ao longo do filme, se já passaram 2 dias, 2 anos, 4 ou 10. A mim não me trouxe nada de novo porque, quem já leu "A escrava Isaura" e "A cabana do pai Tomás", já sabe tudo acerca de escravatura. O tronco, a separação da mãe e dos filhos, os abusos, o facto de os brancos, mesmo os mais misericordiosos, não terem noção nenhuma de que eram pessoas que ali estavam à sua frente, nada disso é novo. Trouxe-me outra vez vergonha de ser pessoa. Trouxe-me outra vez vergonha por algumas passagens da História da humanidade. E penso, ingenuamente, que vivo numa época privilegiada. Mas não vivo. O que é que se passa no Afeganistão? O que é que se passa na Índia? Quem é que me diz que, daqui a vinte anos, não vão descobrir uma vala comum com centenas de mortos? O que é que se passa nas prisões dos regimes não democráticos? E em algumas outras, dos regimes democráticos? Para onde é que vão as pessoas que desaparecem porque pensam de outra maneira? E o que é que se passa em Portugal, que uma pessoa não pode ser maricas à vontade? Nem tratar de uma criança porque dorme com alguém que é proibido por outro alguém? Eu não quero nascer pessoa na próxima encarnação. Estou farta de dizer lá para cima que me reencarnem macaca. Eu quero voar de galho em galho, comer amendoins e bananas e catar os piolhos dos meus filhos, agarrados às minhas costas e à minha barriga. Não quero viver esta vida de me preocupar se tenho barriga e se as mamas estão no lugar. Não quero ter o azar de ir parar a um harém e ser escrava sexual de um demente desdentado. Ou calhar ter uma cor de pele que não agrade a um grupo de gente e que isso seja o inferno da minha vida. Ou até ser fufa e alguém achar que pode meter-se nisso. Macaca, já disse. E não abro mão.

Ela, cidadã estrangeira, solteira, dois filhos, monoparente de primeira qualidade de duas crianças lindas, saudáveis e felizes, preta, hetero por acaso, de olhos negros enormes escancarados ao meu discurso e logo as duas a rirmos da ideia de mim, macaca. Mas e se ela hoje quisesse outra mulher em casa a viver com ela e a coadoptar-lhe os filhos, o que é que isso desgovernava na vida dos governantes que por cá temos? Quanto à dela, existe uma forte possibilidade de, no repartir de atenções, noites mal dormidas e despesas, aquelas crianças lindas, saudáveis e felizes ficarem ainda um bocadinho mais de cada uma dessas coisas, por  passarem a ter uma mãe mais disponível e realizada. Mais linda. Mais saudável. Mais feliz.

3 comentários:

  1. Li algumas das suas publicações e acho simplesmesnte fantástica a maneira como escreve e a espontaneidade e perspicácia das suas palavras!!! Posso partilhar o seu texto?! Não percebo como é que não tem comentários!!

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    1. Obrigada! :)
      Nem eu sei...
      Mas não divulgo nada isto, raramente faço comentários em blogs com este perfil.

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    2. Estou tão pouco habituada a elogios que não respondi ao principal.
      Partilhe, claro :)

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