25/01/2014

Aceitação

Em todos os lutos existem as fases da negação, da raiva e da aceitação. Isto é científico, eu não inventei nada. Deve haver excepções várias para mortes auto-infligidas, lutos de crianças, etc.

Morre-nos uma pessoa querida e o mundo desaba. Mais uma coisa que não inventei eu. Desaba, literalmente. Tanto e tão definitivamente que andamos na rua incrédulos, como é que é possível que os autocarros continuem a circular e a parar nas paragens, as pessoas a entrar no café a beber a bica, até os pombos, o raio dos pombos, continuam a esvoaçar e a destemer pelas suas próprias vidas, a atravessar fora da passadeira com aquela calma que só tem quem não sabe que a vida acaba um dia. Nessa altura, passamos a maior parte do dia a dizer não, que disparate, não é nada verdade, até vemos a pessoa na rua, chegamos a ter sustinhos ah, vai ali! ou então acontece-nos qualquer coisa que gera logo um pensamento do género "tenho que lhe contar isto", em vez de "já nem lhe posso contar isto". Mas a fase da negação é para malucos e até o mais desacreditado quer que ela passe depressa, provavelmente porque sabe que está a ficar doido, a ver e sentir a presença de uma pessoa que morreu. Normalmente, porque todos precisamos de algum equilíbrio nesta barafunda, passa para a raiva, e vira-se contra. É o mundo que é uma merda, são as pessoas que não valem nada, tanto inútil que por cá anda e tinha que ser a mim que me morrias, e as pessoas más, por que é que não foram à frente, e tu, por que é que me morreste? E tu? Por-que-é-que-me-morreste? Não podias ter esperado mais uns anos? Custava-te muito esperar que eu morresse, para não ter que passar por isto? Não te aguentavas só mais uns meses, só até...? Como se a pessoa tivesse culpa. E tem. Mas tem. Só tem. Por qualquer mecanismo que não está ao nosso alcance, a pessoa que nos morreu tem a culpa, quanto mais não seja porque nos magoou desta maneira. E deu-nos um desgosto que não tem remédio. Não há volta, não há reconciliação, não há reaproximação. Não nos atende o telefone, desapareceu das redes, sumiu-se como se nunca tivesse existido e nós assim, todos rotos. E ela indiferente ao nosso sofrimento. Nem sequer temos como lhe fazer passar a mensagem, vá lá, o que é que é preciso que eu faça para que voltes? ou raios para ti, que me deixaste tão pobre e nem te importas. Só que esta fase também não pode durar toda a vida, sob pena de nos estraçalhar e até provocar a nossa própria saída de cena. Daí ser tão importante passar rapidamente à fase da aceitação. Chega. Já percebi. Acabou. Para isso, é preciso perceber por quê. O que é que falhou? A saúde? A resistência física? O cuidado com a própria integridade? A educação? A inteligência? A capacidade de dizer não?

É só isso que eles precisam de saber, para poderem aceitar.

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