Quero agora saber onde é que foste beber a tua fé. Quero agora uma igual para mim. O que é, onde fica o teu porto seguro, o teu abrigo, o teu ombro, o teu colo, a mão que se estende na tua direcção, a tábua de salvação, e outras metáforas semelhantes que não me ocorrem agora? Quero acreditar, quero também essa certeza de que vai correr tudo bem, que tudo acabará bem, que até eu ficarei bem, seja onde e como for. Que existe algo maior do que eu, que me fará companhia independentemente da duração do calvário, do tamanho e do peso da cruz.
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Íamos em quê? Trinta anos de amizade, ou bastante mais do que isso? E agora desapareceste, quando me soubeste doente. Não que precise mais de ti agora, nestas coisas é assim mesmo como diz o dito: quem está, está; quem não está, estivesse. Mas quero perceber, daí ter-te perguntado a razão desse afastamento, logo agora. Apareceste via mensagem escrita, por ocasião da Páscoa, desejando-me uma “santa Páscoa”, com muitos bonecos de pintainhos e raminhos. Não me falaste em amizade, na tua vida que eu sei descomplicada, nos dias que voam. Pediste-me apenas perdão e manifestaste a esperança de que eu um dia entenda as tuas fragilidades. Fiquei, então, com mais uma incumbência para a minha vida, imagina: entender as tuas fragilidades. Um dia, que cómico: quando eu for dada como curada ou como perdida? Queres escolher agora?
Pergunto-me quanto tempo mais duraria a tua ausência se não fosse a “santa Páscoa”. Entretanto, se dependesse só de ti, todo o meu percurso seria de solidão e desapoio.
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Não tenho um rumo religioso muito bem definido, pode ser que ande perto da definição de católica não praticante. Não tenho paciência nem tempo para ir todos os domingos ouvir as palavras lidas de um homem cumpridor e enfadado, lado-a-lado com mais não sei quantas outras almas que crêem, mas também precisam de ver e ser vistas, de apaziguar as pequenas tormentas do dia-a-dia, ou sei lá por que razões o fazem. A minha conversa com o meu Deus é em discurso directo, às vezes zango-me, ralho, a maior parte das vezes peço. E não é por mim.
Dir-me-ás o que dizem os tais praticantes sobre os que não frequentam o vosso culto: que é mais fácil ficar em casa do que ir ouvir a palavra do Senhor. Sim, até concordo. Mas também é mais fácil ir à missa todos os domingos bater no peito, por mea culpa, por mea tão grande culpa, e encontrar assim a paz, depois da punhalada num amigo ao qual só precisavas de ter dado essa mesma mão que bate, em contrição, religiosamente, todos os domingos no teu peito cheio de fragilidades.