16/04/2022

Pilosidades oculares

Hoje pus pestanas postiças pela primeira vez na minha vida. Quer dizer, já tinha experimentado, mas a própria colocação havia-se revelado algo de parecido entre uma luta de cola, pêlos rígidos e nervos, com um resultado final não muito longe do que conseguiria a traveca de Almada, pestanas gigantescas à drag queen, as da direita coladas para um lado e as da esquerda para o outro, quase a meio da pálpebra, só faltava colá-las na testa. 
Na perspectiva de ficar sem as minhas, mandei vir umas especiais de corrida, naturais (com tamanho próprio para mulher), elaboradas por alguém sobrevivente a um cancro, o que, se nada garante quanto à eficácia do produto, pelo menos dá-lhe uma credibilidade acrescida relativamente às pestanas que parecem capachos extensões, que ainda estou para saber como é que alguém aguenta aquilo dependurado das pálpebras por cinco minutos que seja.
Correu mal, a minha enésima tentativa e primeira colocação. Estava enervada de me ver, de dia para dia, com menos pestanas. E a não caírem simetricamente, o que só estimulava o meu TOC com assimetrias: caíam mais da pálpebra superior direita e da inferior esquerda, mas isto faz alguma lógica? Deviam cair só as de baixo, ou então na mesma proporção à esquerda e à direita. Não, uma desarrumação impossível de disfarçar com rímel, uma indómita vontade de cortar tudo rente.
Enfim, hoje acordei determinada. Tenho um jantar com amigos — só para que conste, eu tenho amigos e que jantam comigo —, e, já que tenho que ir com as unhas todas negras, cabelo postiço e sobrancelhas pintadas, ao menos que leve pestanas nos olhos. Já não digo buço.
Aquilo tem um autocolante transparente, “invisível”, que até dá para maquilhar por cima. Mas a aplicação é o mesmo drama que é para qualquer par de pestanas postiças: são dedos a mais, pelinhos que se entortam, a cola é sempre necessária porque a curvatura das postiças nunca corresponde à da nossa pálpebra e as pontas ficam espetadas, a pessoa usa pinça (correndo o risco de espetá-la num olho e ficar invisual à custa de), prega com o pelame no sítio errado da pálpebra, descobre rugas que nem sabia que tinha (ou nasceram entretanto, com tanta contrariedade), toda uma briga entre a nossa minha teimosia e a necessidade de me sentir bela. 
Levei uma hora nisto. Aguentei, posteriormente, outra hora com elas “postas”, a sentir picar em todo o globo, um peso nas pálpebras superiores que parecia aquelas actrizes de Hollywood dos anos 50’s do século passado (só me faltava a cigarrilha), que não conseguiam abrir mais do que meio olho, uma sensação de estar pejada de remelas, pronto, arranquei tudo. Vou jantar com as poucas pestanas que ainda tenho, ou então meto uns óculos de sol e digo que estou com fotossensibilidade, derivados do luar.