Tínhamos como intenção, minha Rosinha e eu, estacionar num parque de estacionamento de um supermercado, lado-a-lado com o carro de outro condutor que acabara de fazer a mesmíssima manobra. E assim fizemos. O senhor saiu da viatura dele, foi ao porta-bagagens remexer não sei em quê, quando me apercebi de que o carro dele estava a andar sozinho, recuando na sua direcção. Curiosamente, o homem também deslizava para trás, numa óbvia impossibilidade de ser colhido pelo próprio automóvel, como se ambos estivessem em cima de um tapete rolante, ou a fazer moonwalk, sempre à retaguarda. Mas o que é que o neurónio louro/ ansioso/ incapaz de raciocinar algo que não seja sempre A tragédia, processou logo? “O homem vai aqui morrer esmagado pelo próprio carro à minha frente e eu não terei movido uma palha para o evitar”. Mais nada, isto logo pela manhã, quase madrugada, eram umas 10:30. Então, vai de reagir, como faço sempre nas situações de pânico (mesmo naquelas que não são, como se verá pelo exemplo desta), valha-me ao menos isso, que não sou dessas que “ai, eu paraliso”, ou seja, “mais um mono para carregar se houver um incêndio, estúpida”. Bati no meu próprio vidro, já que não conseguia abri-lo (motor desligado), tentei apitar (motor desligado), e, quando tomei a decisão que considerei certa — abrir a porta e gritar-lhe que tinha o carro destravado —, já o homenzinho podia estar falecido sob sua máquina, mas ao menos eu tentara salvá-lo e isso, parecendo que não, conta pontos não sei aonde. Mas não, ele continuava a mexer no interior do porta-bagagens, recuando à medida exacta em que o carro dele recuava.
Percebi, nesse momento, que era eu quem tinha o travão de mão desligado e que Rosinha avançava, felizmente sem que houvesse qualquer obstáculo à nossa frente, caso contrário lá se teria ido com os porcos mais um pára-choques (que é para isso que eles servem, literalmente).
Moral da história? Acho que não há. Pus um chapéu sobre Natércia, para me disfarçar de Greta Garbo, ainda me cruzei várias vezes com o senhor nos corredores do supermercado, ponderei desculpar-me com a seguinte frase: “Afinal, a destravada era eu”, mas o ar atónito da figura de cada vez que me encarava era tal, que deixei para uma próxima.