21/07/2025

A mulher que podia ser minha mãe # 9

Ligo-lhe porque, da última vez que os vi, notei ambos muito preocupados, ela sob a forma de chiliques e suspiros, ele sob a forma de magreza — ainda mais do que antes — pronunciada, sem uma queixa, sem um desabafo. A idade avançou-nos a todos, passaram quase três décadas desde que os conheci. Atende-me aos ais, a voz dele suave e firme ali ao lado, a responder por ela às perguntas que eu fiz, que sim, que há um “oma” no corpo dele, vai fazer o PED, eu tento acertar-lhe o passo da descrição, PET, o temido exame que diz por onde é que o oma anda, se está circunscrito ou se já minou por todos os cantos. Ela entaramela a voz, está claramente anestesiada por auto-recriação que sei que faz, ele lúcido como um rapaz, apesar dos oitenta e sei lá. Sinto-a choramingar e lutar contra a perda de compostura, num óbvio acto de coragem “por ele, para não o assustar mais”, enquanto tresouço a voz dele a conformá-la do medo, das certezas — pois é médico — que terá por via de um mal que o assola a ele. Não há como construir uma estaca de sustentação feita de massa mole, quando a árvore começa a entortar com o tempo e o vento. Será ela que terá que se aguentar de pé e ainda fornecer forças para que a estaca não quebre.